Foi tudo uma questão de perspetiva baseada na data de nascimento. Quando o sorteio dos quartos de final da Liga dos Campeões ditou que o Benfica iria encontrar o Liverpool, os mais velhos assustaram-se e recordaram as eliminações de 1978, 1984 e 1985, todas nas Taças dos Campeões Europeus. Os mais novos, por outro lado, encheram-se de confiança e recordaram o apuramento de 2006, nos oitavos de final da Champions. Algures no meio, sempre cauteloso, apareceu Nélson Veríssimo.

“Devemos reconhecer que o Liverpool tem uma equipa com um potencial individual e coletivo muito elevado, orientada por um treinador que dispensa apresentações. Sabemos que temos de estar num nível muito bom nestes dois jogos e acreditamos que podemos dividir a eliminatória com o Liverpool na mesma lógica que expressei antes do jogo com o Ajax, os 50/50. Reconhecemos qualidade, capacidade e mérito à equipa do Liverpool, está na segunda posição de uma das ligas mais competitivas do mundo. Espera-nos um jogo muito difícil mas acreditamos que, estando ao nosso nível e tal como fizemos com o Ajax, podemos suprimir os pontos fortes do adversário”, explicou o treinador encarnado na antevisão à partida desta terça-feira.

Ficha de jogo

Mostrar Esconder

Benfica-Liverpool, 1-3

Quartos de final da Liga dos Campeões

Estádio da Luz, em Lisboa

Árbitro: Jesús Gil Manzano (Espanha)

Benfica: Vlachodimos, Gilberto, Otamendi, Vertonghen, Grimaldo, Rafa, Weigl, Taarabt (Meïté, 70′), Everton (Yaremchuk, 82′), Gonçalo Ramos (João Mário, 86′), Darwin

Suplentes não utilizados: Helton Leite, Seferovic, Diogo Gonçalves, Lázaro, Radonjic, Gil Dias, André Almeida, Paulo Bernardo, Morato

Treinador: Nélson Veríssimo

Liverpool: Alisson, Trent Alexander-Arnold (Joe Gomez, 89′), Konaté, Van Dijk, Robertson, Fabinho, Thiago Alcântara (Henderson, 61′), Keita (James Milner, 89′), Salah (Diogo Jota, 61′), Mané (Roberto Firmino, 61′), Luis Díaz

Suplentes não utilizados: Kelleher, Oxlade-Chamberlain, Curtis Jones, Minamino, Tsimikas, Joel Matip, Harvey Elliott

Treinador: Jürgen Klopp

Golos: Konaté (17′), Mané (34′), Darwin (50′), Luís Díaz (87′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Thiago Alcântara (58′), a Taarabt (63′)

Do outro lado, Jürgen Klopp lembrava que não existia margem para pensar que a qualificação estava garantida. “Não penso em ser melhor, penso em estar no topo do nosso jogo, é o plano para todos os encontros. Tentas melhorar no geral. O Benfica é um adversário diferente, uma das equipas com mais sucesso em Portugal. É um adversário difícil. Temos de estar ao nosso melhor nível”, disse o técnico alemão, garantindo que pediu dicas a Diogo Jota, internacional português, e Luis Díaz, que deixou o FC Porto em janeiro. “Temos o Jota e o Díaz, que são especialistas no futebol português. Estive com os jogadores de manhã, já partilhámos informações e vamos usá-las. O Díaz tentou mas não percebemos uma palavra…”, brincou Klopp.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ora, o Benfica chegava ao encontro vindo de uma derrota contra o Sp. Braga, na Pedreira, e depois de ter dado como praticamente perdida a esperança de ainda chegar ao segundo lugar e ao apuramento direto para a Liga dos Campeões do próximo ano. O Liverpool, por seu lado, chegava à Luz assente em quatro vitórias e com a luta pela Premier League ao rubro, estando a apenas um ponto da liderança do Manchester City. Assim, com Taarabt recuperado, Veríssimo lançava o marroquino no meio-campo e também fazia Darwin voltar ao onze, enquanto que Klopp também aproveitava a recuperação de Alexander-Arnold e colocava o lateral direito a titular, para além de Salah, Mané e Díaz no ataque, com Diogo Jota a começar no banco.

O Benfica começou o jogo a procurar não recuar demasiado as linhas, mantendo-se numa posição intermédia que pretendia acompanhar as movimentações do Liverpool — assumindo a naturalidade da quase ausência de posse de bola — sem deixar espaço nas costas da defesa. Keita teve a primeira ocasião mais perigosa, com um cabeceamento por cima na sequência de um cruzamento de Luis Díaz (4′), e depressa ficou claro que os ingleses iriam apresentar-se da forma habitual: sem uma construção propriamente rendilhada e apoiada mas sim com lançamentos para a grande área ou passes longos e verticais a explorar a profundidade.

Com o passar dos minutos, o Liverpool foi apertando e tornando o golo quase inevitável. Díaz protagonizou um momento em que tanto Mané como Salah falharam a finalização (8′), o próprio Salah viu Vlachodimos roubar-lhe o golo após um passe delicioso de Mané de calcanhar (10′) e tanto Keita (12′) como Thiago Alcântara (15′) assinaram pontapés perigosos. Por fim, já depois do quarto de hora, o golo apareceu: Robertson cobrou um pontapé de canto na esquerda e Konaté, subindo às alturas praticamente sem oposição, cabeceou para abrir o marcador (17′).

Depois do golo sofrido, porém, o Benfica esboçou uma reação. Os encarnados movimentavam-se essencialmente através do corredor esquerdo, onde Everton ia tendo algum espaço permitido por Alexander-Arnold e onde Darwin descaía, beneficiando de alguma passividade de Konaté na hora de parar o uruguaio. Everton teve mesmo o primeiro remate do Benfica, ao atirar à malha lateral depois de uma arrancada (23′), e o Liverpool respondeu do outro lado com Luis Díaz a obrigar Vlachodimos a mais uma grande defesa (24′). Já depois da meia-hora, demonstrando uma enorme eficácia, os ingleses aumentaram a vantagem: Taarabt falhou um passe no meio-campo, Alexander-Arnold aproveitou para rasgar por completo a defesa encarnada com um passe longo e encontrar Díaz na grande área e o colombiano, de cabeça, assistiu Mané (34′).

Até ao intervalo, Everton ainda teve mais um pontapé perigoso, de fora de área e em jeito para Alisson encaixar (37′), e Vlachodimos somou mais uma defesa ao registo do jogo ao evitar o golo de Luis Díaz quando só tinha o avançado pela frente (45′). No fim da primeira parte, o Benfica estava a perder com o Liverpool essencialmente devido à eficácia dos ingleses e ia demonstrando capacidade para esticar a equipa e entrar no último terço — onde a falta de acerto, de discernimento e de clarividência na última decisão iam sendo os principais pecados do conjunto de Nélson Veríssimo.

Nenhum dos treinadores fez alterações ao intervalo e o Benfica não poderia ter sonhado com o melhor início de segunda parte: Rafa acelerou na direita, cruzou rasteiro e tenso e Konaté, ao segundo poste, falhou completamente a abordagem ao lance e permitiu o remate e o golo de Darwin (49′). O Liverpool sofreu claramente o golo, principalmente numa fase ainda embrionária de um segundo tempo em que pretendia gerir a vantagem, e ficou claramente preso num limbo entre atrasar o ritmo para travar o ímpeto encarnado ou procurar o terceiro golo para descansar na partida.

O Benfica manteve-se totalmente ligado ao jogo depois do golo, beneficiando de duas oportunidades para empatar por intermédio de Darwin (56′) e Everton (60′) e chegando aos cinco remates contra nenhum do Liverpool, e Jürgen Klopp viu-se obrigado a responder com uma tripla substituição. Saíram Salah (que esteve manifestamente abaixo do habitual), Mané e Thiago, entraram Diogo Jota, Firmino e Henderson e o treinador alemão enviava para dentro de campo a ideia de que era preciso ter bola e continuar a procurar a dilatação da vantagem.

A 20 minutos do fim, Veríssimo mexeu pela primeira vez e tirou Taarabt, que entretanto tinha visto um cartão amarelo, para lançar Meïté. A partir desta fase, porém, o Liverpool escolheu definitivamente o caminho que queria seguir e dedicou-se a gerir a vantagem com bola, rendilhando todas as posses ao longo de vários minutos e deixando passar o tempo. O Benfica ia causando perigo sempre que podia, essencialmente com transições rápidas depois de erros ou perdas de bola dos ingleses, e fez all in já dentro dos 10 minutos finais com a entrada de Yaremchuk para o lugar de Everton.

Já perto do apito final, porém, o Liverpool acabou com as dúvidas: Luis Díaz apareceu na cara de Vlachodimos depois de um passe de Keita, aproveitou a hesitação do guarda-redes, fintou-o e atirou para a baliza deserta (87′). O Benfica perdeu com os ingleses na Luz na primeira mão dos quartos de final da Liga dos Campeões e tem agora a vida muito dificultada em Anfield — ainda assim, deixou uma imagem muito positiva no arranque da segunda parte, entre a inspiração de Darwin, a qualidade de Everton e a enorme exibição de Vlachodimos. Mas há Díaz assim, em que a lei do mais forte vence mesmo a teoria de Darwin de que tudo é possível.