A presidente do Instituto de Apoio à Criança, Dulce Rocha, defendeu esta quinta-feira um aumento do prazo de prescrição dos crimes de natureza sexual, enquanto não se procede a uma “grande alteração” do quadro legal para a violência doméstica.

Dulce Rocha falava durante uma audição parlamentar, a requerimento do PAN, sobre as causas da violência doméstica em Portugal, na qual participou também a presidente da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, Teresa Féria.

De acordo com Dulce Rocha, a violência doméstica é hoje a principal causa das queixas apresentadas nas comissões de proteção de crianças e jovens em risco, anteriormente dominadas pelas questões do abandono escolar.

A responsável pelo Instituto de Apoio à Criança considerou que a violência no seio da família deve ser considerada uma matéria prioritária, pelas marcas que deixa nas crianças e pelo estado em que as vítimas adultas chegam a tribunal: “Há mulheres que chegam ao tribunal sem dentes, com narizes partidos, com ossos partidos”.

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“Está na altura de procurarmos fazer um quadro jurídico que seja compatível com esta forma de violência, que deploramos”, disse.

Também a presidente da Associação de Mulheres Juristas considerou que as alterações legislativas adotadas nas últimas décadas “não têm sido suficientes e bastantes” para prevenir e reprimir as condutas que no seio da família consubstanciam atos de violência contra as mulheres e as crianças.

Para Teresa Féria, é imperioso elaborar “um quadro normativo global, coerente e eficaz”, que preveja e regule um regime jurídico específico para prevenir e punir a violência doméstica e assegurar apoio social às vítimas.

Defendeu igualmente a criação de tribunais de primeira instância com competência especializada mista, que em casos de violência na família “possam conhecer simultaneamente matérias do foro criminal e do foro cível” relativas às relações conjugais e parentais.

“Faria sentido também, a criação, nos tribunais judiciais de primeira instância, de unidades de apoio à vítima, com equipas de atendimento multidisciplinar, para encaminhamento das vítimas e dos filhos, avaliação de risco e de perigosidade do agressor”, afirmou a juíza conselheira.

A mesma responsável sublinhou ser “imprescindível” que o Estado, através da Ordem dos Advogados, nomeie um mandatário judicial às vítimas dos crimes desta natureza “imediatamente após a denúncia dos factos ou da apresentação da queixa”.

“Não dispomos ainda de um quadro normativo que seja eficaz e isso é visível através do número muito elevado de queixas”, anuiu Dulce Rocha, citando números apresentados na sexta-feira num seminário em que participou. “Neste ano de 2022, houve um recorde de 35.000 queixas, 35.000 inquéritos, ao contrário dos outros anos, em que não chegavam a 30.000”.

“Houve um aumento muito grande e um aumento também dos homicídios, a expressão mais grave da violência que se prolonga no tempo (…), porque as medidas não têm sido eficazes”, acrescentou, lembrando que no ano em apreço morreram “28 mulheres, duas meninas e dois meninos”.