Rui Moreira tinha garantido que ia agir por “decisão própria” e remover a estátua de Camilo Castelo Branco, do Largo Amor de Perdição, no Porto, apesar de uma petição, com mais de seis mil assinaturas, pedir o contrário. No entanto, o presidente da câmara do Porto dá agora um passo atrás.

“Ao contrário da informação que estava na posse do presidente da câmara do Porto, a doação previa também a colocação da estrutura no Largo Amor de Perdição, doação essa que tinha sido aprovada pelo executivo municipal em 2012”, explica a declaração enviada ao jornal Público à agência Lusa, ao qual o Observador também teve acesso.

A nota revela ainda que, “neste contexto, não pode o presidente da câmara anuir, sem mais, ao que foi solicitado pelo abaixo-assinado, que é do conhecimento do público”.

“Naturalmente, isso não impede que, futuramente, e em qualquer momento, o assunto possa a vir ser suscitado no mesmo órgão municipal”, remata.

De acordo com a ata da reunião do executivo municipal de 23 de outubro de 2012, “a aceitação da doação da estátua foi aprovada por unanimidade”, avança o Público.

Este é um passo atrás na decisão de Rui Moreira, mas pode ser apenas um adiamento da concretização do seu desejo de remover a estátua. Aliás, esta sexta-feira, o autarca confirmou que ia agir pela sua própria cabeça, tendo usado os termos “feia” e “de mau gosto” para se referir à obra de Francisco Simões.

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É uma decisão minha. Há coisas em que tenho de ouvir os órgãos, há coisas em que tenho de ouvir a população, há coisas em que tenho de decidir quando sei que há posições extremadas dos dois lados. Aqui há quem queira e quem não queira [retirar a estátua do largo], as pessoas que se dirigiram a mim sobre esta matéria são pessoas por quem temos de reconhecer que têm o mérito de se atravessarem por isso”, afirmou o autarca à Lusa.

O presidente tomou tal decisão após receber nas mãos um abaixo-assinado, com 37 signatários, dos quais o ex-líder do CDS e conselheiro de Estado, António Lobo Xavier, o antigo deputado comunista Honório Novo e o jurista e ex-banqueiro Artur Santos Silva, que pedia “o favor higiénico” de remover a estátua.

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Em causa, estava a representação da mulher na estátua, que aparece nua a abraçar a figura do escritor português. Muitas pessoas consideraram tratar-se de Ana Plácido, o grande amor da vida de Camilo Castelo Branco. Inclusivamente, Ilda Figueiredo, vereadora da câmara pela CDU.

A ex-deputada do Parlamento Europeu foi uma das signatárias, que julgou a “maneira como o homem e a mulher são tratados”: “Ana Plácido era uma mulher extraordinária que ali é menorizada. Querem pô-la nua, muito bem, não me oponho, desde que Camilo também esteja nu. Ou os dois nus, ou os dois vestidos”, enunciou ao Público.

Já quando Francisco Simões esclareceu que a mulher da estátua “não é, nunca quis ser, Ana Plácido”, representando “as mulheres retratadas no romance Amor de Perdição“, Ilda Figueiredo mudou de opinião. Além de dizer que “já não faz sentido esta polémica” — “nem sequer aquilo que assinei” — meteu o seu nome noutra petição criada entretanto.

“Pela não remoção de Estátua de Camilo, no Porto” é um abaixo-assinado público que já conta com mais de seis mil assinaturas, até à data da publicação da notícia. O texto condena o facto de “só agora, ao fim de 11 anos, se tratar de uma humilhação da mulher desnuda em favor de um homem vestido”. “Não pareceu na altura, não parece hoje”, garantiu.

Desta forma, pediu que fosse “mantida no local a referida estátua” e que não houvesse “vontades de começar a remover ou esconder outras, dado que são factos com passado e com história”.

Quem é da mesma opinião é a tetraneta de Camilo, Ângela Castelo Branco, que disse à Rádio Observador que, “como descendente”, sentia que “isto era aberrante”:“Isto não é o Camilo. Isto é meia dúzia de senhores que se devem achar donos do Porto ou de Portugal que assinaram uma petição que não faz sentido nenhum e que dá abertura à possibilidade de destruir o património”, afirmou no programa Contra-Corrente.

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Rui Moreira reagiu à petição, dizendo que não pretendia “demolir ou derreter a estátua”: “Ela sairá dali e amanhã pode vir outro presidente que queira por lá a estátua outra vez”, disse, antes de voltar atrás na decisão.