De incidente em incidente até à votação final global. A despenalização da morte medicamente assistida foi esta sexta-feira aprovada no Parlamento e segue agora para Marcelo Rebelo de Sousa. É a terceira vez que a “lei da eutanásia” tem luz verde da Assembleia da República e é, esperam os proponentes, a última. “O país não entenderia que a lei pudesse agora ser travada”, resumiu Catarina Martins, do Bloco de Esquerda.

O dia começou com mais uma tentativa de os sociais-democratas tentaram travar a votação da despenalização da eutanásia, alegando, mais uma vez, que o Parlamento devia ser autorizado a sua proposta de referendo à eutanásia. Joaquim Pinto Moreira, do PSD, chegou mesmo a acusar Augusto Santos Silva de não “despir a camisola do PS” por impedir que fosse votada a proposta de referendo. Sem efeito.

Os trabalhos parlamentares prosseguiram e, cerca de quatro horas depois, PSD e Chega voltaram à carga. André Ventura apresentou uma reclamação, alegando que o guião de votações chegou para lá da hora prevista pelo regimento; Joaquim Pinto Moreira, pelo PSD, apresentou um requerimento para adiar a votação por mais oito dias, repetindo o argumento de que faltava a votação do pedido de referendo. Os restantes deputados rejeitaram os pedidos de PSD e Chega. A despenalização da eutanásia ia mesmo ser votado esta sexta-feira.

Era o culminar de uma semana de queixas sucessivas na condução dos trabalhos regimentais, com o PSD a tentar forçar a votação de um referendo, com o Chega a pedir que essa pretensão fosse rejeitada e com Augusto Santos Silva a dar razão aos deputados do Chega. Isto já depois de, há sensivelmente quinze dias, o Parlamento ter decidido adiar a votação depois de o texto final ter sido distribuído para lá da hora prevista no regimento.

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Desta vez, no entanto, o Parlamento concretizou a votação e o resultado foi inequívoco: com votos da generalidade dos deputados socialistas, Bloco, Livre, PAN e seis abstenções da bancada social-democrata, o diploma foi aprovado por grande maioria dos deputados presentes. Contas feitas: eutanásia foi aprovada por 122 votos a favor, 84 contra e 4 abstenções.

Ventura cola-se a Passos

No final, além de Catarina Martins e Isabel Moreira, do PS, também André Ventura apresentou uma declaração de votos para dizer que este era um “dia triste” na história do país. Mas o líder do Chega faria depois.

Depois de Pedro Passos Coelho ter escrito um artigo de opinião no Observador onde apelava aos partidos que são contra a eutanásia que revertessem a medida assim que alcançassem a maioria, em futuras eleições, Ventura aproveitou a ausência de resposta dos sociais-democratas ao repto do antigo primeiro-ministro para deixar uma promessa: “O Chega assume e aceita esse desafio”.

“O Chega assume e aceita esse desafio [de Pedro Passos Coelho]. Fica esse compromisso solene. A primeira coisa que faremos é reverter a lei da eutanásia”. Mas isso são batalhas futuras. Para já, o diploma está mesmo nas mãos de Marcelo Rebelo de Sousa.

Na anterior legislatura, a despenalização da morte medicamente assistida foi alvo de dois vetos do Presidente da República: uma primeira vez depois de um chumbo do Tribunal Constitucional, na sequência de um pedido de fiscalização de Marcelo Rebelo de Sousa; e, num segundo momento, foi novo rejeitada pelo depois de um veto político.

Quando vetou o diploma, a 26 de novembro, Marcelo Rebelo de Sousa alegou que que o novo texto utilizava expressões diferentes na definição do tipo de doenças exigidas e defendeu que o legislador tinha de optar entre a “doença só grave”, a “doença grave e incurável” e a “doença incurável e fatal”.

Desta vez, no entanto, os deputados deixaram cair o conceito de “doença fatal”, contrariando os avisos do Presidente da República, que tinha alertado para o facto de o diploma, tal como pensado, poderia traduzir uma “visão mais radical ou drástica”, que violaria o “sentimento dominante na sociedade portuguesa”.

Eutanásia – uma decisão (demasiado) radical