Continuam a somar-se os processos criminais contra Donald Trump. Já a braços com processos por fraude em Nova Iorque e, a nível federal, por recusar entregar documentos confidenciais e pelo seu papel no ataque ao Capitólio, a 6 de janeiro de 2021, o ex-Presidente e atual favorito à nomeação do Partido Republicano para 2024 estará prestes a conhecer novas acusações — desta vez na Georgia –, que o deverão implicar, ainda este semana, numa alegada tentativa de interferir com o processo eleitoral nas Presidenciais de 2020.

Fontes ligadas ao processo confirmaram à CBS News que a procuradora distrital de Fulton County, onde corre a investigação estatal, deverá acusar Trump ao abrigo de uma lei normalmente utilizada para o crime organizado — a Lei para Organizações Corruptas e Influenciadas por Extorsão, mais conhecida por lei RICO.

A investigação procura, essencialmente, tentar perceber se existe uma ligação entre vários atos da campanha eleitoral de Trump na Georgia para pressionar, interferir ou subverter os resultados das eleições de 2020 naquele estado (onde Joe Biden derrotou o republicano por 0,2 pontos percentuais). “O estatuto RICO não visa somente um único crime, antes tenta olhar para o quadro geral”, explicou à CBS Morgan Cloud, professor universitário de direito.

Ex-advogado de Trump, Rudy Giuliani, e ex-chefe de gabinete da Casa Branca, Mark Meadows, podem também ser acusados

De acordo com o The Guardian, a procuradora distrital Fani Willis deverá submeter ainda esta semana os resultados de mais de dois anos de investigação a um grande júri estatal, juntamente com uma recomendação para acusar formalmente Trump e vários associados de tentarem subverter os resultados eleitorais.

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Uma eventual acusação em Fulton County seria mais uma batalha para Trump, que tem baseado em larga medida a sua campanha para a reeleição nos vários casos judiciais que enfrenta (que insiste fazerem parte de uma cabala política). No entanto, os contornos do processo são diferentes de outros que o magnata de 77 anos vem enfrentando. Se nos outros casos, Trump poderá decretar um perdão a si próprio caso seja reeleito, na nova investigação tudo muda de figura: esse poder diz apenas respeito a acusações federais, e não a processos estatais, como o da Georgia.

Em todo o caso, a equipa de advogados de Trump já deu indicações de que vai lutar em tribunal na eventualidade de uma acusação. “Acreditamos a 100% que o nosso cliente não fez nada de errado. (…) Vamos sem dúvida lutar com unhas e dentes”, garantiu a advogada de defesa Jennifer Little, numa entrevista em fevereiro. Já o advogado de Rudy Giuliani, advogado de Trump à época e um dos visados pela investigação, disse “não fazer ideia” dos contornos da investigação.

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O que é a lei RICO, que pode levar Trump e “conspiradores” a tribunal

Em termos simples, um caso RICO acontece quando os procuradores acreditam que uma pessoa, ou um grupo de pessoas, cometeu “pelo menos duas atividades criminosas”, num espaço de tempo inferior a 10 anos, com o intuito de contribuir para um objetivo específico ao abrigo de uma determinada organização criminal.

Ao abrigo da lei federal dos EUA, os processos RICO visam sobretudo o mundo da máfia e do crime organizado, e servem para levar a tribunal casos de conspiração criminal com fins extorsionários ou de enriquecimento ilícito; no entanto, a versão desta lei aplicada na Georgia é mais vasta, podendo abranger desde crimes violentos até acusações por declarações falsas ou obstrução à justiça.

É neste último parâmetro que a investigação contra Trump se insere. Para a procuradora distrital Fani Willis, os alegados crimes cometidos pela campanha de Trump podem ser acusados ao abrigo do RICO uma vez que podem ser descritos como “atividade criminosa organizada para um determinado fim ilícito”.

Algumas ações-chave podem ajudar a acusação a estabelecer um princípio de esquema organizado. Entre elas estão três chamadas feitas por Donald Trump ao supervisor eleitoral da Georgia, o também republicano Brad Raffensperger, a incentivar a fraude eleitoral — incluindo uma chamada de 2 de janeiro de 2021 que foi tornada pública, na qual se pode ouvir Trump a dizer a Raffensperger que queria “encontrar 11,780 votos” (o número de boletins necessários para derrotar Joe Biden no estado).

Trump negou ter cometido qualquer delito no decurso da chamada, mesmo depois desta ter sido tornada pública, descrevendo a conversa com Raffensperger como “um telefonema absolutamente perfeito”.

Outro incidente diz respeito a uma visita surpresa do chefe de gabinete da Casa Branca, Mark Meadows, à Georgia para “supervisionar” a contagem de votos enviados à distância no condado de Cobb (Meadows viria a ser impedido de entrar na sala onde o ato decorria já este não era aberto ao público). Em qualquer um dos casos, a chave do processo está em interligar vários potenciais delitos num só “bolo”. “Não pode ser só um incidente isolado, mas sim uma série de ações interrelacionadas”, frisou Cloud.

Devido à natureza da lei RICO, esta envolve normalmente uma série de pessoas que são julgadas ao abrigo de uma só conspiração. Quer isto dizer que, além de Trump, é bastante provável que outros arguidos sejam levados a tribunal. Estes poderão ir desde Mark Meadows a Rudy Giuliani, bem como a apoiantes de Trump que submeteram contagens ilegítimas dos votos estatais ao colégio eleitoral da Georgia.

No entanto, mesmo que seja possível estabelecer a existência de um eventual esquema criminal, tal não é garantia de uma condenação. “Estamos a navegar em águas profundamente desconhecidas”, sublinhou o professor de direito da Universidade Estatal da Georgia, Anthony Michael Kreis. “Aplicar a lei RICO no contexto da lei eleitoral é bastante inovador. É algo que nunca vimos na Georgia e que nunca aconteceu em qualquer lado antes”, afirmou.

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