“Não me revejo naquela atitude”. É assim que António Costa, primeiro-ministro, comenta o caso de Rita Marques que 38 dias depois de ter saído do Governo anunciou que iria em janeiro assumir funções num grupo hoteleiro Fladgate Partnership, que explora o projeto World of Wine, a quem Rita Marques concedeu em janeiro de 2022, como secretária de Estado do Turismo, o estatuto de utilidade turística. O primeiro-ministro considera ilegal a ida de Rita Marques para a Fladgate, mas considera que a atribuição de utilidade turística não será revogada, ainda que tenha admitido pedir ao ministro da Economia a reavaliação.

O primeiro-ministro admitiu mesmo ter uma interpretação jurídica de que Rita Marques não podia ir para a Fladgate, uma interpretação jurídica de 99,9%, porque admite poder haver 0,1% de não estar certo. António Costa explicou ter pedido ao secretária de Estado da presidência do Conselho de Ministros para junto de Rita Marques lhe “chamar a atenção das limitações legais existentes, perguntando se tinha atribuído benefício de natureza contratual, seja fiscal seja de incentivo financeiro, se tinha praticado algum ato em relação àquela empresa e ela entendeu que estava a coberto da lei”, explicou António Costa, reforçando que “não é a interpretação que faço”, mas deixa às autoridades competentes fazerem a interpretação que entenderem.

[Ouça aqui a intervenção do Primeiro-ministro no Parlamento, em resposta a Catarina Martins]

Costa: “Não custa nada” reavaliar despacho de Rita Marques

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Mas volta a afirmar: a atitude de Rita Marques “não corresponde à ética republicana sair do governo e exercer funções numa empresa sobre a qual agiu diretamente”, disse em resposta a André Ventura.

O deputado do Chega ainda questionou o primeiro-ministro sobre se admitia revogar os atos praticados por Rita Marques em relação à Fladgate. António Costa demarcou-se. “Não devemos retirar ilações sobre a validade de atos praticados” e diz mesmo que “do que tenha conhecimento não há qualquer benefício fiscal atribuído àquela empresa nem estabeleço correlação entre uma situação e outra”. É que na leitura de António Costa “não me parece inverosímel” que o World of Wine pelo projeto que é não mereça ser qualificado de unidade com utilidade turística que é o estatuto que garante à empresa benefícios fiscais.

Segundo o levantamento feito pelo Observador, a utilidade turística permitiu à empresa registar 133 mil euros em 2020 e 133 mil euros em 2021 de benefícios fiscais em sede de IMI. Nesses anos, estava apenas com um registo provisório, tendo-lhe sido conferido o estatuto definitivo de utilidade turística em 2022 precisamente pela mão de Rita Marques.

E concluiu: “Relativamente ao comportamento da pessoa que serviu o Governo aquilo que fez é ilegal e não corresponde ao meu entendimento do que é a ética republicana”.

Rita Marques, nas únicas declarações que prestou depois do Observador ter noticiado a situação, disse que “a minha intervenção ocorre depois de o Turismo de Portugal apreciar o pedido e reconfirmar que todos os requisitos da utilidade turística se mantinham. Assim se passa em todos os casos similares.”

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António Costa reforçou a ideia de que não tem intenção de revogar ou anular o ato de atribuição de estatuto de utilidade turística. O que “é ilegal é a situação em que se encontra a dra. Rita Marques, não tiro a conclusão que o Governo deva anular ou revogar um despacho de reconhecimento de utilidade turística que resulta de um processo de avaliação administrativa pela entidade competente e verifica se determinado estabelecimento reúne as condições”. O despacho é o de reconhecimento definitivo de utilidade turística. “Não há problema nenhum fazer essa revisão e reavaliação da matéria”, disse o primeiro-ministro em resposta a Catarina Martins, que questionou António Costa sobre os fundos públicos que a empresa recebeu. “Não me custa nada que se proceda à reavaliação” do estatuto de utilidade turística, acrescentou o primeiro-ministro em resposta a Catarina Martins que pede também a reavaliação aos fundos públicos.

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As questões da deputada do Bloco de Esquerda seguiram-se ao argumento do primeiro-ministro que defendeu que “não é o facto de um ano depois ter cometido ilegalidade que se altera a realidade de facto. Não é o despacho que é ilegal é ela ter ido trabalhar depois de ter feito despacho. Não vou agir sobre o despacho nem sobre a empresa. O que entidades competentes podem fazer é agir sobre a dra. Rita Marques. A legalidade do ato ninguém o discutiu até agora. A prática desse ato é que tornou ilegal a dra. Rita Marques ir para empresa.”

Rita Marques saiu em novembro do Governo, depois de ter sido despedido por telefone pelo ministro da Economia, António Costa Silva.