Foi no final de 2019, ainda antes de o mundo parar devido à pandemia, que Troy Deeney soltou uma frase que o tornou notícia no mundo inteiro. Tinha acabado de ajudar o Watford a vencer o Manchester United, marcando um dos golos do clube que representava desde os 22 anos e onde já usava a braçadeira de capitão, e fez questão de lembrar que o futebol é mesmo a coisa mais importante das menos importantes da vida.

“Estou sempre confiante. Já disse antes que pressão, para mim, é ver a minha mãe ter três empregos para pagar o Natal. Isto é futebol, percebes? Se marcar, muito bem. Se falhar, falhei. Jogamos outra vez na próxima semana, certo? Isto para mim não é pressão, é a vida real”, disse o avançado inglês na zona de entrevistas rápidas, sublinhando uma vida conturbada que incluiu um pai traficante de droga, uma mãe vítima de violência doméstica e uma pena de prisão de três meses por agressão quando já era jogador do Watford.

Viu o pai bater na mãe, esteve preso, foi expulso da escola aos 14 anos: a história de Troy Deeney está para lá de uma frase

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Saído da prisão, porém, concluiu os estudos que tinha deixado pendurados para perseguir o sonho do futebol, voltou ao plantel do clube de quase sempre e tornou-se um autêntico símbolo da equipa e da cidade, tornando-se capitão e somando mais de 400 jogos ao longo de 11 anos. Saiu para o Birmingham em 2021 e há mês de um mês foi anunciado como o novo jogador-treinador adjunto do Forest Green Rovers da League Two, o terceiro escalão inglês — onde está claramente a dar os primeiros passos rumo a um novo sonho.

“Quero ser treinador e quero chegar o mais longe possível. O maior objetivo é ser um treinador internacional, de seleção, de Inglaterra ou do Brasil. Se consigo lá chegar, já é uma história diferente. Mas não posso dizer que o meu teto é a League Two. O objetivo é ser um treinador internacional e quero trabalhar para o atingir”, explicou Troy Deeney, de 35 anos, em entrevista ao The Telegraph.

Habituado à Premier League durante grande parte da carreira, o filho de um casal jamaicano de Birmingham defende que os jogadores de futebol da atualidade acham que têm “direito a tudo”. “Estão habituados a ganhar uma certa quantidade de dinheiro, estão habituados a jogar a um certo nível. Recebem propostas de clubes e acham que são demasiado bons para isso. Mas é ignorância. Ignorância. Têm tanta mania, atualmente. Pensam mesmo que têm direito a tudo. Não temos direito a tudo. Ficamos confortáveis com os luxos da Premier League e do Championship e acham que não podem ir para a League Two. Lembram-se de quando começaram? Era o vosso sonho. Teriam feito tudo para poderem dizer que o futebol era a vossa profissão”, atirou.

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O avançado esteve 11 anos no Watford e foi capitão de equipa durante várias temporadas

No Forest Green Rovers, Troy Deeney é adjunto de David Horseman, que conheceu ainda nos tempos do Watford e que o convidou para integrar o plantel e ter a primeira experiência em equipas técnicas. O avançado está a aprender espanhol, para se integrar melhor num balneário muito diversificado, e tem marcado reuniões com vários treinadores para alargar os horizontes — desde Gareth Southgate a Vincent Kompany, passando por Ange Postecoglou, Enzo Maresca e pelo português Marco Silva. Pelo meio, garante que vai pedir um favor a Jude Bellingham e visitar o Real Madrid, tendo ainda a intenção de passar pelos escritórios da equipa de Fórmula 1 da Mercedes para “ver como eles trabalham”.

Com o futuro bastante bem delineado, Troy Deeney garante que tem noção de que enfrenta um obstáculo adicional: o facto de ser negro, sendo que as principais ligas europeias têm poucos ou nenhuns treinadores negros. “Vamos ser honestos: as estatísticas de treinadores negros não são boas. Mas isso não me assusta. Não olho para isso e penso ‘vou quebrar barreiras e levar toda a gente comigo’. Se lá chegar, vou chegar lá por mérito. Vejo isto como um desafio. Tenho o objetivo de ser o número um. Toda a gente quer ser treinador, no início, mas consegues aguentar a pressão? A comunicação social? Eu já tenho um plano mental para tudo isso”, concluiu.