Se dúvidas ainda existissem, o último ponto da final do Open da Austrália mostrou exatamente o inverso do que os currículos apresentavam. Stefanos Tsitsipas, o derrotado, estava muito frustrado, parecia ainda andar a pensar no que podia ter feito de diferente mas reagiu como se aquela fosse apenas mais uma final de Grand Slam quando na verdade era apenas a segunda de novo perdida com o sérvio. Novak Djokovic, o vencedor, parecia uma criança acabada de realizar um sonho como se nunca tivesse andado naqueles palcos e só agora conhecesse o que é o sabor da vitória. Claro que não era assim. Havia muita história naquela reação.

Ele estava vacinado, pelo menos para fazer história: Djokovic conquista Open da Austrália, sobe a número 1 e iguala Grand Slams de Nadal

Desfilemos aquilo que aconteceu ao longo de duas semanas de Open da Austrália e o que sobrou das sete vitórias com apenas um set perdido: décima conquista do torneio (aumentando o recorde que lhe pertencia), 22.º Grand Slam da carreira igualando o registo de Rafa Nadal, regresso ao primeiro lugar do ranking numa fase em que ocupava o quinto posto, a garantia de que vai ultrapassar as 377 semanas no topo de Steffi Graf que eram um recorde, a 33.ª final de um Major que igualou Serena Williams e deixou apenas a uma de mais um recorde neste caso de Chris Evert (34). No entanto, e como o próprio admitiria, este era tudo menos um mero torneio depois de um ano de 2022 em que foi deportado da Austrália, não recebeu pontos pelo triunfo em Wimbledon e foi proibido de entrar nos EUA para discutir também o US Open.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Por tudo isso, houve um libertar de emoções. Djokovic ganhou, apontou para o coração, para a cabeça e para a perna, olhou para o céu, foi cumprimentar à rede Tsistipas e subiu umas escadas improvisadas para chegar ao seu camarote. Primeiro houve um abraço gigante a todos os presentes com o treinador Goran Ivanisevic na frente, depois um caiu nos braços do irmão Marko (que tinha expulsado durante a recente final do Open de Adelaide) e da mãe Dijana em lágrimas, a seguir caiu durante alguns minutos a chorar de forma convulsiva, chegando ainda meio abalado à cadeira onde continuou a soltar toda a tensão com uma toalha na cara. Nas bancadas, ao som do habitual “Nole, Nole, Nole”, havia também várias pessoas a chorar; cá fora, milhares de sérvios festejavam em completa euforia no Garden Square. E havia um presente ainda reservado antes de receber o troféu que nem o próprio sabia: enquanto a família vestia camisolas com o 10 em cores da bandeira da Sérvia, o casaco preparado pelo patrocinador já tinha bordado o número 22 na lapela.

“Novak, não sei mesmo o que dizer… O que conseguiste alcançar até aqui fala por si. Está tudo nos números. E parabéns não só por isso mas também por teres uma família que te suporta tanto e dá tanto apoio. A forma como crescemos no ténis foi parecida e tem sido um caminho inacreditável para ti, que admiro muito. Fazes de mim um jogador melhor”, comentou Stefanos Tsitsipas na cerimónia de atribuição de troféus.

“Joguei muitos encontros complicados mas é com ele que jogo melhor. É um dos maiores do nosso desporto e creio que és mesmo o melhor que alguma vez agarrou uma raquete. Também nunca fiz isto mas quero agradecer por levares tão longe o nosso desporto, por seres alguém que puxa todos os jogadores a darem o máximo. Não é fácil perder mais uma final do Grand Slam mas vou voltar e a trabalhar mais. Obrigado à minha equipa por tudo. Sou um privilegiado por fazer isto com eles e agradeço também a todos os fãs gregos que me apoiaram”, concluiu o grego, menos eloquente do que é normal nestes momentos mas a tentar não esquecer nenhuma das pessoas ou das partes entre adeptos, organização e patrocinadores.

“Gostava de começar por agradecer ao Stefanos pelas palavras que me deixou. No court somos uns fortes concorrentes, queremos ganhar um ao outro mas isso não quer dizer que não nos devamos respeitar. Fizeste um grande torneio, a final foi muito complicada e sei que não foi a última final do Grand Slam, ainda tens muito tempo, muito mais do que eu, para ganhar. Parabéns também à tua família e à tua equipa, pelo que fazem para melhorares. És um dos jogadores mais profissionais que conheço no circuito e uma das pessoas mais interessantes que temos entre nós. A Grécia e a Sérvia são países relativamente pequenos que não têm grande tradição de ténis, nunca tivemos muitos jogadores como referência a este nível, e a mensagem para todos os mais jovens que nos estão a ver é que devem sonhar em grande, mostrámos que é possível e que ninguém deve ser capaz de roubar o sonho. Quanto mais dificuldades, melhores vamos ser. Reguem esse sonho como se fossem flores, mesmo que exista apenas uma pessoa que acredite em vocês”, começou por referir Novak Djokovic, numa parte do discurso interrompida pelos cântico por “Nole”.

Não sei onde começar ou acabar em relação à minha equipa e à minha família. Não tomo nada como garantido, sei que muitas vezes têm de tolerar a pior versão do meu carácter dentro e fora de campo e quero agradecer a vossa paciência e amor. Não sei se algum dia me vão perdoar tudo o que fiz mas vou continuar a repetir o mesmo: este torneio é tanto meu como vosso. Obrigado do fundo do meu coração”, seguiu, perante os sorrisos do técnico Goran Ivanisevic.

“Foi um dos torneios mais desafiantes da minha carreira considerando todas as circunstâncias, de não jogar no ano passado e de voltar este ano. Quero agradecer a todas as pessoas que me fizeram sentir bem-vindo, que me fizeram sentir confortável por estar de novo em Melbourne. Há uma razão para ter jogado sempre o meu melhor ténis aqui na Austrália em frente ao lendário Rod Laver. Só a minha equipa e a minha família sabem o que passámos nas últimas quatro ou cinco semanas e foi a minha maior vitória de sempre dentro de todas as circunstâncias”, reforçou Djokovic antes das habituais imagens para a posteridade e de ir até ao Garden Square onde estavam concentrados mais de 30.000 adeptos sérvios em festa.