Depois de um susto, mais uns quantos sustos. À partida, olhando num plano meramente teórico, as quatro primeiras etapas da Volta a Itália deveriam ter como único ponto alto o contrarrelógio a abrir entre tiradas mais para rolar e testar sensações em subidas de terceira e quarta categorias. Afinal, em apenas quatro dias, João Almeida viveu um pouco de tudo. E a quinta não foi diferente, com o português a resumir numa frase o dia mais acidentado deste Giro: “Foram quatro horas de corrida e eu perdi uns quatro anos de vida”. Quer isso dizer que mexeu alguma coisa com a classificação do português? Não, nem por isso. E a sua quarta posição na classificação geral, que quando chegar a montanha a sério deverá significar um segundo lugar virtual tendo em conta as dificuldades que Andreas Leknessund e Aurélien Paret-Peintre irão enfrentar para ficar sequer no top 10, não saiu em nada beliscada. No entanto, ficou o aviso de que tudo pode mudar.

“Foram quatro horas de corrida e perdi quatro anos de vida”: João Almeida fez o impossível e saiu ileso em etapa do Giro marcada por quedas

O corredor da UAE Team Emirates já tinha vivido um pouco de tudo após o contrarrelógio canhão onde só ficou atrás de Remco Evenepoel e Filippo Ganna. A chegada a San Salvo correu bem, com a felicidade de ir a tempo de fugir ao corte após queda que deixou por exemplo Tao Geoghegan Hart com mais 20 segundos de atraso. A etapa entre Vasto e Melfi correu pior, com o português a não conseguir evitar uma queda após um corredor que seguia à sua frente ter também caído (nas imagens pareceu que conseguiu colocar o pé no chão e evitar males maiores mas foi mesmo ao chão). A tirada entre Venosa e Lago Laceno correu entre altos e baixos, com um susto após ter ficado cortado numa descida e a recuperação que permitiu voltar a colar no pelotão num dia em que testava sensações por estar “amassado”. Esta quarta-feira, no dia que terminava em Salerno, Almeida não foi um “protagonista” mas viu o que pode acontecer aos protagonistas.

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João estava “amassado”, apanhou outro susto mas salvou o dia: Leknessund fica com rosa, português desce a 4.º com o tempo de Remco e Roglic

A chuva já era tudo menos boa conselheira para aquela que seria uma mera etapa de transição mas a entrada em cena de um cão na estrada, que provocou a queda de Davide Ballerini e Remco Evenepoel, deu o mote para uma etapa perigosa, com várias idas ao chão das que deixam mazelas e mais contratempos para os principais favoritos, entre uma queda de Primoz Roglic que obrigou o esloveno a trocar de bicicleta a sete quilómetros do final e mais uma ida ao chão de Remco, neste caso protegido pela regra dos três quilómetros para a meta. Quase todos acabaram por passar (literalmente) entre os pingos da chuva à exceção de três nomes com todas as condições para brilhar neste Giro, em termos de etapas ou de geral pelo top 10: Jay Vine, companheiro de João Almeida da UAE Team Emirates, que perdeu tempo e ficou no 21.º lugar a 2.47 minutos da rosa, Rigoberto Urán (EF Education) e Koen Bouwman (Jumbo). Os outros “safaram-se”.

Teve de colocar o pé no chão para não cair na descida mas subiu mais um lugar na geral: João Almeida chega ao 2.º lugar do Giro

Havia ainda assim algumas dúvidas sobre as mazelas que tinham ficado entre os principais corredores, com o foco a centrar-se em Remco Evenepoel. “Tem um hematoma com contração dos músculos e alguns problemas no sacro. Após a primeira queda, tudo parecia estar bem com o Remco, o que, naquele momento, foi um grande alívio. O problema é que, após a sua segunda queda, ele ficou com muitas dores no lado direito”, explicou no final da quinta etapa o médico da Soudal Quick-Step. Seguia-se novo desafio com o belga ainda a recuperar, numa tirada em Nápoles (162km) que contava na metade inicial com duas subidas de segunda e terceira categorias antes de um final mais tranquilo apesar do traçado sinuoso na zona sul do país marcada nos últimos dias pelos festejos apoteóticos pela conquista do título por parte do Nápoles.

Da saída festiva com centenas de pessoas nas estradas a saudar os corredores no arranque da sexta etapa ao tempo que deu tréguas depois de dois dias inesperadamente duros, parecia haver algo de diferente e mais calmo no pelotão. Aliás, até os quilómetros iniciais e a forma como as equipas que têm os melhores sprinters foram assumindo as despesas da corrida mostraram que tudo estava feito para, em condições normais (se é que isso pode haver neste Giro), passar as zonas a subir da tirada para enfrentar os últimos quilómetros mais sinuosos e ventosos em pelotão. De resto, e no início, imperou a fuga desta vez com cinco corredores (Alexandre Delettre, Simon Clarke, Charlie Quartermann, Alessandro De Marchi e Francesco Gavazzi), que só mais tarde conseguiu descolar para mais de cinco minutos. No sprint intermédio de Sant’Antonio Abate, Quarterman, Gavazzi e Clarke foram os três primeiros antes de começarem as primeiras movimentações.

Aproveitando o endurecer da primeira subida, a Ineos assumiu o controlo da corrida e obrigou elementos como Remco Evenepoel, Primoz Roglic e João Almeida a virem para a frente já com a estrada molhada. De seguida assumiu a UAE Team Emirates, a pensar também na primeira vitória do seu sprinter, Pascal Ackermann, antes de virem para a frente as armadas do costume neste tipo de etapa como a Trek. A 75 quilómetros do final, a diferença para os fugitivos era de pouco mais de três minutos, sendo que havia um segundo grupo mais distante onde ficou Mark Cavendish. Na frente, Clarke e De Marchi tentavam fugir, sendo que a diferença estava nos 2.15 minutos, um pouco abaixo do que seria o ideal para fazer vingar a fuga numa zona onde estavam mais uma vez concentrados milhares e milhares de adeptos ainda contagiados pelo scudetto do Nápoles (e Mário Rui, o português do plantel napolitano, também teve direito a uma faixa).

Pelas próprias características do traçado, a par do conhecimento que Simon Clarke e Alessandro De Marchi tinham por terem corrido juntos na mesma equipa (Israel) até à mudança do italiano para a Team Jayco, a fuga não foi anulada tão depressa como se poderia pensar, continuando acima dos dois minutos a menos de 30 quilómetros e em 1.35 minutos a 20 quilómetros do final. Era preciso cerrar fileiras “mais a sério”, com mais unidades na frente e só mesmo na reta final dos últimos 150 metros os fugitivos foram alcançados, sendo que pelo meio Roglic e Geraint Thomas tiveram pequenos sustos ao serem obrigados a trocar de bicicleta antes de voltarem a colar com a ajuda da Jumbo e da Ineos. A luta ficava mesmo para os sprinters, desta vez com a vitória a cair para Mads Pedersen perante a frustração de Clarke e De Marchi depois de um esforço que por muito pouco não foi recompensado com uma chegada isolados à meta.

Em termos de etapa, Mads Pedersen, com 3.44.45, bateu Jonathan Milan, Pascal Ackermann, Kaden Groves, Fernando Gaviria, Michael Matthews, Vincenzo Albanese, Marius Mayrhofer, Lorenzo Rota e Simone Velasco. Já em relação à classificação geral, tudo se manteve na mesma: Andreas Leknessund lidera com 28 segundos a menos do que Remco Evenepoel e 30 do que Aurélien Paret-Peintre. Seguem-se no top 10 João Almeida (1.00), Primoz Roglic (1.12), Geraint Thomas (1.26), Aleksandr Vlasov (1.26), Toms Skujins (1.29), Tao Geoghegan Hart (1.30) e Vincenzo Albanese (1.39). Esta sexta-feira realiza-se a sétima etapa da Volta a Itália, com uma ligação de mais de 215 quilómetros entre Capua e Gran Sasso com chegada a subir.