Os lesados do processo GES/BES são mais de mil e o terceiro dia do debate instrutório começou com o representante do primeiro lesado a apresentar queixa, ainda antes do colapso do Grupo Espírito Santo. Carlos Malveiro avançou para a Justiça em 2014, assim que percebeu que os 21 milhões de euros que investiu quatro anos antes, em depósitos a prazo e depois de ter vendido as suas empresas de distribuição, afinal “nunca existiram”. Em 2010, “o país estava numa situação difícil, o senhor Carlos Malveiro queria, sobretudo, segurança nos seus investimentos”, foi contando o advogado que representa este lesado, Ricardo Sá Fernandes, no Tribunal de Monsanto.

Em 2014, Carlos Malveiro verificou então que os depósitos a prazo “nunca existiram e que foi enganado pelo seu gestor de conta”. E a crítica assenta também aqui: “As instituições arranjam sempre soluções para quem tem depósitos a prazo, esses (depósitos) têm sempre garantia. Depósitos a prazo é dinheiro que se dá ao banco, mas está sempre salvaguardado”, explicou Sá Fernandes, acrescentando que, no caso do GES, esta garantia e salvaguarda não teve sequer lugar.

E, na mesma linha daquilo que disse esta quarta-feira, no segundo dia de debate instrutório, o advogado Nuno Vieira, que representa cerca de 1300 lesados, Sá Fernandes criticou também a postura do Ministério Público, ao considerar que “este é um caso de burla”. “Que o Ministério Público, perante um caso destes, diga que não, porque o que interessa é a sua estratégia, é absolutamente dececionante. O Ministério Público tem de ter em conta que está a lidar com vítimas e arguidos. Espero que se faça justiça”, acrescentou o advogado a propósito do processo que conta com 26 arguidos — 22 pessoas e quatro empresas –, acusados pelo MP dos crimes de branqueamento de capital, corrupção ativa e passiva, burla qualificada, falsificação de documento, manipulação de mercado, associação criminosa e infidelidade.

Cerca de 40 crimes do megaprocesso BES/GES em risco de prescrever. Ricardo Salgado pode ver cair 15 dos 65 crimes de que está acusado

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Acusação “padece de imensos defeitos”

Além do ex-banqueiro Ricardo Salgado, que é o principal arguido deste processo, existem mais 25 arguidos. A defesa de Salgado deverá ser das últimas a ser ouvida neste debate instrutório, mas esta quinta-feira a defesa de alguns arguidos falou e todos apontaram falhas à acusação do MP. Paulo Saragoça da Matta, advogado que defende João Martins Pereira, que entrou no BES para criar de raiz um Departamento de Compliance e de Auditoria que veio depois a liderar entre 2006 e 2013 e que era também administrador da ESFG — Espírito Santo Financial Group (a holding que agregava as participações do GES no sector financeiro nacional e internacional), considerou que a acusação do MP “padece de imensos defeitos”.

No caso de João Martins Pereira, “a acusação é uma mão cheia de nada”, acrescentou, explicando que o MP “criou uma total confusão em torno de João Martins Pereira, baralhando as datas e funções exercidas”. “Os factos, funções e cargos enunciados na acusação são completamente alheios aos crimes que depois lhe são imputados” — o Ministério Público acusa este arguido de três crimes de burla qualificada em co-autoria.

Os últimos dois dias de debate instrutório: requerimentos, MP e lesados

O debate instrutório começou esta terça-feira e abriu com os requerimentos da defesa de Ricardo Salgado: um que exigia uma perícia médica, feita pelo Instituto de Medicina Legal, para provar o agravamento do estado de saúde do ex-banqueiro, e outro para pedir a nulidade desta fase. O primeiro dia ficou, aliás, marcado pelas sucessivas interrupções da sessão, sempre que o advogado Adriano Squilacce apresentava um requerimento — o coletivo de juízes saía da sala, voltava para ouvir os restantes advogados e voltava a sair para decidir se aceitava ou não os requerimentos. Mas o tribunal considerou que “não se trata de uma situação nova”, mas sim de  “uma atualização do estado de saúde” de Ricardo Salgado e, por isso, o requerimento sobre a perícia médica não seria considerado.

BES/GES. Lesados querem que bens arrestados sejam “imediatamente vendidos” para pagar indemnizações

Depois da recusa da perícia médica independente, a defesa do ex-banqueiro avançou com um requerimento de nulidade da fase de instrução. “Subsiste esta questão: vossa excelência poderá continuar com um debate instrutório em que o arguido tem incapacidade de nele intervir?”, questionou o advogado Adriano Squilacce. E o tribunal voltou a responder: “A perícia invocada não se revela obrigatória”, referiu o juiz.

Com todos os requerimentos recusados, foi a vez de o Ministério Público anunciar que, após a fase de instrução, mantém todos os crimes que constam na acusação e pediu assim que todos os arguidos deste processo sejam julgados. “Podemos concluir que existem indícios suficientes para que todos os arguidos sejam sujeitos a julgamentos nos exatos termos da acusação”, sublinhou a procuradora Olga Barata.

GES. MP quer que Ricardo Salgado seja julgado por todos crimes de que está acusado

Já no segundo dia de debate instrutório, falaram os representantes dos assistentes. E o primeiro foi o advogado Nuno Vieira, que representa mais de 1300 lesados no processo BES/GES, e pediu que os bens arrestados fossem “imediatamente vendidos” para indemnizar os lesados. Num elogio, o advogado disse que a acusação do Ministério Público era “tecnicamente irrepreensível”, referiu Nuno Vieira. Mas o advogado não deixou passar as críticas, pelo facto de o Ministério Público ter recusado o estatuto de vítima aos mais de 1300 lesados. E “os lesados ficaram ainda mais chocados com a decisão do Ministério Público, após serem diferidos mais de 1200 estatutos de vítima (diferidos pelo tribunal, com a oposição do MP)”. Durante a fase de instrução, em que o tribunal decide se os arguidos vão a julgamento, ou não, “o Ministério Público não usou, em nenhum momento, a expressão vítima, nem indemnizações”, acrescentou. E continuou: “O Ministério Público nunca mostrou estar preocupado com certos assuntos e concentrou-se apenas em defender a sua acusação”.