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"Fica em casa" ou "vamos bumbar". Angolanos entre apelo à greve ou ao trabalho nesta sexta-feira. E a polícia pelo meio

Este artigo tem mais de 1 ano

Ativistas pedem aos angolanos para ficarem em casa num protesto silencioso. Militantes do MPLA apelam ao trabalho. Polícia gera tensão ao recomendar a denúncia de organizadores se houver desacatos.

Marginal na baixa da cidade em Luanda, Angola, 23 de agosto de 2021.  AMPE ROGÉRIO/LUSA
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Angolanos foram convidados a ficar em casa nesta sexta-feira como protesto silencioso

AMPE ROGÉRIO/LUSA

Angolanos foram convidados a ficar em casa nesta sexta-feira como protesto silencioso

AMPE ROGÉRIO/LUSA

E chegou o dia 31 a Angola. Dia normal de trabalho ou dia de greve geral? O que poderia não passar de mais uma manifestação silenciosa marcada para esta sexta-feira contra o governo angolano ganhou contornos de tensão quando a polícia resolveu, na quarta-feira, fazer um comunicado. E assim a situação transformou-se numa “tragicomédia”, na leitura de Sérgio Calundungo, coordenador do Observatório Político e Social de Angola (OPSA).

Um movimento de ativistas — a que se associaram alguns políticos e que conta com o beneplácito do maior partido da oposição, a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola)  — pediu aos angolanos para, neste 31 de março, não irem trabalhar. Mais, aconselhou todos a “ficarem em casa”, em reflexão, contra as condições sócio-económicas que o país atravessa e contra o que considera ser a presidência “ilegítima” de João Lourenço.

O apelo dos ativistas para os angolanos ficarem em casa

O apelo dos ativistas para os angolanos ficarem em casa

Na quinta-feira, alguns empresários decidiram anunciar que esta sexta-feira iriam fechar as suas empresas, deixando aos trabalhadores a liberdade de decisão. Entre eles está “Tchizé” dos Santos, filha do ex-Presidente angolano, que numa mensagem audio que colocou na rede WhatsApp divulgava o encerramento dos seus restaurantes, salvaguardando, no entanto, que nada impunha: “Eu não sou uma ditadora, sou uma democrata”.

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Ativistas, músicos e deputados apelam a angolanos para “ficarem em casa” como protesto no dia 31 de março

Este “protesto silencioso” — como lhe chama o ativista Nelson Dembo, mais conhecido por “Gangsta”, um dos seus impulsionadores —, motivou um outro movimento nas redes sociais, impulsionado pelo MPLA, com um slogan reativo: “Amanhã vamos bumbar (trabalhar)”. Ou seja o partido no poder há 48 anos disse “aos bons cidadãos para irem trabalhar”, frisa ao Observador o porta-voz do MPLA. Não o fez institucionalmente — “se tivermos que andar atrás da mediocridade que por aqui paira, não fazemos mais nada e temos um país para pensar e fazer andar” — mas através dos “canais dos militantes”, diz Rui Falcão.

Convencido de que os adeptos do “vamos bumbar” ultrapassarão em muito os do “fica em casa”, o responsável pela comunicação do partido mostra-se tranquilo. As pessoas “são livres de se manifestar dentro dos limites da lei, com responsabilidade, e desde que a democracia impere”, frisa. “Não há manifestações todos os dias em todo o mundo? Nós íamos ser uma excepção? Isto não é o paraíso”, remata.

“Num país democrático, este comunicado da polícia não faz sentido”

Não está prevista “qualquer ação de rua, zero” confirma “Gangsta” ao Observador . “É um protesto pacífico por via da desobediência civil, com o respaldo do direito previsto na Constituição da República”. O ativista acredita que a onda de apoio que inundou as redes sociais se vai refletir nesta sexta-feira e a prova de que “o poder instalado receia a adesão”, está na posição da “Polícia Nacional de Angola (PNA) que pretende criminalizar e responsabilizar os autores da manifestação se houver algum desacato”.

Numa nota de imprensa divulgada na sua página oficial no Facebook, a PNA começa por dizer que tem acompanhado com “elevada atenção a divulgação e partilha nas redes sociais de matérias e conteúdos que visam instaurar um clima de desordem, insegurança e convulsões sociais”. Depois refere que os serviços de informação consideram que “essas condutas visam promover a violência, a rebelião, o vandalismo e a desobediência civil, incluindo a intimidação de cidadãos trabalhadores coibindo-os de exercerem os seus deveres elementares” laborais, “o que constitui crime”.   Assim, a PNA apela a “todos os cidadãos para não aderirem a tais atos, devendo para o efeito denunciarem às autoridades policiais e judiciais aqueles que estejam envolvidos na promoção de condutas susceptíveis de alterar a ordem e tranquilidade públicas”.

E o comunicado termina dizendo que a PNA “é estável” e está pronta para dar resposta a “quaisquer atos que visem perturbar a ordem e tranquilidade públicas”, reiterando que aqueles que o fizerem serão “responsabilizados criminalmente”.

Com esta posição pública, “a polícia criou um alarido e causou preocupação nas pessoas”, afirma Sérgio Calundungo. “Houve várias pessoas que me dissseram que, perante esta nota, era mais prudente ficar em casa, pois se calhar vai haver tensão”, revela o coordenador da OPSA. Ou seja,”este comunicado teve um efeito contrário, há pessoas que iam trabalhar e agora acham mais seguro ficar em casa”.

As autoridades “deviam ter uma posição de moderação e tranquilidade para não empolar um protesto”, aconselha Calundungo. “Num país democrático, este comunicado não faz sentido, quem decidir não ir trabalhar no máximo tem uma falta, nada mais, tudo isto é trágico, porque assusta as pessoas, é uma tragicomédia”, lamenta o dirigente do OPSA.

“Terrorismo psicológico” versus manifestação organizada por um “bandido”

“Gangsta” vê nesta nota policial “mais uma tentativa de fazer terrorismo psicológico, de intimidação, de usar o medo para impedir a manifestação legítima de um direito constitucional, mais um atropelo de direitos democráticos”.

Para o conhecido ativista e músico Luaty Beirão (que não esteve envolvido na organização deste processo) “o MPLA mostra a sua inépcia em lidar com situações de insatisfação legítima. São uns trogloditas incorrigíveis”. O rapper diz ao Observador que o comunicado é só mais um dos exemplos dessa forma de agir, pois ” tudo o que têm vindo a fazer em forma de contra-campanha e em tom de ameaça é para lá de descritível”.

Luaty aponta para um ficheiro audio que está a circular nas redes sociais, onde uma mulher, com “voz de radialista”, apela aos cidadãos para irem trabalhar, denegrindo ao mesmo tempo os que convocaram este protesto: “Vivem no estrangeiro, não vão para a rua apanhar com porrete”.

O músico destaca ainda duas mensagens audio de ativistas da província do Bengo, amigos de um outro que tem divulgado o protesto desta sexta-feira. Nessa gravação, os dois relatam como um grupo de seis homens armados, alegadamente das forças de segurança, bateram violentamente à porta da casa de um deles de madrugada, depois de dispararem para o ar, assustando toda a família.

Segundo a mesma mensagem audio a que o Observador teve acesso, ter-lhes-à sido dito posterioremente por forças de segurança que tudo não terá passado de uma intenção de conversar com o ativista, procurando saber onde morava aquele que está a promover a greve geral deste dia 31. “Conversar às 2 da manhã?”, questiona Luaty que vê no episódio “uma forma de intimidação, de terrorismo de Estado”.

Ao longo das últimas duas semanas, no manancial de apelos à greve e ao trabalho que foram enchendo as redes sociais, surgiram várias informações em sentido contrário. Uma das últimas dava conta de que o protesto tinha sido desmarcado, o que levou Gangsta a ter que desmentir, outra falava com detalhe das ruas onde haveria manifestações e das intenções de causar distúrbios, dizendo mesmo que a UNITA estava a financiar o protesto, o que foi prontamente negado pelo líder do partido ao Observador.

Por outro lado, começou a circular um cartaz com a imagem de João Lourenço convocando uma marcha de apoio para esta sexta-feira ao Presidente angolano, o que logo suscitou muitos comentários, dizendo que violava a lei angolana, pois não se não podem marcar marchas ou afins em dias de trabalho.

“O cartaz não é verdadeiro”, desmentiram ao Observador os porta-vozes do Ministério do Interior e do MPLA. Rui Falcão vai mais longe: “Isso é fabricado por essas pessoas que querem criar zonas de conflito, não fazemos disto uma guerra nem vamos reagir a um protesto que é organizado por um indivíduo que até é um bandido, que está a ser procurado pela polícia. Não nos metemos nisso”.

“A minha vida corre perigo”

Em parte incerta, o ativista “Gangsta” denuncia ao Observador que “a caça ao homem se intensificou”. Ou seja, a polícia redobrou os esforços para o encontrar: “Há cartazes da minha cara em todas as fronteiras angolanas, a minha família está a ser perseguida, detiveram as minhas irmãs para interrogatório durante quatro horas para ver se elas diziam onde é que eu estou. Hoje [quinta-feira, dia 30 de março, quando falou com o Observador] faz um ano que vivo sob termo de identidade e residência”.

“Gangsta” foi detido em março de 2022, acusado de praticar crimes de associação criminosa, instigação à rebelião e à desobediência civil, além de ultraje ao Presidente da República e aos órgãos de soberania. Proibido de sair do país, ficou obrigado a apresentar-se periodicamente ao Serviço de Investigação Criminal (SIC). Mas deixou de o fazer porque “não cumpre leis injustas”, embora continue com a sua intervenção pública através de “diretos” nas redes sociais.

“Querem restringir as liberdades individuais aos ativistas”, acusa “Gangsta”, ao memo tempo que faz um apelo “à União Europeia, aos Estados Unidos, à União Africana, à Human Rights”: “A minha vida está em perigo, estou mesmo na boca do lobo, mas não posso ficar sem fazer nada quando vejo o meu povo a morrer à fome”.

Sem outra alternativa que não a de se juntar ao protesto está também Francisco Viana, filho de um dos fundadores do MPLA, Gentil Viana. Em declarações ao Observador, a partir de Macau, o deputado independente na bancada da UNITA que divulgou um vídeo contundente a apelar à greve, sublinha que não podia ficar em silêncio. “O país está em condições miseráveis, há fome, não há emprego, a corrupção aumentou, a saúde não funciona, a educação não funciona, a justiça não funciona, o Presidente não tem legitimidade para estar no poder, as eleições foram roubadas… é uma tristeza. Vamos fazer o quê? Parados é que não podemos ficar. Estamos fartos desta ditadura”.

O deputado critica a “hipocrisia do Ocidente, que ataca autocracias como a da Rússia, mas que fecha os olhos ao que se passa em África, parece que está tudo bem em África. Em Angola não está, é um desespero e são todos cúmplices”, diz.

UNITA solidariza-se com o protesto

“Gangsta” conseguiu juntar à sua voz as de muitos ativistas como Laura Macedo ou Laurinda Gouveia e Dito Dali, que fizeram parte dos famosos “Revú”, os “15+2”, tal como Luaty Beirão, presos no mandato de José Eduardo dos Santos por atos preparatórios de rebelião. E também militantes da UNITA como Ginga Savimbi, filha do fundador do partido, Jonas Savimbi, ou o deputado Adriano Sapinala.

Porém, o partido do Galo Negro não faz parte do protesto preferindo dar “liberdade aos seus militantes” para decidir ficar em casa ou ir trabalhar, mas não deixando de os encorajar a participar.

Num comunicado de imprensa, o secretariado-executivo do Comité Permanente da Comissão Política manifestou-se na quarta-feira solidário com as razões que levam a esta manifestação. Segundo a UNITA, “os níveis elevados de desemprego, pobreza, alto custo de vida, corrupção institucionalizada e constantes violações dos direitos humanos agravam a insatisfação e o desespero da juventude com a atual governação”.

Por isso, “considera legítimas e constitucionalmente atendíveis as motivações dessa manifestação”. E não deixa de condenar “veementemente, a campanha de intoxicação da opinião pública nacional e internacional, levada a cabo por órgãos do Estado, que visa desvirtuar iniciativas de livre exercício de cidadania, plasmadas na Constituição da República de Angola”.

Francisco Viana vai mais longe do que o partido em cuja bancada parlamentar se senta. Pede aos angolanos para pararem o país. Não sabe qual o grau de adesão que a contestação vai ter neste dia, mas se as ruas ficarem vazias “e não aproveitarem para ir à praia”,  então “é um sinal que a sociedade envia a quem manda e que deve tirar as devidas ilações”.

Já Sérgio Calundungo, que condena o discurso de intolerância dos adeptos da greve nas redes sociais para quem discorda deles — “não basta que a causa seja justa, tem que haver justiça na nossa maneira de ser” — crê que o dia irá mostrar a capacidade de mobilização dos dois lados: “ficar em casa” ou “ir bumbar”. Pode ser um teste “à nossa democracia”.

Para já, o dia amanheceu em Luanda com menos candongueiros (as carrinhas táxi azuis que os menos favorecidos usam) e com menos pessoas na rua, diz ao Observador um morador. Uma coisa é certa. No MPLA, o dia é de atividade, disse Rui Falcão ao Observador. “Amanhã [sexta-feira] temos reunião do Bureau Político, com a presença do Presidente João Lourenço, vamos estar a trabalhar”.

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