Este domingo, enquanto o mundo olhava com alguma estupefação para a ausência de qualidade, capacidade e preparação da seleção anfitriã do Qatar, os Países Baixos pegaram na calculadora, olharam para o Grupo A do Campeonato do Mundo e chegaram a uma conclusão: os qataris não entram nas contas, o Equador também não parece ser uma ameaça séria e sobra o Senegal enquanto principal adversário na luta pelos oitavos de final. 

O encontro desta segunda-feira, portanto, tornava-se vital. Para além de ser importante começar o Mundial com uma vitória, também era crucial deixar uma demonstração de força contra o atual campeão africano e tornar claro que o Grupo A do Mundial não terá grande história. Do outro lado, porém, a lógica era contrária: o Senegal órfão de Sadio Mané, que chegou a ser convocado mas abandonou mesmo a concentração devido a lesão, pretendia demonstrar que tem o objetivo de lutar pela liderança do grupo e que o avançado do Bayern Munique não é a única individualidade da equipa.

No Estádio Al Thumama, pouco depois de Inglaterra golear o Irão de Carlos Queiroz, Van Gaal dava a primeira internacionalização ao guarda-redes Noppert e lançava De Jong e Berghuis no meio-campo com Gakpo a apoiar Bergwijn e Janssen. No Senegal, Aliou Cissé colocava o natural Mendy na baliza, com Koulibaly a ser o patrão da defesa e Boulaye Dia a assumir-se enquanto referência ofensiva.

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Numa primeira parte que teve poucas aproximações às balizas e onde De Jong foi o responsável pela única oportunidade clara de golo, que apareceu na cara de Mendy mas demorou demasiado tempo a decidir e nem chegou a rematar (20′), o Senegal atuou olhos nos olhos com os Países Baixos e foi superior em diversos períodos. Os africanos foram mesmo os únicos a enquadrar um remate e Ismaïla Sarr ia realizando uma exibição acima da média — provocando muitos problemas a Dumfries e De Ligt, que se viam sem paciência ou capacidade para travar o jogador do Watford enquanto este bailava com a bola nos pés.

Nenhum dos treinadores fez alterações ao intervalo e Van Gaal limitou-se a realizar uma mudança tática, fixando Gakpo no corredor direito depois de o médio do PSV ter passado a primeira parte a atuar nas costas dos dois avançados. Os Países Baixos regressaram mais intensos, com Van Dijk a ficar perto do golo de cabeça (54′), mas o Senegal mantinha a pressão alta com cinco elementos no meio-campo e procurava incessantemente a profundidade nas costas da defesa adversária.

Van Gaal tomou uma decisão à passagem da hora de jogo, trocando Janssen por Depay para dar forma e conteúdo ao ataque, mas a verdade é que o momento até funcionou como pontapé de saída para mais uma fase de total ascendente senegalês. Dia ficou muito perto de marcar com um remate cruzado que Noppert defendeu (65′), Gueye também quase abriu as hostes (73′) mas o instante decisivo da partida estava reservado para os últimos 10 minutos. De Jong cruzou, Gakpo apareceu sozinho no coração da área e antecipou-se a Mendy para cabecear e dar o mote para a vitória dos Países Baixos (84′). Nos descontos, numa recarga, Klaassen fechou as contas (90+9′).

A pérola

  • Passou a primeira parte a jogar atrás dos avançados, mudou-se para o corredor direito após o intervalo e tornou-se o herói neerlandês já dentro dos derradeiros 10 minutos do encontro. Coady Gakpo, a referência do PSV que no último ano se tornou um dos indiscutíveis de Van Gaal, apresentou-se ao Campeonato do Mundo e deixou claro que não se vai esconder sempre que os Países Baixos precisarem dele. Aos 23 anos, depois de ter sido associado a vários tubarões europeus ao longo do verão, escolheu ficar em Eindhoven — um cenário que dificilmente se repetirá no fim da época se continuar a este nível no Qatar.

O joker

  • 28 anos, 50 jogos oficiais na carreira, primeira internacionalização enquanto titular no primeiro jogo dos Países Baixos no Campeonato do Mundo. Com Pasveer, que foi o escolhido de Van Gaal nos últimos jogos da seleção, no banco de suplentes, Andries Noppert surgiu na baliza dos Países Baixos de forma algo surpreendente e acabou por tornar-se um dos elementos mais importantes da partida. Com duas defesas cruciais na segunda parte, a um remate de Dia e outro de Gueye, o guarda-redes do Heerenveen foi o herói improvável de uma equipa neerlandesa que claramente atravessa uma crise na formação de guardiões de alto nível — como foram os casos de Van der Sar, Cillessen ou Tim Krul.

A sentença

  • Apesar da derrota, o Senegal apresentou-se como a segunda equipa mais forte deste Grupo A e dificilmente irá falhar o apuramento para os oitavos de final — já que parte claramente como favorito para as partidas contra o Qatar e o Equador. Nessa mesma linha de pensamento, e deixando uma margem de erro em relação a uma seleção equatoriana que já tem três pontos conquistados, o Qatar afunda-se cada vez mais e torna-se crescentemente uma certeza o facto de o conjunto anfitrião não ter grandes hipóteses de seguir em frente (ou sequer de registar pontos).

A mentira

  • Ao contrário daquilo que seria expectável, face à presença do Qatar e do Equador no Grupo A, esta fase inicial do Campeonato do Mundo não será uma via verde para os Países Baixos. A seleção dos Países Baixos tem qualidade, consegue ligar o jogo e construir períodos de futebol verdadeiramente interessante mas peca na assertividade, errando diversas vezes no último passe ou na derradeira decisão. Se tudo acabou por correr bem contra o Senegal, ainda que o resultado não espelhe aquilo que aconteceu dentro de campo, dificilmente os neerlandeses chegarão muito longe com esta clara ausência de oportunidades de golo.