Uma população a crescer a um ritmo cada vez mais lento, mas um planeta com cada vez mais habitantes. As duas premissas podem parecer contraditórias, mas, no dia em que o mundo alcança mais um marco inédito — os oito mil milhões de habitantes, três vezes mais do que em 1950 — há espaço para as duas explicações. Até porque o facto de o planeta estar já a acolher oito mil milhões de pessoas se explica, sobretudo, com o aumento da esperança média de vida, e não com um aumento muito significativo da natalidade, como se poderia pensar.

Estes marcos, referidos num relatório da ONU sobre a população mundial em 2022, estão a ser atingidos, ainda assim, de forma cada vez mais rápida: a população mundial, que levou até 1800 para chegar a mil milhões e que há 100 anos ainda não chegava aos dois mil milhões, continua a atingir metas em ritmo acelerado. Foram precisos 12 anos para o mundo passar de sete mil milhões, em 2010, para o novo recorde de oito mil milhões.

Mas, ao mesmo tempo, o crescimento demográfico vem desacelerando há décadas. A taxa de crescimento anual atingiu o pico em 1964, quando atingiu 2,2%, e não parou de ser reduzida para menos de 1%.

Como explica o Guardian, os maiores picos de crescimento aconteceram, precisamente, no início dos anos 1960 — a partir daí, o ritmo abrandou por causa da disponibilidade dos métodos anticonceptivos e do aumento do nível da educação formal e de empregos para as mulheres. Ou seja: se em 1950 as mulheres tinham, em média, cinco filhos, agora têm 2,3 — embora este número médio seja muito diferente de região para região — e em 2050 devem chegar aos 2,1.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ainda assim, existe o fator crucial do aumento da esperança de vida, que aumentou nove anos desde 1990, para 72 anos, e deverá chegar aos 77 em 2050. Isto apesar de ter sofrido um retrocesso com a pandemia: em 2021, chegou a cair para 71 anos. Mais uma vez, é mais alta para mulheres do que para homens: segundo o relatório da ONU, a esperança de vida das mulheres é mais alta em 5,4 anos, chegando aos 73,8 anos, enquanto a dos homens atinge os 68,4, a nível global.

De novo, estes são dados médios que não refletem a forma como regiões diferentes se comportam de formas diferentes, uma vez que nos países menos desenvolvidos essa estatística chega a cair em sete anos. Ainda assim, a população mundial com 65 anos ou mais deve aumentar dos atuais 10% para 16% em 2050. Nessa altura, o grupo terá mais do dobro do número de crianças abaixo dos 5 anos.

Índia prestes a ultrapassar China

De acordo com cálculos da ONU, vai demorar pelo menos 15 anos para o mundo somar os próximos mil milhões de habitantes. O organismo antecipa que o mundo terá cerca de 9,7 mil milhões de pessoas até 2050 e que chegará a 10,4 mil milhões durante a década de 2080, permanecendo nesse nível pelo menos até 2100.

Atualmente, o crescimento populacional está concentrado em alguns países: é esperado que mais da metade do aumento populacional entre 2022 e 2050 ocorra apenas na República Democrática do Congo, Egito, Etiópia, Índia, Nigéria, Paquistão, Filipinas e Tanzânia, sendo que os 46 países menos desenvolvidos estão entre os que terão maior crescimento. Ao mesmo tempo, espera-se também que a população de 61 países ou áreas diminua em pelo menos 1%, devido às baixas taxas de natalidade.

E na Índia espera-se que seja atingido ainda um outro marco: é já no próximo ano que deverá tornar-se o país mais populoso do mundo, ultrapassando a China. Neste momento, a Índia é a casa de mais de 1,39 mil milhões de pessoas, ainda ligeiramente menos do que a China, onde vivem 1,41 mil milhões.

Mas, como nota o The Guardian, há 86 mil bebés a nascer na Índia todos os dias — sobretudo no norte do país, onde a população continua a crescer, ao contrário da zona sul, mais rica e onde há mais investimento no incentivo ao planeamento familiar e aos anticonceptivos — e 49.400 a nascer diariamente na China, pelo que a Índia deverá fazer essa ultrapassagem no próximo ano e chegar aos 1,65 mil milhões de habitantes em 2060.

Como escreve o jornal britânico, estas mudanças na Índia trarão novos desafios ao país: com a desigualdade entre regiões a marcar o ritmo da natalidade, é difícil arranjar soluções políticas para um país em que existem “as consequências de um baby boom e de uma população a envelhecer, tudo no mesmo país”.

Certo é que este crescimento acelerado na Índia se torna uma dificuldade acrescida para gerir os recursos e a estabilidade económica e social do país, além de se tornar mais importante arranjar soluções para garantir recursos mais escassos, como a água.

ONU comemora marco: “Não é motivo de medo”

Mesmo assim, para a ONU, a marca dos oito mil milhões é um momento para comemorar, pois reflete um mundo com maior esperança média de vida, menos mortes maternas e infantis e sistemas de saúde cada vez mais eficazes.

“Sei que este momento pode não ser comemorado por todos. Alguns expressam preocupação de que o nosso mundo esteja sobrelotado, com muitas pessoas, e que não haja recursos suficientes para sustentar as suas vidas. Estou aqui para dizer claramente que o grande número de pessoas vivas não é motivo de medo”, explicou a diretora executiva do Fundo de População da ONU (UNFPA), Natalia Kanem, numa reunião com jornalistas no mês passado, citada pela Lusa.

A ONU insiste que não há razão para “alarmismo” demográfico e lembra que a melhor maneira de conter o crescimento populacional é promover o desenvolvimento, especialmente para as mulheres.

Os Estados Unidos são o terceiro país mais populoso do mundo, com cerca de 337 milhões, depois de China e Índia, seguidos pela Indonésia (275 milhões), Paquistão (234 milhões) e Nigéria (216 milhões).