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Era algo que não faria muito sentido olhando para os registos históricos, era algo que fazia todo o sentido se o foco estivesse apenas nas últimas provas. O Japão já foi finalista vencedor e vencido do Mundial e finalista vencido nos Jogos Olímpicos mas, olhando para o ranking das possibilidades teóricas antes do arranque da competição, a Suécia era mais colocada na “frente” pelo terceiro lugar no último Mundial, a medalha de prata nos dois últimos Jogos Olímpicos e as meias-finais no derradeiro Europeu. Todavia, havia algo que poucos poderiam prever: a queda dos EUA nos oitavos de um Campeonato do Mundo, algo que aconteceu apenas pela primeira vez. E era isso que colocava em confronto dois dos conjuntos mais sólidos da prova.

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As nipónicas, que terminaram a fase de grupos só com vitórias frente a Zâmbia, Costa Rica e Espanha com 11 golos marcados e nenhum sofrido em três partidas, voltaram a ter mais uma demonstração de superioridade frente à Noruega nos oitavos, ganhando por 3-1 num encontro que esteve sempre controlado. Segredo para o atual momento do Japão? O trabalho que foi sendo feito na base por Futoshi Ikeda, um treinador que, como recordava o The Athletic num longo texto de análise, esteve na seleção Sub-17 e foi campeão mundial Sub-20 em 2018 com jogadoras como Moeka Minami, Hana Takahashi, Honoka Hayashi, Hinata Miyazawa, Fuka Nagano, Jun Endo ou Riko Ueki, todas neste Mundial. Até pela relação que tem o grupo se percebe que foi a aposta na formação que fez germinar uma das gerações mais talentosas que as japonesas tiveram.

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Aoba Fujino, jogadora de apenas 19 anos, mostrara neste Mundial o porquê de ser apontada como uma das grandes promessas (ou certezas) de futuro mas eram os quatro golos já marcados por Hinata Miyazawa que colocavam a avançada como principal referência do Japão. Agora, seguia-se o confronto contra a melhor guarda-redes da competição até ao momento, Zecira Musovic, jogadora de 27 anos do Chelsea que só no jogo com os EUA fez um total de 11 defesas para aguentar o nulo que se manteria até ao desempate por grandes penalidades. De forma mais discreta, também a Suécia ganhou “sem espinhas” o seu grupo após bater África do Sul, Itália e Argentina, mas a exibição da número 1 nos oitavos arrebatou todos os holofotes.

Agora, nem foi preciso brilhar tanto. Mais: não tinha feito qualquer defesa e já a Suécia tinha o jogo para lá de controlado depois de uma entrada que deixou o Japão K.O. desde cedo. Com Jun Endo a começar como suplente (entrou ao intervalo sem resultados práticos), as nipónicas foram uma sombra daquilo que fizeram até aqui, nunca conseguiram fugir à vertente mais física do jogo que as escandinavas mais queriam e acabaram por cair quando sonhavam com o regresso aos títulos em grandes competições. Amanda Ilestedt inaugurou o marcador numa insistência após bola parada (32′), numa primeira parte que teve um falhanço incrível de Stina Blackstenius e um remate ao poste de Kosovare Asllani, e Filippa Angeldal aumentou a vantagem no início do segundo tempo de grande penalidade após corte com a mão na área de Nagano (51′).

Tudo parecia resolvido e a Suécia viria mesmo a ganhar mas a história até ao final teria contornos diferentes daqueles que conhecera até aí. Tudo começou numa grande penalidade falhada por Riko Ueki, num disparo à trave (75′), teve prolongamento num livre direto de Aoba Fujino que bateu na trave e depois no poste (87′), continuou com o 2-1 de Honoka Hayashi aproveitando um corte incompleto de Magdalena Eriksson na área (87′) e teve ainda um desvio de cabeça de Ueki nos descontos para uma grande defesa de Zecira Musovic, que só teve de aparecer mais tarde mas a tempo de segurar a equipa quando tremeu para garantir a vitória.

A pérola

  • A Suécia ganhou o encontro ao Japão sobretudo no plano tático, pela forma como desde início bloqueou o jogo com bola das nipónicas e soube explorar a vertente mais física para ganhar superioridade e desde cedo assumir o domínio da partida. No entanto, e a 15 minutos do final, tudo podia ter mudado quando Riko Ueki “ganhou” uma grande penalidade. Zecira Musovic não teria hipóteses se a bola não batesse na trave mas o sorriso com que encarou a situação, que seria extensível ao livre direto de Aoba Fujino que bateu na trave e no poste com um toque na cabeça da guarda-redes pelo meio, pareceu mais uma vez “enfeitiçar” o destino da bola. Não podia fazer nada no lance do 2-1 de Honoka Hayashi mas ainda foi a tempo de travar com uma grande defesa um cabeceamento de Riko Ueki que poderia valer o empate.

O joker

  • É forte, é alta mas tem sobretudo a virtude de aparecer sempre no local certo à hora certa: depois de ter resgatado uma vitória em cima do minuto 90 no encontro inaugural com a África do Sul e de ter bisado na goleada à Itália, Amanda Ilestedt voltou a aproveitar um lance de bola parada para, no meio de muita confusão, “fuzilar” Yamashita para o 1-0 que materializou o ascendente das escandinavas no primeiro tempo. Aos 30 anos, a central que assinou este verão pelo Arsenal após passagens por Bayern e PSG voltou a ser preponderante nas duas áreas e “carimbou” presença no Melhor Onze do Mundial.

A sentença

  • Após eliminar aquela que partia como principal favorita ao título (EUA), a Suécia conseguiu também afastar aquela que tinha sido até ao momento a equipa mais consistente do Mundial e carimbou mais uma presença nas meias-finais da competição. Próximo adversário? A Espanha, sensação da prova que nunca ganhara uma partida a eliminar mas que, após golear a Suíça, venceu os Países Baixos.

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A mentira

  • A Suécia teve muito mérito na forma como entrou no jogo e conseguiu dominar ao longo de 70 minutos mas quem foi acompanhando este Campeonato do Mundo ficou com a ideia de que a verdadeira versão do Japão é aquela que apareceu nos derradeiros 20 minutos (mais descontos): uma equipa intensa, a jogar rápido em toque curto, a não dar margem de saída ao adversário. No final, não chegou. Mas aquelas lágrimas que começaram a cair no banco das nipónicas após o golo de Honoka Hayashi mereciam um outro destino num Mundial que parecia feito para a equipa de Futoshi Ikeda…