Solavancos na descentralização, sobretudo nas áreas da educação, saúde e ação social, marcaram este primeiro ano após as autárquicas de 2021, com os municípios a exigirem ao Governo mais verbas para que possam desempenhar estas competências.

Em 1 de abril, os municípios deveriam ter assumido definitivamente as competências previstas nas áreas da educação, saúde e ação social, as que mais problemas negociais tiveram, visto que envolvem transferências financeiras.

Contudo, ao aproximar-se este prazo, a adesão voluntária dos municípios era baixa e o Governo adiou a descentralização na ação social para 01 de janeiro de 2023 para os municípios que o requeressem.

A insuficiência de verbas para as competências levou a Câmara do Porto primeiro a interpor uma providência cautelar para travar a descentralização e, depois, a aprovar a saída da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), por, segundo o presidente, Rui Moreira, não se sentir em “condições” para passar “um cheque em branco” à ANMP, liderada pela presidente recém-chegada Luísa Salgueiro (PS), nas negociações com o Governo.

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O autarca portuense chegou a pedir ao Presidente da República, no decorrer de uma audiência em Belém, para que não promulgasse o Orçamento do Estado para 2022 sem uma revisão das verbas para a educação, o que Marcelo Rebelo de Sousa não acolheu, considerando que o veto de um orçamento que já estava a ser aprovado tarde, em maio, traria “um custo enorme” ao país.

Também a ANMP deu parecer desfavorável à proposta de Orçamento do Estado para 2022, por excluir “um conjunto relevante” de reivindicações que os municípios enviaram previamente ao Governo.

Sem o envolvimento do Porto, e perante a ameaça de abandono por outras câmaras, depois de vários meses de negociações em que a ANMP foi a única interlocutora do Governo, alcançou-se um acordo para a educação e a saúde, aprovado por autarcas do PS, do PSD e independentes (PCP votou contra) e assinado em 22 de julho. Um outro acordo sobre a ação social deverá ser alcançado em outubro.

O acordo para a educação e a saúde incluiu a atualização de verbas, a reabilitação pelo Governo de cerca de 450 escolas e a construção ou requalificação de centros de saúde, nomeadamente com verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), mas ainda há autarquias descontentes.

A Câmara de Évora (CDU), por exemplo, revelou em setembro que pediu ao Governo para ser ressarcida pelos cerca de 150 mil euros que registou de défice nos primeiros três meses com as competências na educação.

Também o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas (PSD), defendeu que “o país precisa de mais” do que este acordo, que considerou prever “uma meia descentralização, indefinida e inconsequente”.

O processo de transferência de competências em 22 áreas da Administração Central para os 278 municípios do continente decorre desde 2019 e até o chefe de Estado já alertou que se está a atrasar o processo de regionalização que o Governo queria discutir até 2024.

Segundo o mais recente relatório da comissão de acompanhamento da descentralização, disponibilizado recentemente pela Inspeção-Geral da Administração Local, no final do segundo trimestre de 2022 todos os 278 municípios que podiam exercer competências na área da educação já o faziam (14 dos quais ao abrigo do Programa Aproximar), o que tinha envolvido a transferência de global de 366,3 milhões de euros durante o primeiro trimestre deste ano.

Até ao fim de junho estavam assinados 47 autos de transferência na área da saúde, embora o Governo indique que competências nesta área foram aceites por 57 dos 201 municípios que podem assumi-las. Nesta área foram também publicadas no segundo trimestre deste ano listas com 99 trabalhadores a transitar para 15 municípios, elevando para um total de 211 os trabalhadores transferidos até então para 29 municípios.

Quanto à ação social, foram 196 os municípios que pediram a prorrogação do prazo e só assumem esta competência em 01 de janeiro, segundo o relatório.

O mesmo documento aponta que no segundo trimestre deste ano assumiram competências na ação social 67 municípios, dos quais 52 em 01 de abril, enquanto outros 14 municípios estão em processo de desempenhar estas competências até ao final de 2022.

Foram transferidos até ao fim do segundo trimestre 2,1 milhões de euros para 66 municípios no âmbito da ação social.

Além da descentralização, este primeiro ano de mandato nas autarquias foi marcado ainda pelos problemas económicos causados pela pandemia de covid-19, o agravamento das contas municipais devido à subida da inflação, pela definição de projetos no âmbito do quadro de apoio Portugal 2030, em fase final de negociação com a Comissão Europeia e pelas candidaturas ao PRR.

No meio da crise dos refugiados da Ucrânia, a polémica chegou à Câmara de Setúbal quando foi noticiado que nesta autarquia cidadãos russos estavam a receber ucranianos fugidos da guerra, a quem eram solicitados dados sensíveis, nomeadamente sobre familiares que ficaram no país de origem.

Por outro lado, a Comissão Nacional de Proteção de Dados multou a Câmara de Lisboa, já liderada por Carlos Moedas, em 1,2 milhões de euros por, quando o socialista Fernando Medina ainda era presidente, ter partilhado dados pessoais de manifestantes anti-Putin com as autoridades russas, no caso conhecido como “Russiagate”.

Para um futuro próximo, numa altura em que já se vislumbra a discussão do Orçamento do Estado para 2023 (OE2023), a presidente da ANMP defendeu medidas de apoio extraordinárias para as autarquias, de forma que o impacto da inflação não desequilibre as contas municipais, uma vez que o aumento dos custos de energia, combustíveis e matérias-primas, agravados pela guerra na Ucrânia, está a refletir-se no valor das empreitadas em execução.

Entre outras questões, no OE2023, os municípios esperam o cumprimento da Lei das Finanças Locais, a liquidação de uma dívida do Fundo Social Municipal às câmaras no total de 104 milhões e serem ressarcidos dos 156 milhões de euros de despesas que realizaram para fazer face à pandemia.