Terá sido imediatamente antes da última entrevista, depois de já ter ultrapassado várias fases do recrutamento em curso para o posto de supervisor de reservas no exclusivo Hotel Ritz, em Londres, que Jerelle Jules recebeu a política de higiene dos funcionários da empresa.

Com estupefação, leu que uma das regras impostas aos funcionários dizia respeito ao corte e apresentação do cabelo. E penteados “incomuns”, como “cabelo espetado ou estilo afro”, citou entretanto em inúmeras entrevistas à imprensa britânica, estavam proibidos.

Na altura, explicou Jules, 30 anos, ficou “chocado e desapontado” por não poder ser elegível para o lugar. E decidiu que, tendo em conta o “racismo institucional” e a “ignorância corporativa” revelados no documento, nem sequer ia comparecer na derradeira entrevista para o emprego a que se tinha candidatado duas semanas antes. “A própria palavra ‘afro’ é obviamente indicativa de africanos, portanto depois de ler isto é claro que não me sinto à vontade para ir à entrevista”, explicou ao Metro, um dos primeiros meios a dar destaque à notícia.

“O pior foi a linguagem utilizada, a linguagem podia ter sido não discriminatória, podiam ter escrito sobre o comprimento do cabelo e eu teria ficado ok com isso”, disse mais tarde ao Daily Mail. “Mas o problema é que penso nas minhas filhas e no facto de elas poderem querer candidatar-se a trabalhos para os quais serão discriminadas à partida, antes mesmo de elas poderem assumir esses lugares. A minha maior preocupação é que isto tenha sido escrito em 2021, apesar de a sensação que tenho é de que este tipo de linguagem é algo saído dos anos 1970, algo que os meus avós tenham tido de enfrentar quando vieram para cá”, lamentou ainda o britânico, que trabalha no ramo da “habitação empresarial”. “A maior parte das empresas em que estive não tinham políticas como estas, e ver algo assim foi muito surpreendente, mas também desconcertante.”

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O Ritz de Londres foi inaugurado em 1906 pelo suíço César Ritz. A política de higiene imposta aos funcionários que terá sido enviada “por engano” a Jerelle Jules foi atualizada em 2021

Incomodado, antes de chegar aos jornais, Jerelle Jules tinha exposto a situação ao deputado de Hammersmith, na zona oeste de Londres, onde mora. O trabalhista Andy Slaughter deu-lhe razão: “É uma flagrante discriminação”, disse entretanto à BBC, já depois de Ritz ter entrado em contacto com o ex-candidato para lhe pedir desculpas por aquilo que considerou “um erro”: a política de higiene estaria “desatualizada” e ter-lhe-ia sido enviada “por engano”, explicou-lhe um porta-voz do hotel, isto depois de inicialmente lhe ter sido dito que o texto tinha sido revisto e passado no crivo de “um cabeleireiro negro do Ritz”.

“Desonesto e sem convicção” — foi desta forma que Jerelle Jules avaliou o pedido de desculpas que lhe fizeram chegar. “A resposta do Ritz ao ser desafiado é totalmente inadequada”, não destoou muito na avaliação o deputado trabalhista Andy Slaugher. “Não explicaram como surgiu esta política racista e humilhante ou o que pretendem fazer agora para a resolver. O Sr. Jules ofereceu-se para os ajudar a melhorar o processo de recrutamento, o que é uma oferta generosa, que eles devem aceitar. Não há lugar para este tipo de atitude por parte dos empregadores.”

Ao Guardian, um representante oficial do hotel garantiu esta quarta-feira que “o Ritz Londres não tolera qualquer forma de discriminação”. “Estamos genuinamente comprometidos em promover um ambiente inclusivo e não discriminatório para todos os nossos colegas e hóspedes”, assegurou.

Inaugurado em 1906 pelo hoteleiro suíço César Ritz, o hotel de cinco estrelas é um dos mais icónicos da capital britânica, conhecido não apenas pelos luxuosos quartos (que em caso algum custam menos de três dígitos por noite, podendo mesmo ultrapassar os mais de quatro mil euros), mas também pelo tradicional chá, servido todos os dias, mediante reserva prévia e pagamento de 70 libras por pessoa (cerca de 80 euros).

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O Ritz de Londres disse que documento foi enviado por engano. Jerelle Jules diz que o pedido de desculpas que lhe foi feito foi “desonesto e sem convicção”

Para além das regras que agora foram tornadas públicas e que são exigidas aos funcionários, o Ritz de Londres também impõe um dresscode rígido aos clientes, que em caso algum podem usar calções, ténis, calças de ganga ou qualquer outro tipo de roupa desportiva nas instalações. Para almoçarem, jantarem ou tomarem chá no hotel, os “cavalheiros” têm de vestir casaco e gravata, indicam os termos e condições disponibilizados no site oficial. Em todas as outras áreas do hotel, tanto para homens como para mulheres, “é necessário o traje smart casual“.

Nas redes sociais, em comentários às notícias partilhadas sobre o assunto, são várias as referências a outras pretensas exigências da política de higiene, que alegadamente proibirá também cabelos grisalhos penteados em rabos de cavalo ou abaixo dos ombros, franjas, moicanos, piercings e tatuagens. O texto completo não foi, porém, disponibilizado publicamente pelo hotel.