Quando Fiona Ferro perdeu com Katie Boulter no court 10 do US Open em agosto de 2022, no qualifying do Grand Slam norte-americano do ano passado, já sabia que iria explodir uma bomba nos dias seguintes — e já sabia que iria passar por um dos períodos mais difíceis da vida, da carreira e do percurso. Nos dias seguintes a perder com Katie Boulter, Fiona Ferro acusou o antigo treinador de a ter violado enquanto era adolescente.

Há cerca de um ano, a AFP revelou que a tenista francesa tinha acusado Pierre Bouteyre, o antigo treinador, de a ter violado repetidamente entre 2012 e 2015 — ou seja, quando Fiona Ferro tinha entre 15 e 18 anos. O francês foi o treinador privado da jovem atleta entre 2010 e 2016, ano em que Ferro acabou por terminar a ligação, e estava autorizado pela família da tenista a acompanhá-la em viagens ao estrangeiro para participar em torneios sem a presença de qualquer outro adulto.

De acordo com a notícia inicial da AFP, a queixa de Fiona Ferro culminou numa acusação de violação de menor e outra de agressão sexual de menor com mais de 15 anos por alguém com autoridade em relação à vítima. Pierre Bouteyre foi rápido e a reagir às alegações e defendeu que “reconhecia a relação, mas negava qualquer coerção”. “Foi uma história de amor”, garantiu um representante do treinador de 52 anos.

Confrontada com a defesa de Pierre Bouteyre, Fiona Ferro decidiu falar publicamente sobre o assunto e recorreu às redes sociais para acrescentar alguns pormenores à história. “Tomo nota da posição de Pierre Bouteyre sobre a minha acusação de violação e agressão sexual. Confirmo que não consenti absolutamente nada e que as violações e as agressões sexuais foram cometidas sob constrangimento moral […] Coloco toda a minha confiança no sistema judicial do meu país e confirmo que não irei realizar qualquer outra declaração sobre a investigação judicial. Obrigada a todos aqueles que demonstraram o seu apoio neste passo difícil, mas necessário”, escreveu a tenista de 26 anos, que recebeu rapidamente o respaldo da Federação Francesa de Ténis e da WTA.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Pelo meio, a carreira de Fiona Ferro ficou congelada. A tenista francesa que chegou a entrar no top 40 do ranking decidiu fazer uma pausa nos últimos meses, período em que o processo judicial continuou a decorrer, e caiu para fora das primeiras 450 posições a nível mundial. Regressou à competição em Roland Garros graças a um wildcard e voltou ao US Open nas últimas semanas, perdendo com Victoria Azarenka na primeira ronda — no final da partida, a bielorrussa aproximou-se da rede e disse-lhe ao ouvido que estava feliz por vê-la de volta.

“Algumas jogadoras falaram comigo nos balneários, disseram-me que era muito corajosa e desejaram-me o melhor. A Victoria [Azarenka] disse-me que estava muito feliz por ver que estava de volta e desejou-me sorte para os próximos torneios. Foi muito bom ouvir coisas dessas. Foi muito emocionante”, explicou a francesa, que decidiu não voltar a contratar um treinador privado e tem estado a trabalhar em conjunto com outros jogadores no seio da Federação.

“Não me sentia preparada para começar um novo projeto com um treinador, um para um. Precisava de estar num grupo com outros tenistas, porque foi duro para mim estar sozinha com um único treinador”, indicou Fiona Ferro, acrescentando que a pausa foi necessária. “Precisava muito de parar, porque aconteceram muitas coisas ao mesmo tempo. Com o caso a decorrer, tive de lidar com momentos muito difíceis. Depois comecei a praticar outra vez, na Federação, e decidi que queria voltar a jogar”, concluiu.

Mais à frente, a atleta agradeceu o apoio que tem recebido do organismo que regula o ténis francês e mostrou-se pronta para servir de exemplo. “O meu caso continua a decorrer, não posso falar muito sobre o assunto. Mas a Federação tem ajudado muito, arranjaram-me um treinador e sinto que posso falar com eles e ser compreendida. E esse é um ponto muito importante para mim. Estão mesmo a ouvir-me e acho que estão a tentar tomar atitudes em relação a este tipo de problema, porque claro que isto não me aconteceu só a mim nos últimos anos. Também aconteceu a outras jogadoras. E não só no ténis. É algo que precisa de ser resolvido e a Federação está a trabalhar nisso”, afirmou.

Larry Nassar. A história do monstro que abusou de centenas de atletas durante mais de 20 anos