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O príncipe, o crime e a aristocrata que contou a história. A vida de Vittorio Emanuele de Sabóia chegou à Netflix

Este artigo tem mais de 1 ano

A vida de Vittorio Emanuele de Sabóia ficou marcada por polémicas e a maior foi um assassinato há mais de 40 anos. A série "O Príncipe sem Trono", realizada por Beatrice Borromeo, reconta a história.

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Vittorio Emanuele em Roma. O regresso do descendente da família real a Roma, a 17 de maio d e2003, depois de um exílio de 56 anos.

Gamma-Rapho via Getty Images

Vittorio Emanuele em Roma. O regresso do descendente da família real a Roma, a 17 de maio d e2003, depois de um exílio de 56 anos.

Gamma-Rapho via Getty Images

Há muitas vidas na realeza com histórias que superam a ficção, que, mais do que filmes, davam séries. E assim tem sido. O mais recente protagonista destes enredos da vida real (e da realeza) é o príncipe Vittorio Emanuele de Sabóia. Tinha nove anos quando a monarquia acabou em Itália e passou a vida num longo exílio que só o deixou regressar à pátria mais de cinco décadas depois.

Eterno príncipe herdeiro de um trono que dificilmente voltará a existir, a sua história nada tem de encantada, pelo contrário, acumula polémicas que fariam tremer qualquer casa real. A maior de todas é um assassinato que, apesar de ter tido um veredito da justiça, não ficou resolvido na opinião pública. É precisamente esse o ponto de partida para uma série documental com três episódios que se chama “O Príncipe sem Trono” e estreou no início de julho na plataforma de streaming Netflix.

Mas o que esta série tem de especial é que a sua produção também tem um enredo. Foi realizada por Beatrice Borromeo, uma aristocrata italiana que é conhecida por ser nora da princesa Carolina do Mónaco e embaixadora da Dior. Contudo já foi também jornalista e regressa às origens de um caso com o qual cresceu, afinal a irmã do jovem que morreu é amiga íntima da sua mãe. Para esta série conseguiu contar com o personagem principal, o próprio Vittorio Emanuele, de 86 anos. Mas também com o filho, Emanuele Filiberto, o representante da próxima geração que terá conquistado o prémio de príncipe revelação.

O controverso herdeiro de um trono caído

Depois da Segunda Guerra Mundial, um referendo em Itália decretou o fim da monarquia. O Rei Victor Emanuel abdicou para o filho, dias antes da consulta popular, na esperança de dar uma nova imagem da monarquia, mas não convenceu o povo. Umberto II foi o último Rei de Itália durante apenas uns dias, até a família ser forçada a partir para o exílio e proibida de entrar em Itália durante cerca de 56 anos. Umberto II passou o resto da vida em Cascais, onde se casou a filha mais velha, a princesa Maria Pia. Os herdeiros da casa de Sabóia só voltariam a ter permissão para pisar Itália em dezembro de 2002.

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O soberano viria a morrer na Suíça a 18 de março de 1983 e sucedeu-lhe como herdeiro do trono de Itália o único filho homem, Vittorio Emanuele Alberto Carlo Teodoro Umberto Bonifacio Damiano Bernardino Gennaro Maria di Savoia, que nasceu a 12 de fevereiro de 1937 em Nápoles. O príncipe tem 86 anos e vivido grande parte da vida no exílio. É casado com Marina Doria, uma suíça plebeia campeã de ski aquático. Casaram primeiro em Las Vegas e depois em Teerão, como convidados do Shah da Pérsia. Têm apenas um filho, Emanuele Filiberto, que nasceu em 1972, em Genebra.

Mesmo sem trono, Vittorio Emanuele foi um príncipe pouco exemplar. Em 2006 foi detido por corrupção e exploração de prostituição num caso relacionado com um casino em Campione d’Itália, um enclave italiano na Suíça. Embora tenha sido absolvido quatro anos depois, não se livrou do escândalo nem dos danos reputacionais. Para trás estava já uma investigação levada a cabo em Itália por suspeita de tráfico de armas, da qual também saiu absolvido. O maior de todos os escândalos foi a morte de um jovem alemão em 1978 que, apesar de ter sido absolvido, o perseguiu desde então e já lá iremos.

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A família da casa de Sabóia no casamento do príncipe Alberto do Mónaco, em 2011. O príncipe Emanuele Filiberto e a mulher, Clotilde Coreau, Marina Doria e o príncipe Vittorio Emanuele

Em 2004, Vittorio Emanuele foi convidado para o jantar de gala que os reis Juan Carlos e Sofia de Espanha ofereceram na véspera do casamento do príncipe Felipe com Letizia Ortiz, mas foi protagonista por maus motivos. O príncipe italiano desentendeu-se com Amadeo de Sabóia-Aosta, um primo seu que morreu em 2021 e era também pretendente ao trono italiano. A discussão subiu de tom e terá mesmo havido troca de bofetadas, o que levou a rainha Ana Maria da Grécia a tentar pôr água na fervura e o Rei Juan Carlos a pedir-lhes para se retirarem, conta a Vanity Fair.

Na série documental “O Príncipe sem Trono”, o protagonista aproveita para lançar farpas ao Rei Emérito de Espanha. Mesmo no final do último episódio, o príncipe oferece champanhe à equipa e ataca Juan Carlos, quando acha que já não está a ser gravado, segundo relata a mesma revista. “Tenho muitas coisas para contar, mas não posso. Coisas sobre Juan Carlos”, cita a revista. Importa lembrar que ambos pertencem à mesma geração, partilham a experiência de serem príncipes exilados e passaram a sua juventude em Portugal. “Eu estava ali! Estávamos no exílio e costumávamos atirar jarras e garrafas na praia de Cascais”, revela Vittorio Emanuele. “Juanito fez um grande alarido. Disparou contra o irmão e matou-o. Chamava-se Alfonsito. Não disparou diretamente contra ele, mas sim através de um armário. Eu estava lá. Foi um acidente. A 100% eh? Escondi a minha arma imediatamente. Se não, tinham-me culpado novamente.” E é com Juan Carlos que o documentário acaba.

O documentário e o regresso ao crime

A série “O Príncipe sem Trono” (“The King Who Never Was”) tem três episódios disponíveis, que contam a história da vida do príncipe Vittorio Emanuele e focam-se em especial no caso que o levou a ser detido e julgado. Foi no ano de 1978 e trata-se do assassinato de Dirk Hamer, um adolescente de 19 anos. No verão desse ano, ele e a irmã, Birgit, viajaram com um grupo de amigos para a ilha francesa de Cavallo, perto da Córsega, que a família Sabóia costumava frequentar.

Os jovens terão levado “emprestado” um bote que estava preso ao barco de Emanuele para ir a um restaurante, mas já pela noite dentro o príncipe decidiu ir buscá-lo de volta e levou uma arma. Foram ouvidos dois tiros, um dos quais trespassou as paredes do barco onde Dirk Hammer estava a dormir e atingiu-o no estômago. O ferimento veio a ser fatal alguns meses e 19 cirurgias depois. O príncipe foi detido e, passados alguns dias, assinou uma carta na qual admitiu responsabilidade civil pelo sucedido, mas um dia antes da morte do jovem, foi libertado e deixou a Córsega rumo à Suíça, segundo conta o The Guardian na sua crítica,

A série relata o que se passou nos 40 anos que se seguiram ao acidente, durante os quais muita coisa aconteceu: desapareceram documentos e provas, as investigações não avançaram e as testemunhas terão sido intimidadas. A irmã da vítima, Birgit, lutou para que o príncipe fosse julgado pela morte e para que o caso não ficasse esquecido, deparando-se constantemente com a influência do príncipe. Emanuele viria, de facto, a sentar-se no banco dos réus em 1989, mas para ser considerado culpado de posse de arma de fogo sem licença.

A princesa realizadora

“O Príncipe sem Trono” é obra de Beatrice Borromeo, um nome que, habitualmente, aparece mais nas secções de moda e social do que de cinema ou crime. É italiana, aristocrata e nora da princesa Carolina do Mónaco. Antes de se casar com Pierre Casiraghi, em 2015, trabalhou como jornalista no jornal Il Fatto Quotidiano e em outros meios, como também na televisão e na rádio. Estudou na Universidade de Bocconi e na de Columbia e começou por trabalhar como modelo. Atualmente é embaixadora da maison Dior. É filha de Carlo Ferdinando Borromeo, conde de Arona, e de Paola Marzotto que, por sua vez, é filha do conde Umberto Marzotto e da designer de moda Marta Marzotto, descendente de um império do têxtil italiano. Beatrice é a mais nova de cinco irmãos, tem três irmãs só da parte do seu pai e um irmão de pai e mãe.

Numa entrevista à Vanity Fair, em 2017, deixou duras críticas aos atuais membros da família real italiana. Diz que se os títulos nobiliários não tivessem sido abolidos no século passado, atualmente reinariam os Sabóia. “O pai, Vittorio Emanuele de Sabóia, um assassino absolvido pela justiça francesa; o filho, Emanuele Filiberto, que explora o apelido como pode porque não sabe fazer outra coisa”, disse Borromeo. “Escrevi muitos artigos sobre eles e detestam-me. Já me processaram, mas acabo de lhes ganhar o último processo”, continuou a bela aristocrata.

Borromeo já se tinha dedicado ao caso da morte de Dirk Hamer no jornal Il Fatto Quotidiano. Chegou a publicar um vídeo onde Vittorio Emanuele, alegadamente, confessa o crime e foi processada porque o vídeo teria sido manipulado, mas acabou por ganhar o processo. “Provavelmente tornei-me demasiado obcecada com este caso”, confessou em entrevista à revista Variety, a propósito deste documentário. “Escrevi alguns artigos bastante agressivos aos quais faltou o equilíbrio que acredito que encontrei nesta série documental.” Para a realizadora esta não é apenas uma história mediática para contar, é um caso próximo com o qual tem uma relação pessoal, uma vez que a irmã do rapaz que morreu, Birgit Hamer, é amiga da sua mãe, Paola Marzotto, e esta até ajudou a tratar do funeral do jovem.

Nesta série documental sobre o príncipe italiano, Beatrice assume, pela primeira vez, o papel de realizadora num trabalho que é da sua própria produtora, Astrea Films. Para estes três episódios, apesar das opiniões que expõe sem medos, a realizadora entrevistou o príncipe Vittorio Emanuele e conseguiu testemunhos de outros membros da família real, como por exemplo o filho, o príncipe Emanuele Filiberto, e também de membros da família Hammer e de jornalistas que seguiram de perto os casos que marcaram a vida do herdeiro do trono italiano. Borromeo diz que retrata “um sistema de poder que, na altura, era dominante e sobre como a justiça e a verdade podem ser manipuladas graças a relações e dinheiro e determinação para evitar responsabilidade”. Não pretende reabrir o caso, mas acredita que “com este documentário, as pessoas vão ter todos os elementos para formarem a sua própria opinião”.

A realização da série viria a mudar a opinião de Beatrice Borromeo. Na conta de Instagram da Astrea Films, surge uma publicação com uma imagem que a mostra a falar com Emanuele Filiberto. “Devo admitir que para mim Emanuele Filiberto de Sabóia foi uma descoberta maravilhosa. Ele conseguiu superar o passado para enfrentar esta história de uma vez por todas”, pode ler-se na legenda. “Acho que ele decidiu participar no documentário, evidentemente muito escorregadio, para fechar definitivamente com o passado, para que não afetasse também as filhas, como aconteceu com ele.” A mensagem conta ainda com um pedido de desculpas “por tratá-lo no passado como se ele também estivesse de alguma forma envolvido nessa história”. Emanuele Filiberto reagiu positivamente ao documentário na revista Point de Vue e disse que tinha aceitado participar por causa das suas filhas e para que a sua relação com Itália seja “o mais pacífica possível”.

Na verdade, o filho do herdeiro do trono foi notícia recentemente porque confessou querer renunciar à sua pretensão ao trono, passando-a para a filha, Vittoria. A jovem princesa tem 19 anos, é estudante universitária de ciência política e história da arte em Londres, modelo, e é uma sensação no Instagram com mais de 80 mil seguidores. A linha de sucessão ao trono italiano deixou de estar limitada pela lei sálica, que dá preferência aos herdeiros homens, há cerca de dois anos. Emanuele Filiberto tem trabalhado para que Itália conheça a sua família e chegou a participar num programa de dança com celebridades na televisão. Espera que esta iniciativa “moderna” de passar o lugar na linha de sucessão para a filha mostre que a família é aberta e progressista. “Eu afastar-me-ia, com grande prazer, e deixava-a assumir o papel, que tenho a certeza que cumpriria melhor do que eu”,  disse ao jornal Telegraph. Vittoria assumirá as instituições de caridade da dinastia de Sabóia e tem uma irmã mais nova, Luisa, que está a estudar num colégio interno em Oxford.

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