A falta de material bélico na frente de guerra e as festividades de Ano Novo que deverão ser suspensas estavam a ser discutidos na televisão estatal russa, num dos talk shows habituais sobre o conflito na Ucrânia quando o jornalista Vladimir Karpov disse uma frase inesperada: “Com a mobilização parcial mostrou, o governo borrou as calças.”

Vladimir Karpov foi imediatamente interpelado por outro comentador, o cientista político Anton Khashchenko: “[O governo] também borrou as calças na II Guerra Mundial? Deem-me pelo menos um exemplo na História em que o governo borrou as calças, como disse”. “Estou a falar de 2022, não vamos comparar”, respondeu o jornalista, que reiterou a ideia de que o Kremlin tinha sujado as calças.

A discussão foi revelada esta segunda-feira pela repórter do Daily Beast, Julia Davis, na sua conta pessoal do Twitter. Num excerto de cinco minutos, aquele não foi o único momento de tensão. Os comentadores discordavam em outros assuntos. Um deles incidia sobre as festividades de Ano Novo, sendo que vários municípios estão a pensar cancelá-los, devido aos custos da guerra.

Nikolay Novichkov, deputado da Duma — câmara baixa do parlamento russo —, referiu ser a favor de que as festas de Ano Novo sejam canceladas: “Não só não são necessárias como são prejudiciais”, disse no programa de televisão russo. “Acho que as festas devem ser proibidas e administrativamente punidas”, sugeriu o parlamentar, acrescentando que isso fará os cidadãos ingerirem menos bebidas alcoólicas. “Bebe-se menos e não se mostra os traços de personalidade mais negativos.”

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Em resposta, Galina Mikhaleva, membro da comissão nacional do partido de centro Yabkloko, opôs-se às propostas do deputado. “Quer colocar um polícia para todas as pessoas, para assegurar que as pessoas estão sóbrias e não estão a celebrar?”, questionou, assinalando que, mesmo que não haja festas, “as pessoas vão beber na mesma”.

Noutro assunto, os comentadores debatiam os custos da mobilização parcial e o facto de as famílias dos soldados que vão para a Ucrânia estarem a adquirir botas, sacos-cama e medicamentos para equipar os familiares que são chamados a combater na Ucrânia. Alexander Yush, deputado da Duma, indicou que a Rússia está a “ficar sem material bélico”.

“O general Goremykin [um dos principais responsáveis por delinear a estratégia na frente de guerra] disse que temos o suficiente. Suficiente, o quê? Uniformes quentes e botas, talvez?”, interrogou, frisando que, “na operação militar especial, muito mais é necessário”. “Precisamos de armaduras — o que temos agora não satisfaz as necessidades, penso eu”, exemplificou.

Por sua vez, Galina Mikhaleva defendeu que as famílias não devem comprar material para a frente de guerra: “Não devemos viver como na Idade Média, em que, quando uma pessoa se estava a preparar para a guerra, tinha de comprar a sua própria cota de malha, o seu cavalo, entre outras coisas”. “Temos um enorme orçamento militar e o governo devia geri-lo”, afirmou, algo que foi rebatido por Anton Khashchenko: “O governo dá 90%, a ajuda necessária é de 10%.”

O especialista em assuntos militares, Vitali Serukanov, veio em defesa de Anton Khashchenko. “Não devemos separar o exército da restante população”, explicou, ao que Galina Mikhaleva voltou a intervir, dizendo que já “paga os seus impostos” e que não tem de suportar o custo da ofensiva na Ucrânia.