Depois de várias reuniões entre o governo e os sindicatos médicos, continua a não haver acordo para evitar as ações de protesto, nomeadamente a greve. O Ministério da Saúde voltou a não apresentar propostas concretas para rever as grelhas salariais dos profissionais, um ponto que os sindicatos consideram incontornável, e, para além da greve de dois dias em julho, devem-se seguir-se outras paralisações durante o verão.

“É muitíssimo provável que a greve seja o caminho, juntamente com outras ações de protesto. Dificilmente teremos tempo para conter o descontentamento. Tudo fizemos para que não houvesse greves”, sublinha, ao Observador, o presidente do Sindicato Independente dos Médicos. Jorge Roque da Cunha admite que “dificilmente” haverá acordo com o Governo, depois de mais uma reunião entre o SIM e o Ministério da Saúde, que decorreu na tarde desta quinta-feira.

O responsável adianta que, a ser marcada, a greve do SIM será depois da paralisação já convocada pelo outro grande sindicato médico (a Federação Nacional dos Médicos), que agendou uma greve para os dias 5 e 6 de julho, e que agora admite mais greves durante o mês de agosto, perante o impasse nas negociações, a apenas um dia do final do prazo. “Provavelmente o que se advinha é que, se amanhã [sexta-feira] nada acontecer, vamos ter de prosseguir com as greves em agosto. Não é possível de outra maneira”, disse Joana Bordalo e Sá, presidente da FNAM, à Lusa.

Estava previsto, segundo a dirigente, que, na ronda negocial desta quinta-feira, fosse entregue “um acordo de princípios” sobre as grelhas salariais dos médicos, “já com alguns valores e algumas percentagens”, o que “não foi feito”.

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Governo não apresentou propostas para melhorar salários

A reunião desta quinta-feira deveria ter sido a última do processo negocial iniciado ainda em 2022 e que, de acordo com o calendário previamente estabelecido, termina na sexta-feira. “Mais uma vez o Governo não apresentou qualquer proposta formal e concreta” de revisão das grelhas salariais, salienta Roque da Cunha. Ainda assim, haverá uma nova reunião esta sexta-feira, proposta pelo Ministério da Saúde. “Se não se mexer nas grelhas, será um desastre. A tendência é que os médicos saiam do SNS”, avisa o presidente do SIM.

Segundo o dirigente sindical, a justificação avançada pelo ministro da Saúde, Manuel Pizarro, foi que “estava a fazer contas”, dando também a “entender que ainda está em negociações com o Ministério das Finanças” sobre a proposta de grelha salarial para os médicos do SNS.

Quando esperava negociar o “aspeto mais importante” — as grelhas salariais –, o Governo apresentou um documento sobre os cuidados de saúde primários “para discutir alguns aspetos técnicos” das Unidades de Saúde Familiar, disse Joana Bordalo e Sá.

As negociações entre os sindicatos médicos e o governo começaram há 14 meses, ainda com a anterior ministra Marta Temido, e foram-se sucedendo sem que o Ministério da Saúde tenha apresentado, dizem os sindicatos, propostas concretas quanto aos valores dos aumentos.

Nos últimos anos, os sindicatos têm alertado para a perda de poder de compra dos médicos, que recuou 18% na última década entre os profissionais que trabalham no SNS, segundo um estudo dos economistas Pedro Pita Barros e Eduardo Costa, apresentando já este ano. Uma deterioração muito superior à dos enfermeiros, por exemplo — que, entre 2011 e 2022, perderam 3% do poder de compra — e que prejudica a atratividade do SNS quando os hospitais e os centros de saúde precisam de atrair e fixar profissionais.

Os salários dos médicos não são atualizados há quase 11 anos, desde outubro de 2012, quando os sindicatos assinaram um acordo com, à época, ministro da Saúde Paulo Macedo. Um período de espera demasiado longo, na opinião dos sindicatos. “São mais de dez anos de perda de poder de compra e de acumulação de cansaço, exaustão e burnout“, alerta a FNAM. Quando tomou posse, em março, o atual bastonário dos médicos, Carlos Cortes, alertava que os salários são incompatíveis “com o seu elevado grau de diferenciação e responsabilidade” da profissão.

Quanto ganha um médico?

Atualmente, os médicos internos, que representam cerca de 30% da força de trabalho no SNS, ganham entre 1585 e 1960 euros brutos por mês. Já um clínico geral (não especialista) aufere de 1407 a 3009 euros, consoante tenha um horário de 35 horas semanais ou 42 horas com dedicação exclusiva.

Já um médico assistente (o primeiro dos três níveis da carreira médica) ganha entre 1876 a 4156 euros/mês. No segundo nível, o de assistente graduado, um médico pode levar para casa, antes de impostos, entre 2267 a 5303 euros. Já os diretores de serviço (que correspondem à categoria de assistente graduado sénior), podem auferir entre 2736 a 5733 euros.

Sem aumentar os valores base das remunerações, fixados ainda durante o período da troika, o Ministério da Saúde deve optar por atribuir suplementos a milhares de médicos, condicionados ao cumprimentos de objetivos e ao desempenho, fazendo aumentar o rendimento real dos profissionais e evitando, desta forma, um grande impacto orçamental caso fosse feita uma revisão transversal nas grelhas salariais — uma linha vermelha para o Ministério das Finanças.

“O problema está na incapacidade que o doutor Pizarro [ministro da Saúde] tem demonstrado em fazer sentir ao Ministério das Finanças que há 1,7 milhões de portugueses sem médico de família e longuíssimas listas de espera”, disse, à Lusa, Jorge Roque da Cunha, presidente do SIM, acrescentando que a atualização das grelhas é “a questão de fundo para fixar médicos no SNS”.

268 USF passam para o modelo B

Com a transição de 268 Unidades de Saúde Familiares (USF) do modelo A para o B, medida anunciada esta quarta-feira por Manuel Pizarro, o governo consegue um duplo efeito: por um lado, atribui, através do aumento das listas, um médico de família a mais 200 a 250 mil utentes; por outro, promove um aumento salarial nos cerca de 1500 médicos que trabalham atualmente em USF modelo A — e, que ao transitarem para o modelo B, podem contar com um aumento que ronda os 40% no vencimento global mensal, apurou o Observador, para mais de 600o euros brutos.

Neste modelo, os profissionais assumem uma maior responsabilização pelo acesso a cuidados de saúde e pelos resultados em saúde da população, tendo de garantir a resposta a um maior número de utentes e de cumprir as metas de acompanhamento a grávidas e doentes crónicos por exemplo.

Incentivo à dedicação plena e criação de Centros de Responsabilidade Integrada

O Ministério da Saúde prepara também um suplemento (cujo valor ainda se desconhece) para os médicos que aceitarem o regime de dedicação plena. O acesso a este regime vai ser generalizado e terá uma duração superior aos três anos atuais.

A generalização dos Centros de Responsabilidade Integrada é uma das medidas-bandeira da Direção Executiva do SNS, que quer criar, até final de 2024, mais 75 CRI no SNS. Os Centros de Responsabilidade Integrados são estruturas de gestão intermédia, com autonomia funcional e que têm um compromisso de desempenho. Os médicos têm mais responsabilidade e, na mesma lógica das USF modelo B, se cumprirem os objetivos contratualizados com o hospital, recebem um suplemento variável, que resulta num aumento do vencimento entre os 20 e os 30%, apurou o Observador.

No entanto, Roque da Cunha alerta que, enquanto nas USF, “os indicadores de desempenho são simples de verificar, nos hospitais esse tipo de métricas são mais complicadas” de aferir.