A Jumbo-Visma vive numa autêntica guerra civil. Com três ciclistas nos primeiros lugares da classificação geral, a Vuelta não podia estar a correr melhor à equipa. Do ponto de vista individual, ainda assim, existem egos feridos. Dá-se o caso do camisola vermelha, Sepp Kuss, fruto das competências que adquiriu no passado como gregário, é o mais altruísta. Já Primoz Roglic e Jonas Vingegaard, vencedores das primeiras duas grandes voltas do ano, não contavam em ter a concorrência estendida a mais um elemento, como se os mestres se sentissem ameaçados pelos truques que ensinaram ao aprendiz.

Roglic e Vingegaard deixaram Kuss para trás, em dificuldades, na subida ao Angliru, ainda que o norte-americano tenha conseguido manter a camisola vermelha. Se a luta interna endurece a cada etapa que passa, o que os ciclistas exteriorizam não transparece qualquer animosidade. “Para ser sincero, espero que o Kuss mantenha o vermelho. Adoraria vê-lo vencer esta Vuelta”, disse Vingegaard. “Numa subida tão inclinada cada um vai o mais rápido possível e depois vê-se”, comentou Roglic. “Somos todos concorrentes e às vezes é difícil ver o aspeto humano mas, sim, tento ser amigável com todos, dar o meu melhor pelas pessoas. A equipa deu-me apoio e quer muito apoiar-me. Também tenho de me entregar e manter o foco nas etapas e dar o meu melhor”, completou Kuss.

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João Almeida, o português que chegava à Vuelta como um dos líderes da UAE Team Emirates, fez um rescaldo positivo após concluir o Angliru. “As minhas sensações foram boas. Estava-me a senti bem. Não ‘super’, mas bem. Tentei ajudar o Ayuso, mas com estas inclinações não podia ajudar muito”, adiantou o português que subiu a nono na geral após o deslize do colega de equipa, Marc Soler. “No final, não foi um mau dia”.

Na penúltima etapa de montanha da Vuelta, existiam mais cartas para serem jogadas ao longo das cinco subidas do dia, em especial na de primeira categoria onde estava situada a meta que punha fim ao percurso entre Pola de Allande e La Cruz de Linares. Fora da luta pela camisola vermelha, Remco Evenepoel voltou a entrar na fuga. Desta vez, ao contrário do que aconteceu na véspera, não contou com a companhia de nenhum colega de equipa da Soudal Quick-Step, mas levou consigo mais 13 nomes, entre eles Egan Bernal (INEOS Grenadiers) e Damiano Caruso (Bahrain Victorious).

De qualquer modo, a presença no grupo da frente permitiu-lhe assegurar o objetivo que trazia para a 18.ª corrida, ou seja, garantir a camisola dos trepadores. No topo do Puerto de San Lorenzo, o belga tornou-se mesmo no rei da montanha uma vez que não há mais pontos disponíveis para Jonas Vingegaard e Michael Storer (Groupama-FDJ), os mais bem colocados na classificação, poderem ocupar o primeiro lugar. Evenepoel precisa agora apenas de chegar a Madrid para garantir o primeiro lugar. Afastado da luta pela geral devido a uma quebra no Tourmalet, não deixa de ser curioso que o campeão do mundo de contrarrelógio esteja em condições de vencer na categoria que coroa o melhor naquilo que quase o fez desistir.

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Remco Evenepoel ditava o ritmo na frente, reduzindo o grupo a seis elementos na altura em que faltavam 50 quilómetros para o fim da etapa. Por essa altura, o certo era que o vencedor da etapa ia sair dali uma vez que a distância para o pelotão era já de mais de dez minutos. Não deixava de ser significativo que a Jumbo-Visma liderava o pelotão e não conseguia, nem tirar tempo à frente, nem diminuir o grupo principal, o que deixava antever que, eventualmente, os gregários da equipa pudessem não estar ao melhor nível para protegerem os líderes na dupla passagem pela subida do Puerto de la Cruz de Linares.

Os últimos elementos a permanecerem com Evenepoel foram Damiano Caruso e Max Poole (DSM-Firmenich). Percebendo a fragilidade da concorrência, Evenepoel atacou e ficou definitivamente sozinho. Max Poole ainda tentou seguir-lhe a roda, mas o belga iniciou a subida final a 2.20 do perseguidor e acabou por conseguir a vitória, a terceira nesta edição da Vuelta.

No pelotão, a Bahrain Victorious começou a posicionar-se para dar a Mikel Landa, um dos ciclista que melhores indicações deu no Angliru, a possibilidade de pôr em causa o terceiro lugar de Juan Ayuso. No entanto, foi o ataque de Aleksandr Vlasov (BORA-hansgrohe), que procurava encurtar distâncias para o topo da geral, que deu nas vistas. A movimentação do russo foi anulada pelo grupo do camisola vermelha e dos favoritos de onde João Almeida tinha descolado.

Finalmente, a Jumbo-Visma funcionou como uma equipa. Jonas Vingegaard ajudou Sepp Kuss a sobreviver à última subida. Mesmo que, por instantes, Landa e Ayuso se tenham destacado, o trabalho conjunto fez com que os principais corredores da equipa neerlandesa tenham chegado em conjunto. A sensação é que a Jumbo-Visma já resolveu o dilema: é preciso algo estranho acontecer para que Kuss não seja o vencedor da Vuelta. Num dia em que não houve mexidas no top 10 da geral, João Almeida manteve o nono lugar (+10.20).