Siga aqui o nosso liveblog da guerra na Ucrânia

Quando as tropas russas se retiraram da cidade de Izium, no final de setembro do ano passado, Natalya Karpova percebeu que não tinha tempo a perder. Em breve o inverno começaria a avançar e depois disso seria impossível recuperar o corpo do filho, morto em combate durante a invasão russa da Ucrânia.

A confirmação da morte de Roman, um engenheiro de 30 anos, não chegou através das autoridades ucranianas, mas de um grupo de amigos do jovem. A força aérea não tinha registos da morte e as únicas pistas que Natalya tinha sobre a possível localização do corpo do filho eram retiradas de redes sociais como o Facebook e o Telegram, onde os ucranianos partilhavam e pediam informação sobre os familiares desaparecidos.

“Não podem imaginar o que é não serem capazes de levar o corpo do vosso filho para casa e enterrá-lo”, disse numa entrevista à BBC publicada este sábado. Ao canal britânico a médica de 59 anos contou como acabou por desistir do seu trabalho para encontrar o filho, uma vez que das autoridades não lhe chegavam informações sobre o que lhe tinha acontecido.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A médica juntou um equipa de voluntários – entre políticos locais, ativistas, militares – que a ajudaram a recuperar o cadáver do jovem, abandonado numa área repleta de minas terrestres. “Senti um peso sair-me dos ombros”, recordou. “Quero a vitória [da Ucrânia] para que nenhuma outra mãe tenha de passar pela minha situação”.

Com informações limitadas a chegar da parte das fontes oficiais, são vários os ucranianos que recorrerem aos próprios meios para recuperar os corpos dos familiares e dar-lhes um enterro digno. Foi o caso de Lyudmyla Kupriychuk e o ex-marido, que compraram um Mercedes velho e arriscaram numa viagem de cerca de 12 horas por territórios ocupados pelas forças russas para recuperar os restos mortais de Maksym, um soldado de 20 anos que morreu durante um bombardeamento logo nos primeiros dias da guerra.

À BBC, Lyudmyla descreveu como partiram numa longa viagem em março do ano passado sem qualquer plano, cansados de esperar por informações das autoridades. “Todas as noites eu ficava furiosa, sabendo que o meu filho estava deitado no frio gelado e não havia nada para o cobrir”, recordou.

Viajaram por trás de linhas inimigas apenas com o nome de uma vila, uma fotografia do campo onde o corpo do filho fora deixado para trás e o contacto de um residente local que se ofereceu para ajudá-los. Acabaram por conseguir localizá-lo em Tomaryne, na região de Kherson, num campo onde vários cadáveres tinha sido abandonados. “Rasgamos o uniforme para ver se tinha uma tatuagem no braço. E lá estava: ‘Nunca desistas’. Foi tudo o que podemos fazer para reconhecer o nosso filho”, revelou Lyudmyla.

Há também organizações que trabalham para identificar e devolver às famílias os cadáveres dos soldados mortos em combate, para que sejam enterrados com respeito. Há vários meses que os membros do Túlipa Negra fazem esse trabalho, exumando os corpos de soldados ucranianos,  russos e também de civis.

Grupo de voluntários identifica e devolve às famílias os corpos de soldados mortos em combate

As últimas estimativas divulgadas pelas autoridades ucranianas no final de dezembro apontam que cerca de 15.000 ucranianos, entre militares e civis, desapareceram desde o início da guerra, em fevereiro de 2022. Desde o início da invasão russa morreram entre 10.000 e 13.000 soldados ucranianos.