Há um novo João Almeida nas estradas, com faces até agora pouco conhecidas mas que no final acabaram de dentes cerrados como uma imagem para o mundo. Primeiro, nas palavras. Apesar de haver quem o colocasse como favorito a ganhar a Volta a Itália, como Lennard Kämna da Bora, o português atirou a responsabilidade da etapa do Monte Bondone para Primoz Roglic sem esquecer Geraint Thomas, admitindo até que esperava que o esloveno já tivesse atacado mais. Depois, nos atos. Quando estava numa posição de ataque com o grupo reduzido a seis corredores, esticou um pouco mais o esforço para saber como estava o líder da Jumbo, deu tempo para perceber se havia resposta e quando sentiu a primeira fraqueza fugiu com Geraint Thomas para a vitória com uma diferença que lhe permitiu ascender à segunda posição do Giro. Roçou a perfeição.

O dia em que todos perceberam quem é João Almeida: português vence no Monte Bondone e sobe a segundo do Giro

Para quem achava que aquilo que acontecera nos últimos cinco quilómetros em Bérgamo tinha sido só uma exceção, João Almeida fez um remake em grande do filme com uma exibição de luxo em termos coletivos: deixou a Jumbo (e em parte a Groupama) colocar o ritmo pretendido no pelotão até chegar à fuga, ativou o attack mode a dez quilómetros do final com Davide Formolo, colocou depois Jay Vine na frente tendo ainda Brandon McNulty a acompanhar para manter o ritmo, fez descair Diego Ulissi que andou na fuga para dar um último “amparo” e lançou o português a 6.000 metros da chegada. Sentia-se que estava a transbordar de confiança e o resultado não poderia ter sido melhor a partir do momento em que Geraint Thomas conseguiu fazer o corte. Por um lado, ganhou tempo a Roglic. Por outro, deu um passo decisivo para o pódio.

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Olhando apenas para a vitória, João Almeida tornou-se apenas o nono português a ganhar uma etapa de uma grande volta depois de João Rebelo (duas etapas na Vuelta de 1945), Joaquim Agostinho (quatro etapas do Tour em 1969, 1973 e 1979 e três da Vuelta em 1974 e 1976), Acácio da Silva (três etapas do Tour em 1987, 1988 e 1989 e cinco do Giro em 1985, 1986 e 1989), Paulo Ferreira (uma etapa no Tour de 1984), Rui Costa (três etapas do Tour em 2011 e 2013), Nelson Oliveira (uma etapa da Vuelta em 2015), Sérgio Paulinho (uma etapa do Tour em 2010 e uma etapa da Vuelta em 2006) e Rúben Guerreiro (uma etapa do Giro em 2020). No entanto, o melhor pode estar ainda para vir perante o atual cenário da prova.

Depois do quarto lugar em 2020 com duas semanas a andar com a camisola rosa, da sexta posição em 2021 e do abandono por ter contraído Covid-19 em 2022 (quando seguia em quarto), o corredor caldense tem uma vantagem considerável para fechar no pior dos cenários no último lugar do pódio, algo que apenas um português conseguiu numa grande volta: Joaquim Agostinho, que ficou em segundo na Vuelta de 1974 (a 11 segundos de José Manuel Fuente) e em terceiro no Tour de 1978 (a 6.54 de Bernard Hinault e a 2.58 de Joop Zoetemelk) e de 1979 (a quase 27 minutos de Bernard Hinault e a mais de 13 de Joop Zoetemelk). Em termos de Giro, João Almeida, português que teve mais dias a camisola rosa vestida com as duas semanas da edição de 2020, foi o terceiro corredor nacional a ganhar etapas depois de Acácio da Silva e Rúben Guerreiro.

“Estou super feliz, é um sonho que se realiza. Depois quatro anos em que fiquei tão perto, agora consegui e estou super feliz, não tenho palavras para descrever este momento. A minha equipa foi fantástica, fez um grande trabalho como sempre. Foi um dia muito duro, o mais difícil até ao momento. Arrisquei e consegui, estou muito feliz e agradecido à minha equipa, à minha família, à minha namorada e a todos os que acreditam em mim. Daqui para a frente? Se me sentir bem ataco, se não o fizer é porque não estou bem. Vou dar tudo até ao fim”, comentou João Almeida depois da vitória na 16.ª etapa que permitiu não só chegar ao segundo lugar da geral como consolidar a liderança da camisola da juventude com Leknessund a 3.12.

“O João Almeida cresceu muito. É um ciclista jovem, esteve sempre bem e ainda pode alcançar uma dimensão maior. Ele mostrou vontade logo de manhã de ganhar e pusemos a equipa toda à sua disposição”, destacou também à RAI Fabrizio Guidi, diretor da UAE Team Emirates que foi a grande vencedora do dia.