A pandemia provocou mais 300 mil mortes na Europa do que os dados oficiais e reduziu a esperança de vida em mais de um ano, a maior diminuição desde a II Guerra Mundial, indica um relatório divulgado esta segunda-feira.

“No final de outubro de 2022, mais de 1,1 milhões de mortes de Covid-19 foram reportadas em todos os 27 países da UE, mas os dados sobre o excesso de mortalidade sugerem que se trata de uma subestimativa e que mais 300 mil pessoas morreram devido ao efeito direto ou indireto da pandemia”, refere o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e da Comissão Europeia (CE).

O documento, que analisa vários indicadores de saúde nos últimos anos, salienta ainda que a Covid-19 “reduziu a esperança de vida em quase todos os países europeus”, tendo diminuído mais de um ano no conjunto da União Europeia (UE), “atingindo níveis vistos pela última vez há uma década”.

“A pandemia teve um impacto dramático na vida das pessoas na Europa e em todo o mundo. Conduziu a uma redução de mais de um ano de esperança de vida na UE em 2021 em comparação com 2019. Estas foram as maiores reduções da esperança de vida desde a II Guerra Mundial na maioria dos países da UE”, avança o relatório.

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A OCDE e a CE adiantam ainda que a grande maioria das mortes por Covid-19 – mais de 90% – foi registada em pessoas com mais de 60 anos.

Em números absolutos, até final de outubro, a mortalidade por Covid-19 mais elevada registou-se em Itália (179 mil mortes), França (171 mil), Alemanha (154 mil), Polónia (117 mil) e Espanha (115 mil), mas em percentagem da população, as taxas mais altas verificaram-se na Bulgária, Hungria, Croácia, República Checa e Eslovénia e as mais baixas na Islândia e na Noruega.

De acordo com os dados agora divulgados, em Portugal a mortalidade por Covid-19, entre março de 2020 e junho de 2022, foi ligeiramente inferior à média da UE e o excesso de mortalidade ficou sensivelmente dentro da média dos 27.

“As diferenças entre países geralmente refletem variações na estrutura etária da população, o tempo e a eficácia das estratégias de contenção, a aceitação da vacinação Covid-19 em 2021 e 2022 e as diferenças na capacidade dos sistemas de saúde para tratar os doentes com Covid-19″, explica o documento.

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De acordo com os dados agora divulgados, o excesso de mortalidade na UE, desde o início da pandemia até ao final de junho, foi 26% superior ao registado pelas mortes de Covid-19.

“Isto traduz-se em cerca de 300 mil mortes adicionais em comparação com o número reportado de mortes Covid-19, que podem ser devido ao impacto direto ou indireto da pandemia, ou a outros eventos”, adianta a OCDE.

“A diferença entre o excesso de mortalidade e as mortes reportadas pela Covid-19 foi particularmente grande na Bulgária, na Roménia, na Polónia, na Eslováquia e na Estónia, indicando que os dados relativos à mortalidade Covid-19 reportados por esses países subestimaram substancialmente o impacto da pandemia”, sublinha o relatório.

Em 2019, ou seja, antes da pandemia, as duas principais causas de mortalidade na UE foram as doenças circulatórias, que representaram mais de 1,6 milhões de mortes ou 35% de todas as mortes, e o cancro, que representou quase 1,2 milhões de mortes ou 26% de todas as mortes.

O relatório europeu revelou também que as vacinas contra a Covid-19 evitaram mais de 250 mil mortes em 2021 na União Europeia (UE), onde se estima que a “long covid” tenha afetado cerca de 25 milhões de pessoas.

Estima-se que as vacinas tenham evitado mais de 250 mil mortes em toda a UE apenas em 2021, embora as taxas de vacinação entre grupos vulneráveis tenham permanecido bastante baixas em alguns países”, refere o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e da Comissão Europeia (CE) sobre vários indicadores de saúde nos anos da pandemia.

O documento diz que um dos efeitos colaterais positivos da pandemia é que ajudou a aumentar a cobertura da vacinação contra a gripe sazonal entre idosos e outros grupos vulneráveis, apontando o exemplo da Dinamarca, onde a cobertura de vacinação entre pessoas com mais de 65 anos aumentou 23 pontos percentuais em 2020 em comparação com 2019, chegando aos 75%.

A OCDE e a CE alertam também que a “long covid” – a permanência de sintomas após a infeção pelo coronavírus SARS-CoV-2 – “surgiu como uma nova condição crónica que exigirá mais investigação para melhorar o diagnóstico e o tratamento e uma coordenação entre prestadores de cuidados primários e especialistas” de saúde.

“As estimativas preliminares indicam que pelo menos 10% das pessoas infetadas com Covid-19 experimentam alguns sintomas de “long covid” que duram mais de um mês, o que significa que afetou e possivelmente continua a afetar mais de 25 milhões de pessoas em todos os países da EU”, avança o relatório.

Os dados agora divulgados referem ainda que os atrasos no rastreio do cancro durante os primeiros anos da pandemia levaram a que muitos doentes oncológicos fossem diagnosticados em fases mais avançadas, “tornando o seu tratamento mais complexo e reduzindo as suas hipóteses de sobrevivência”.

“As taxas de rastreio do cancro da mama diminuíram na maioria dos países da UE em 2020, com uma redução média de 6% em 16 países da UE com dados disponíveis. A redução foi geralmente maior nos países que já tinham taxas baixas antes da pandemia”, adianta o documento.

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Os dados indicam que a Dinamarca, Finlândia e Irlanda estão entre os poucos países que não suspenderam os seus programas de rastreio do cancro em 2020 e, por isso, “não sofreram uma queda significativa no rastreio do cancro da mama”.

“Os diagnósticos e tratamentos tardios do cancro têm custos elevados, tanto para os doentes como para os sistemas de saúde. Adiar o tratamento cirúrgico para cancros comuns aumenta o risco de morte em cerca de 7%, enquanto adiar a quimioterapia ou a radioterapia em quatro semanas aumenta o risco de morte em até 13%”, alerta a OCDE.

O relatório refere também que, em 2020, foram realizados menos dois milhões de intervenções cirúrgicas programadas (como cirurgias às cataratas e à anca e joelho) do que em 2019 nos países da UE, aumentando os tempos de espera dos doentes.

“Muitos países da UE disponibilizaram fundos adicionais para fazer face a estes atrasos, mas o principal constrangimento ao aumento do volume de procedimentos tem sido a escassez de trabalhadores da saúde“, sublinha o documento.

O relatório considera positivo o rápido desenvolvimento de teleconsultas no início de 2020, que ajudou a manter o acesso aos cuidados de pessoas com doenças crónicas, mas alerta para os riscos do aumento das desigualdades em saúde, através da exclusão digital de pessoas mais velhas, mais pobres e que vivem em zonas rurais.

Ao nível da saúde mental, em vários países europeus, como a Bélgica, a Estónia, a França, a Suécia e a Noruega, a percentagem de jovens que reportam sintomas de depressão mais do que duplicou durante a pandemia, atingindo níveis de prevalência pelo menos duas vezes mais elevados do que nas faixas etárias mais velhas, refere o documento.

A OCDE explica no relatório que, enquanto em 2019 a percentagem de jovens entre 15 e 24 anos com sintomas de depressão era de 6%, contra 7% nos adultos, com o Coronavírus os números aumentaram em todos os países para os quais existem dados.

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Segundo a organização, a proporção de jovens com sintomas de depressão passou a ser pelo menos 50% maior do que a generalidade da população e, em certos países, o dobro.

Por exemplo, segundo as estatísticas mais recentes disponíveis (de 2020 e 2021), na Noruega, os jovens com depressão aumentaram para 42,5 %, em comparação com 17,1 % para a população adulta; na Áustria, a percentagem chegou aos 41,3 % (23,7 % nos adultos) e na Suécia chegou aos 38,5 % (17,1 % nos adultos).

Em Espanha, 35% dos jovens tinham sinais de depressão, contra 22,5 % dos adultos; no Reino Unido a percentagem era de 30% nos jovens e 15% nos adultos; em Itália os jovens com depressão eram 24,2% e os adultos 14,4%), enquanto em França 20,1% dos jovens e 16,5% dos adultos tinham sintomas de depressão.

É assumido que os confinamentos e as restrições aos movimentos prejudicaram psicologicamente de uma forma desproporcional os jovens. Mas também pesou o declínio nos cuidados de saúde mental, que foi muito acentuado em 2020, o primeiro ano da pandemia, quando comparado com o ano de 2019.

A OCDE indica que mediu essa quebra nos hospitais, que foi modesta na Suíça (2%) ou em países nórdicos como a Noruega (6%) ou a Suécia (6%), mas muito mais acentuada em países como Espanha (12%), França (13%), Alemanha (14%), Portugal (21%), Itália (23%), Hungria (27%), Lituânia (27%) ou Polónia (28%).