O bispo do Funchal saudou esta sexta-feira a atitude do padre madeirense Anastácio Alves ao tentar entregar-se à Justiça, mas lembrou que o sacerdote já deixou o sacerdócio. “Comigo sempre houve tolerância zero, só posso responder por mim”, disse à SIC em reação à notícia do Observador que Anastácio Alves tinha tentado entregar-se na Procuradoria-Geral da República (PGR), mas não conseguiu.

O padre Anastácio Alves enviou em 2019 uma carta escrita por si à diocese do Funchal a pedir para cessar as suas funções de sacerdote, um ano depois de ter sido tornado público que havia uma queixa de abuso sexual de menor contra ele. Nessa altura o padre estava ao serviço de uma paróquia para a comunidade portuguesa perto de Paris, em Gentilly, quando desapareceu – depois de saber pelo então bispo D. António Carrilho que seria afastado de funções enquanto decorriam os processos.

Nuno Brás, atual bispo do Funchal, só viria a assumir funções em 2019, meses antes desta comunicação por escrito de Anastácio. A resposta do Papa Francisco só seria conhecida, porém, quase dois anos depois, em 2021. “O Papa Francisco acedeu ao pedido de dispensa das obrigações inerentes à Sagrada Ordenação, inclusive do celibato sacerdotal do Padre José Anastácio Gouveia Alves.”, lia-se no comunicado da diocese que referia que não conseguia contactar o padre para lhe comunicar tal informação.

Padre Anastácio confessa abuso sexual de menores, tenta entregar-se à PGR, mas não consegue

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Nuno Brás sublinhou que a diocese “sempre colaborou com a justiça” e que está disposta a continuar a fazê-lo e assegura que, em casos futuros, serão seguidos os trâmites legais: “[Tomaremos] as atitudes previstas na legislação canónica e portuguesa, [o que] significa uma averiguação mínima da veracidade da queixa e a entrega imediata ao Ministério Público.” O bispo realçou ainda a “solidariedade com as eventuais vítimas de que [o padre] possa ter abusado” e assegurou que os testemunhos ouvido pela comissão independente vão ser “levados muito a sério”, apesar de a maioria já ter prescrito.

O bispo explicou ainda que “a diocese foi confrontada com seis casos que ou já são conhecidos ou estão prescritos ou de tal forma anónimos que não é possível identificar vítimas ou abusador”.

A abertura de Nuno Brás não é no entanto a mesma de alguns dos seus antecessores. Se António Carrilho decidiu afastar Anastácio Alves das suas funções em Paris, o bispo que lhe antecedeu, D. Teodoro Faria, não teve prática semelhante. Em 2005, a primeira vez que Anastácio Alves foi alvo de uma queixa de abuso de uma criança de de 14 anos, o bispo mudou-o da paróquia onde estava no Funchal, para uma outra. Em 2007, perante uma segunda queixa, Anastácio Alves foi mudado para a Suíça. Estes dois processos acabaram arquivados pelos Ministério Público e o padre nem sequer foi alvo de processos canónicos pela Igreja.

Já em Paris, acabaria por ser novamente apontado por uma vítima de quem abusou numa visita à sua família no Funchal. Este processo, que levou ao seu afastamento, acabou numa acusação quase quatro anos depois. E foi este caso que levou Anastácio a decidir entregar-se, dias depois da apresentação do relatório da Comissão Independente que estuda os abusos sexuais na Igreja Católica em Portugal desde os anos 50.

Ouça aqui A História do Dia da Rádio Observador sobre este caso.

Padre confessou abusos mas não foi detido. Porquê?