Ainda não anunciou oficialmente a candidatura, mas Ron DeSantis, governador da Florida apontado por muitos como o maior adversário de Donald Trump na corrida às eleições Presidenciais norte-americanas de 2024, continua debaixo dos holofotes. Agora, assinou uma nova lei que retira à Disney controlo sobre o distrito autónomo em torno do parque temático da empresa, a Disney World, em Orlando.

A área passa assim a estar sob a alçada de um comité executivo composto por cinco membros escolhidos por DeSantis, numa medida que está a ser entendida por analistas políticos como retaliação pelas críticas da empresa às políticas anti-LGBT+ do executivo estatal Republicano.

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Durante mais de cinco décadas, a gigante do entretenimento gozou de autonomia administrativa sobre o distrito de River Creek, um terreno de mais de 11 mil hectares em torno dos parques temáticos da Disney. Significava isto, por exemplo, que a Disney tinha, dentro dos limites do distrito, controlo sobre a sua própria polícia e corpo de bombeiros, bem como autonomia sobre o planeamento urbano dos parques.

Isso deve agora mudar. O novo projeto, aprovado na legislatura estatal no início do mês e oficialmente assinado pelo governador na segunda-feira, retira à Disney controlo sobre River Creek, colocando-o nas mãos do já referido comité, que passa a ser responsável por várias questões administrativas relacionadas com a Disney World, como a manutenção de estradas e a rede de escoamentos do parque.

Em declarações aos jornalistas numa cerimónia após a aprovação da lei, De Santis rejeitou a noção de que a medida tivesse sido motivada por uma retaliação política, preferindo enquadrar o tema como uma questão de administração pública:

Permitir a uma empresa que controle o seu próprio governo é má política, especialmente quando essa empresa toma decisões que afetam toda uma região”.

A Disney é um dos pilares da economia estatal, empregando  cerca de 75.000 funcionários e atraindo milhões de turistas anualmente ao parque de Orlando. O seu estatuto permitiu-lhe gozar de vários privilégios que terminam com a nova lei. “A Disney viverá sob as mesmas leis que todos os outros”, declarou DeSantis.

No entanto, e apesar de garantir que a medida não se insere em nenhuma “guerra cultural”, a verdade é que as responsabilidades do novo comité — que inclui controlo sobre o financiamento dos projetos de infraestrutura do parque — poderão, na teoria, afetar as decisões da empresa, uma vez que têm autoridade para negar empréstimos e recusar financiar projetos da Disney. Pela sua parte, o governador assumiu que espera que a nova administração possa funcionar como um árbitro moral que impeça uma “companhia woke” na Califórnia de “injetar propaganda woke” nas crianças da Florida. “Acho que todos os membros do comité gostariam muito de ver o tipo de entretenimento de que todas as famílias podem desfrutar”, asseverou DeSantis.

O que está em causa: a lei “não digas gay” de DeSantis

A disputa entre o governo estatal e a Disney teve origem há quase um ano, e tem na base uma lei, aprovada pelo executivo de DeSantis, que muitos descrevem como discriminatória da comunidade LGBT+. Oficialmente “Lei dos Direitos Parentais na Educação”, a medida ficou conhecida como a lei “Don’t Say Gay” (“não digas gay” em português) — uma proposta que prevê limitações à forma como assuntos relacionados com identidade e orientação de género são ensinados nas escolas públicas da Florida.

Concretamente, estipula que “a instrução em salas de aula, por professores ou outros educadores, de assuntos relacionados com orientação sexual e identidade de género, é proibida desde o infantário até ao 3.º ano, ou de uma maneira que não seja apropriada à idade e ao desenvolvimento dos estudantes de acordo com os padrões estatais”.

Apoiantes da lei argumentaram que esta visava apenas deixar ao critério dos pais a forma mais apropriada de introduzir tópicos relacionados com a causa LGBT+ aos filhos. Numa conferência de imprensa por ocasião da assinatura da lei, o governador da Florida considerou “inapropriado” falar com crianças sobre homossexualidade e identidade de género.

As críticas não se fizeram esperar. Associações humanitárias LGBT+ alertaram que crianças homossexuais, já de si mais vulneráveis a bullying e taxas de suicídio elevadas, ficariam ainda mais expostas. Outro dos aspetos mais atacados foi a decisão, incluída na lei, de que os pais de alunos LGBT+ têm de ser notificados sobre quaisquer apoios prestados aos filhos pela entidade escolar, podendo até recusar esses apoios em nome das crianças.

Entre as vozes mais críticas esteve, precisamente, a da Walt Disney Corporation que, num comunicado lançado aquando da aprovação do projeto-lei, referiu que este “nunca devia ter sido aprovado”, e comprometeu-se a lutar para que fosse “revogado pela legislatura ou declarado inconstitucional pelos tribunais”.

Estava lançada a guerra aberta. De Santis e os seus apoiantes declararam-se contra o ensino de “ideologia de género woke” nas escolas, e o governador mostrou-se desafiador perante a gigante do entretenimento. “Não quero saber da opinião de Hollywood, nem das grandes empresas”. O clima de tensão foi aumentando ao longo do último ano, com ameaças da parte do executivo estatal que se vieram a confirmar com a aprovação da nova lei.

Ao Washington Post, Aubrey Jewett, professor da Universidade Central da Florida, diz  ser claro que o novo comité escolhido por DeSantis “tem uma agenda” que o colocará em oposição direta aos interesses da Disney.

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Ao mesmo tempo, Jewett diz ser impossível ignorar as implicações desta medida para as ambições presidenciais do ainda governador da Florida. “Politicamente, tem sido fantástico para ele. (…) Deu-lhe imensa visibilidade em todo o país. E para os potenciais eleitores das primárias, eles adoram isto, vê-lo em confronto com o que ele considera uma empresa woke“.