A primeira-ministra britânica, a conservadora Liz Truss, diz que é uma “lutadora” e não uma “desistente”, depois de ter sido esta quarta-feira confrontada no Parlamento pelo líder da oposição, o trabalhista Keir Starmer, com as várias medidas do seu orçamento que foram revertidas nas últimas semanas de caos económico e político no Reino Unido.

“Lutei em nome do interesse nacional”, disse Truss, que também se comprometeu a manter o sistema de triple lock, uma norma que garante que as pensões sobem em conformidade com a inflação (que em setembro subiu para o nível mais elevado dos últimos 40 anos). Segundo Truss, o governo está “completamente comprometido” com a manutenção desta política — sobretudo depois de, na terça-feira, ter surgido informação no sentido contrário e de, na manhã desta quarta-feira, grande parte dos jornais britânicos terem feito manchetes duras sobre o assunto.

Ainda assim, mesmo tendo sido maioritariamente centrada nas críticas à gestão de Truss, a sessão de meia hora de perguntas e respostas à primeira-ministra — que chegou a ser apontada como um momento decisivo para a manutenção ou não de Liz Truss no governo — acabou ser menos feroz do que prometia. Em vários momentos, deputados de ambos os lados questionaram a idoneidade de Liz Truss para se manter à frente do governo após mês e meio de um  caos económico que se está a traduzir na vida quotidiana dos britânicos.

“Qual é o objetivo de uma primeira-ministra cujas promessas não duram nem uma semana?”, perguntou Starmer depois de confrontar a primeira-ministra com as medidas revertidas em poucos dias. Questionada sobre a reversão de medidas e sobre o caos lançado nos mercados financeiros numa altura em que a inflação obriga a maioria da população a passar dificuldades com empréstimos, Liz Truss disse que está a ser “honesta” com o público e aconselhou a oposição a estudar melhor o contexto económico mundial.

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“Tive de tomar a decisão devido à situação económica, para ajustar as nossas políticas”, respondeu Truss, referindo-se ao recuo nas medidas da sua proposta de orçamento e também ao recuo na promessa de que não haveria quaisquer cortes na despesa pública. “Eu sou alguém que está preparada para tomar decisões difíceis, ao contrário do senhor.”

Liz Truss respondeu às perguntas dos deputados britânicos pela terceira vez desde que assumiu a liderança do Partido Conservador e do governo do Reino Unido, no início de setembro. O último mês e meio foi de turbilhão para Liz Truss, que foi eleita com base num programa liberal, mas que nas últimas semanas demitiu o ministro das Finanças e reverteu grande parte das medidas do seu orçamento, em resposta à polémica em que a proposta mergulhou o país.

Durante a sessão de perguntas e respostas, Liz Truss foi várias vezes questionada sobre se ainda está efetivamente no poder — ou se já não tem autoridade nenhuma. E, nesse sentido, multiplicaram-se os pedidos de demissão e as perguntas: afinal, até quando é que Truss continua em funções? Keir Starmer fez um trocadilho com o assunto, dizendo que está a ser escrito um livro sobre o governo de Truss, que “sai antes do Natal” — e deixando no ar a sugestão de que é o governo que sai até lá.

Liz Truss ainda manda no Reino Unido?

A governante britânica enfrenta agora críticas dos dois lados da bancada. A oposição e o caos provocado nos mercados levaram Truss a reverter medidas prometidas, incluindo várias reduções de impostos e garantias relativas aos preços da energia. Truss até já deu uma entrevista a pedir desculpa, o que acalmou os mercados financeiros, mas não foi suficiente para restaurar a confiança total dos investidores.

As semanas caóticas de Liz Truss fizeram-na cair a pique nas sondagens e prejudicaram a imagem do Reino Unido junto dos mercados financeiros. Dentro do Partido Conservador, dezenas de deputados já manifestaram o seu desejo de ver Liz Truss fora da liderança do partido e do governo — e mais de metade dos membros do partido defende a demissão da primeira-ministra.

A crise adensou-se esta semana depois de o governo britânico ter admitido a possibilidade de suspender o sistema de triple lock das pensões — uma regra que prevê a subida anual das pensões em linha com o valor mais elevado de entre três possibilidades: a inflação, a subida média dos salários e 2,5%. Com a enorme subida da inflação no Reino Unido, esta quarta-feira cifrada nos 10,1% para setembro, o valor mais elevado dos últimos 40 anos, a regra determinaria uma subida das pensões a partir do próximo ano nessa razão.

Até há duas semanas, Liz Truss garantia que iria manter o sistema de garantia das pensões, mas esta semana o governo anunciou a possibilidade de o valor da inflação não se aplicar — devendo as pensões subir apenas na razão de 5,5%, relativos à subida média dos salários —, uma vez que a despesa associada a essa subida seria insustentável para as finanças públicas britânicas. A possibilidade de reversão do sistema levará à perda de centenas de libras todos os anos por parte dos reformados britânicos, o que aumenta a pressão sobre Truss.