O antigo Presidente da República Aníbal Cavaco Silva apelou à adoção de um “mecanismo de estabilização orçamental comum” na União Europeia (UE) que seja capaz de “responder a situações de crise económica atingindo o conjunto de países da zona euro e a choques externos negativos sobre a produção e o emprego que atinjam especificamente alguns dos seus Estados-membros”.

Num artigo de opinião publicado no Expresso, o antigo primeiro-ministro lembrou que Portugal seria dos países mais beneficiados, já que é “vulnerável a este tipo de choques, devido à sua dependência das importações de petróleo, gás natural, produtos alimentares e do turismo”.

Cavaco Silva explicou que a ausência “desta função europeia de estabilização da atividade económica” levou à criação da ‘bazuca’, um “instrumento extraordinário e temporário no montante de €750 mil milhões destinados a empréstimos e subvenções não reembolsáveis aos Estados-membros, financiado por dívida contraída pela UE no mercado de capitais”, aplicado na sequência da crise económico-social originada pela pandemia de Covid-19.

Para o antigo chefe de Estado, a iniciativa foi “correta” por conta da insuficiência da arquitetura da zona euro, ainda que critique o atraso da sua aplicação — foi operacionalizada apenas “quando a economia europeia já estava a recuperar do impacto recessivo da pandemia”.

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Ora, Cavaco Silva considera que há uma “lição” a tirar da crise económica. Os líderes europeus — ao não “darem seguidamente às propostas técnicas de dotar a zona euro de um instrumento orçamental de estabilização da atividade económica” — cometeram um “erro” com custos “elevados para os cidadãos, revelando-se no aumento do desemprego e na queda de produção.

“Os ensinamentos que se retiram da resposta que foi dada à crise deviam estimular os líderes europeus a, rapidamente, dotar a zona euro de uma função de estabilização orçamental comum”, insistiu Cavaco Silva, porque, no futuro, a UE pode ser atingida por uma “nova recessão económica global com custos muito elevado para os cidadãos”.

Ainda assim, o ex-Presidente da República acredita que alguns Estados-membros podem “opor-se a que a aplicação do novo instrumento de estabilização seja extensível a países atingidos especificamente por choques externos” — como Portugal — por recearem ser chamados a pagar os “custos de políticas erradas e de adiamentos persistentes de reformas por parte dos respetivos Governos”.

Por isso mesmo, considera que nem a crise económica gerada pela pandemia de Covid-19 conseguirá convencer “os atuais líderes europeus a avançar na criação de um mecanismo de estabilização orçamental comum”. Cavaco Silva não vê neles a visão de Helmut Kohl ou de François Mitterrand aquando do fim da União Soviética, nem a determinação de Angela Merkel durante a crise da dívida soberana de 2011-2012.

“Compete à Comissão Europeia relançar o debate político para completar a arquitetura da União Económica e Monetária, não esperando pelo fim da iniciativa Next Generation UE, em 2026, para fazê-lo”, rematou Cavaco Silva.