Já tinha acontecido em Londres no setor feminino, quando Patrícia Mamona e Susana Costa conseguiram o apuramento para a final, aconteceu agora em Eugene no setor masculino. Pela primeira vez, Portugal tinha dois atletas na decisão do triplo salto, com a confirmação de Pedro Pablo Pichardo e a repescagem pelas melhores marcas de Tiago Pereira. Em parte, já estava feita história. No entanto, havia mais à espreita. E na sequência de uma série de quatro medalhas de Nelson Évora na disciplina (ouro em 2007, prata em 2009, bronze em 2015 e 2017), o luso-cubano tentava quebrar um dos poucos registos que ainda lhe faltavam. Mais do que isso, lutava por resolver uma das provas mais marcantes pela negativa que teve, quando na estreia pela Seleção nos Mundiais de Doha ficou a quatro centímetros de um lugar de pódio.

A surpresa foi ser preciso tão pouco: Pichardo na final do triplo salto com melhor marca na primeira tentativa (e sem o “fantasma” Taylor)

Quando representava ainda Cuba, Pichardo conseguira duas pratas em 2013 (vitória de Teddy Tamgho, que saltou acima dos 18 metros) e 2015 (triunfo de Christian Taylor, com 18,21 no último salto) em Mundiais ao Ar Livre mais outra prata nos Mundiais de Pista Coberta de 2014 mas aquele ano de 2019 marcava a sua primeira prova com as cores nacionais. Taylor, Will Claye e Hugues Fabrice Zango superaram o atleta, que vinha de uma vitória na Liga Diamante de 2018. Custou. Ainda assim, foi um ponto de viragem. E a partir daí contou com sucessos atrás de sucessos entre vitória nos Europeus de Pista Coberta, título principal nos Jogos Olímpicos de Tóquio e medalha de prata nos Mundiais de Pista Coberta. Faltava um triunfo nos Mundiais ao Ar Livre e ouro nos Europeus ao Ar Livre, em agosto. Chegava o dia da primeira decisão.

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Pedro Pablo Pichardo termina em quarto e falha medalha na final do Mundial por quatro centímetros

“A qualificação foi boa, acho que correu bem. Fiz o que tinha de fazer, que era superar a marca de qualificação e saiu logo no primeiro ensaio. Quando estou bem fisicamente, fico muito confiante. 17,05 não era uma marca difícil para mim, por isso, foi tranquilo. Agora é descansar e ver o que acontece no sábado [madrugada de domingo, hora portuguesa]. Tenho concorrência, nunca se pode subestimar os adversários e veremos o que acontece. Por vezes, na qualificação, estão muito tensos, com muitos nervos, vamos ver o que vai acontecer”, comentara no final de um apuramento onde necessitou apenas de uma tentativa a 17,18 para seguir para a decisão. “Saltar a 18 metros? Vou tentar, vou tentar… Estou em boa forma e quando a saúde já está boa, luto até ao último ensaio por isso mesmo”, acrescentara.

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Quase todos os olhares estariam concentrados em Pichardo na final do triplo salto, uma das seis que iriam acontecer na sessão vespertina da competição. E percebia-se facilmente o porquê: liderava o ranking mundial da especialidade, tinha a segunda melhor marca do ano (17,46) só superada pelo cubano Lázaro Martínez quando se sagrou campeão mundial de Pista Coberta (17,64), ganhara o ouro nos Jogos com um salto de quase 18 metros (17,98). Mais: em condições normais, e olhando para aquilo que era o rendimento dos finalistas até aqui, só Hugues Fabrice Zango, do Burquina Faso, teria capacidade na teoria para se colocar na luta pelas duas melhores medalhas caso Pichardo e Martínez saltassem o esperado.

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“O que me passa pela cabeça é o que pensa qualquer atleta, chegar lá e ganhar a competição. É um título que me falta, ainda não ganhei um Mundial ao Ar Livre – o de Pista Coberta também não porque fiquei na prata. Como me falta, vou lutar até à última tentativa para trazer esse título para casa. Para mim não há derrotas, tudo é uma aprendizagem. Quando perco, ou fico em segundo, terceiro ou quarto, apesar de ficar chateado comigo, é sempre uma aprendizagem. O pior de tudo foi sair da competição sem fazer os outros três saltos e, quem costuma acompanhar as minhas competições sabe que eu deixo um bocadinho para o último salto, senti aquela dor no pé, ao terceiro salto. Fiquei triste porque não acabei a competição, ninguém sabe se ficaria em segundo ou o conseguia ultrapassar, mas foi muito doloroso não acabar a competição”, salientara em entrevista à Lusa antes da prova, recordando os Mundiais de Pista Coberta.

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Agora, na pista do Estádio Hayward Field que já viu competições verdadeiramente extraordinárias nos últimos dias como as finais dos 200m masculinos e femininos ou os 400m barreiras femininos, Pichardo deu espectáculo logo a abrir e ganhou um dos títulos ainda em falta como nos Jogos: sem concorrência.

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A posição do atleta nacional não era propriamente a melhor, sendo logo o segundo a saltar nos três saltos iniciais antes de haver a redistribuição mediante os resultados obtidos. Como na apresentação foi o último, por estar na liderança do ranking mundial, foi quase acenar a todos os presentes, agradecer o apoio, tirar o equipamento de treino que tinha vestido e preparar o salto que se seguia ao nulo de Jean-Marc Pontvianne. Melhor era quase impossível: como que “escondendo” o momento que atravessa nesta fase, Pichardo teve uma grande chamada na tábua, conseguiu um segundo impulso fortíssimo e fez logo a abrir 17,95, apenas a três centímetros do recorde nacional registado em Tóquio sendo a melhor marca do ano à frente do registo de Jordan Díaz, cubano que se naturalizou espanhol mas não pode ainda competir.

Poderia parecer quase exagerado mas muito provavelmente o saltador tinha ganho a final logo na primeira tentativa. Zango, também logo a abrir, chegou aos 17,55 (melhor marca da época) mas percebia que seria quase impossível chegar ao primeiro lugar. Para se ter noção da diferença, a ronda inicial, onde Tiago Pereira arriscou mas fez um nulo, teve como o terceiro melhor registo 17,25 do italiano Andrea Dellavalle. E se dúvidas ainda existissem da superioridade na pista, Pichardo fez um segundo salto a 17,92, antes de fechar a primeira fase com 17,57. Pelo meio, uma grande surpresa entre os últimos oito apurados: Lázaro Martínez, o cubano campeão mundial de Pista Coberta, fez três saltos nulos e ficou de fora. Também Tiago Pereira, que teve tentativas a 16,69 e 16,59, ficou em décimo, fora do “corte” tal como Will Claye.

A única mexida substancial até meio da prova teve o chinês Zhu Yaming, vice-campeão olímpico, como protagonista, saltando para a terceira posição com 17,31. Na quarta tentativa, a grande surpresa de Tóquio não passou sequer dos 17 metros, Zango ficou-se pelos 17,14 e Pichardo acabou por abdicar da sua quarta tentativa, um gesto que muitas vezes tem como objetivo preservar forças para acabar com “o” salto que aumente ainda mais a diferença na vitória. No quinto ensaio, feito ao mesmo tempo que terminava uma das séries dos 400 metros do decatlo, arriscou tanto que fez nulo (e não seria uma grande marca). A luta do luso-cubano era contra si e a nível de marca, perante a falta de comparência dos adversários. E, já com o título mundial assegurado, faltava apenas saber se ainda existia alguma surpresa reservada para a derradeira tentativa do concurso, mais um grande salto mas que não chegou para melhorar (17,51).