O Grupo VITA, organismo criado pela Igreja Católica em Portugal para acompanhar vítimas de abusos sexuais de menores no contexto eclesiástico, está a estabelecer parcerias com mais de cinco dezenas de entidades portuguesas, incluindo já 43 câmaras municipais e várias instituições católicas e não católicas. O objetivo passa por alargar a rede de identificação e encaminhamento de vítimas de abusos para os profissionais que compõem o grupo. Além disso, está também em fase de conclusão a bolsa de profissionais (psicólogos e psiquiatras) que estarão disponíveis para apoiar vítimas de abuso — e os números dessa bolsa deverão ser conhecidos na próxima segunda-feira, dia 19 de junho.

A informação foi dada ao Observador pela psicóloga Rute Agulhas, que coordena o Grupo VITA, fazendo um balanço do primeiro mês de funcionamento daquele organismo — que foi criado este ano por decisão da Conferência Episcopal Portuguesa, na sequência do relatório feito pela comissão independente, liderada pelo psiquiatra Pedro Strecht, sobre a realidade dos abusos sexuais na Igreja portuguesa desde a década de 1950 até à atualidade. O objetivo deste novo grupo, composto por vários profissionais independentes, é o de prestar apoio personalizado às vítimas de abusos e, ao mesmo tempo, contribuir para a formação dos profissionais que trabalham nas estruturas da Igreja Católica, de modo a capacitar as estruturas eclesiásticas para o apoio às vítimas no futuro.

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O Grupo VITA, cuja criação foi anunciada em abril deste ano, entrou em funcionamento a 22 de maio, dia em que foi aberta a linha telefónica (915 090 000) através da qual vítimas e outras testemunhas podem comunicar casos de abuso que tenham sofrido ou de que tenham conhecimento. O grupo tem também um formulário para a sinalização de casos de abuso, que pode ser acedido através da página da equipa na internet (www.grupovita.pt). Só na primeira semana, o grupo recebeu 16 contactos, da parte de pessoas com as quais foram, depois, agendados encontros presenciais ou online.

Neste primeiro mês de funcionamento, o Grupo VITA reuniu-se com 43 câmaras municipais de vários pontos do país, com as quais vão ser criados protocolos para, “em caso de necessidade”, as autarquias poderem “disponibilizar espaços físicos para a realização de atendimentos às vítimas”.

Além das autarquias, o Grupo VITA já se reuniu com entidades como a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), a Direção Geral da Educação (DGE), a Associação Portuguesa dos Educadores de Infância (APEI), a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), o Corpo Nacional de Escutas (CNE), os Jesuítas, o Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ), o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, a Associação Corações com Coroa, o Projeto CUIDAR, a Associação dos Profissionais de Serviço Social (APSS) e a Associação dos Profissionais Técnicos Superiores de Educação Social (APTSES).

“Com todas estas entidades estão a ser criadas parcerias que permitam alcançar diversos objetivos, desde logo, a divulgação do Grupo VITA e o encaminhamento para este de situações de violência sexual ocorridas no contexto da Igreja de que tenham conhecimento”, diz Rute Agulhas.

Bolsa de profissionais para apoio psicológico está a ser preparada

Outra das novidades prende-se com a bolsa de psicólogos e psiquiatras que o grupo está a organizar, em parceria com as ordens profissionais dos psicólogos e dos médicos. A ideia, como explicou Rute Agulhas em entrevista à Rádio Observador em maio, é que os profissionais se inscrevam, a partir das respetivas ordens profissionais, passando a integrar uma bolsa que deverá cobrir todo o território nacional, de psicólogos e psiquiatras para os quais possam ser encaminhadas as vítimas que necessitem de apoio em saúde mental. A pertença a essa bolsa depende do cumprimento de requisitos profissionais (como a preparação para lidar com vítimas de crimes sexuais), mas não tem qualquer critério religioso. Os serviços destes profissionais serão integralmente pagos pela Igreja Católica.

No próximo dia 19 de junho, segunda-feira, o Grupo VITA prevê “partilhar informação sobre a Bolsa de Profissionais, a sua constituição e a formação inicial já prevista”.

Rute Agulhas. “Foi-me dito que tenho carta branca para fazer o que entender”

Simultaneamente, o Grupo VITA está disponível para “assegurar formação sobre o tema da violência sexual, numa perspetiva de maior capacitação dos recursos existentes”, destinada a “profissionais das estruturas de atendimento a vítimas e a outros que integrem serviços locais de apoio psicológico”. Nesse sentido, diz Rute Agulhas, “estão já agendadas duas talks sobre o tema, em articulação com a Associação dos Profissionais Técnicos Superiores de Educação Social (APTSES)”.

No final de 2021, no contexto mais alargado do combate aos abusos na Igreja a nível global, a Conferência Episcopal Portuguesa criou uma comissão independente para estudar o fenómeno em Portugal entre 1950 e a atualidade. A equipa, liderada por Pedro Strecht, levou a cabo esse trabalho durante todo o ano de 2022 e apresentou os resultados finais em fevereiro deste ano: 512 testemunhos recolhidos, que permitiram estimar em 4.815 o número de vítimas de abusos em Portugal durante o período estudado. Além disso, o grupo de Strecht entregou aos bispos um conjunto de nomes de padres identificados como alegados abusadores. Na sequência da extinção daquela comissão independente, a CEP criou o Grupo VITA, liderado por Rute Agulhas, para dar continuidade ao acompanhamento das vítimas, à formação das estruturas da Igreja e à recolha de informação sobre o assunto.

Apesar de o Grupo VITA estar articulado com as estruturas da Igreja Católica para encaminhar os casos para os devidos processos canónicos nas dioceses e para que as vítimas possam ser apoiadas nos diferentes locais do país em que se encontram, tanto a Conferência Episcopal como a própria Rute Agulhas têm vincado a independência do grupo. Em entrevista ao Observador, Agulhas explicou mesmo que a Igreja lhe deu “carta branca para fazer o que entendesse”.