A defesa do padre Anastácio Alves, acusado de abuso sexual de menores e que se tentou entregar na Procuradoria-Geral da República (PGR), critica a burocracia do organismo e defende que a “justiça não quer qualquer tipo de colaboração”. Em entrevista à RTP, o advogado Miguel Santos Pereira diz que o padre se entregou na PGR porque queria colaborar com a Justiça e não para que “fosse o cordeio de Deus que tira o pecado do mundo”.

“Ele entrega-se para colaborar com a Justiça. Nao o entregamos em qualquer lado para amanhã estar na primeira página do Correio da Manhã como sendo um grande trabalho da PJ e o homem se calhar já tinha levado um tratamento menos digno. Foi para isso que fomos contratados”, afirmou, à RTP.

Padre Anastácio confessa abuso sexual de menores, tenta entregar-se à PGR, mas não consegue

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Em declarações à Lusa, o advogado Miguel Santos Pereira explica que o padre do Funchal — sobre quem o Ministério Público (MP) acionou em janeiro um pedido de cooperação internacional para notificar o arguido da acusação — esteve a viver durante o último ano em Portugal “de forma tranquila” e questiona as diligências efetuadas para a sua localização, acrescentando que nada pôde ser formalizado esta quinta-feira na PGR.

Segundo o Observador, o padre Anastácio Alves tentou na quinta-feira entregar-se na PGR em Lisboa, mas acabou por não ser recebido pela Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, nem notificado formalmente da acusação do MP.

“Fica difícil colaborar com a justiça, ainda mais numa semana em que é dado à estampa um relatório sobre abusos na Igreja. Todos nós batemos com a mão no peito — o MP, a Igreja, todos — e quando, afinal, queremos efetivar as coisas, parece que ninguém sabe o que anda a fazer. Isto é triste. Não é um problema da justiça, é um problema do país. Reflete o que é o país em termos de burocracia, somos um país de ‘mangas de alpaca'”, afirma.

Em entrevista à SIC, Miguel Santos Pereira admitiu que a defesa fez o que podia para defender os interesses do cliente, o padre Anastácio, referindo-se ao facto de ter optado pela mais alta instância do Ministério Público: “Não somos ingénuos, não chegámos de páraquedas, fizemos o que era legal e que melhor defendia interesses.”

E defendeu ainda que “fez sentido” ir à PGR por se estar  “numa semana em que ficou conhecido um relatório muito complicado que envolve situações como esta”, frisando tratar-se de uma “autoridade judiciária”. Porém, em entrevista à RTP, indicou que a decisão de ir à PGR esta semana foi tomada antes de a equipa de advogados saber que seria apresentado o relatório da comissão independente sobre os abusos na Igreja.

Miguel Santos Pereira defende que a PGR deveria ter contactado o Tribunal do Funchal, pedido o expediente do processo e notificado o padre, tal como defendeu à Rádio Observador o advogado Paulo Saragoça da Matta, em declarações no programa Explicador. O advogado do padre critica a atuação da PJ e do Ministério Público no caso. “O que é que a PJ e o MP fizeram para chegar ao contacto com o padre Anastácio Alves? Era importante que respondesse por causa das vítimas”, questiona Miguel Santos Pereira.

Porém, e apesar de enaltecer que o padre está no continente e que não pretende ir entregar-se à Madeira, o advogado referiu que a defesa está disponível para ir aonde o tribunal “entender”, seja o DCIAP, o DIAP ou outro local.

“Não basta falarmos e dizermos coisas bonitas, o que aconteceu ontem demonstra que as pessoas não sabem o que andam a fazer. Apercebemo-nos de um grande desnorte, [escrevemos] legislação óptima e quando vamos à prática ninguém sabe o que anda a fazer”, sublinhou.

De acordo com uma nota divulgada no site do Ministério Público em janeiro deste ano, o ex-padre madeirense foi acusado em março de 2022 de quatro crimes de abuso sexual de crianças e um crime de atos sexuais com adolescente, tendo sido realizadas de diligências para o localizar, em França e Portugal, que “resultaram infrutíferas”.

À RTP, o advogado Miguel Santos Pereira disse que o padre “leva uma vida normal”, não trabalha, mas vive com o apoio de familiares.

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