Não há que enganar: na reentré política não são apenas os protagonistas habituais que voltam aos palcos mediáticos. O cinema e a televisão mundiais apostam tudo neste regresso pós-veraneio, sempre de olhos postos nos grandes eventos da temporada que se segue, como os Emmys ou os Óscares. Agora que a greve de guionistas e atores nos Estados Unidos da América terminou, sente-se um clima de regresso à normalidade. O prazer de ver séries e filmes de milhões de dólares pode voltar ao seu registo habitual, ainda que, como se tem visto em festivais como Veneza ou Cannes, as estrelas de Hollywood e as suas produções continuam por aí a dar cartas.

Mas o Beast International Film Festival não quer ter nada a ver com isto. Em Portugal, são festivais como o DocLisboa, o QueerLisboa ou o Motelx que pintam um pouco o panorama cinematográfico desta altura, mas há outro cinema para ver. Um que vem sob o lema “no happy ever after” (nada de “felizes para sempre”) que manda o glamour e os contos de fadas para o lixo e prefere acreditar nos destinos do mundo através dos países da Europa Central e de Leste. Acontece no Porto a partir desta quarta-feira e continua até domingo, 1 de outubro.

[Trailer oficial do Beast International Film Festival:]

Há documentários, longas-metragens, filmes experimentais, de escola, de jovens para jovens, adultos e velhos (na secção “New Wave”, por exemplo) e curtas-metragens, bem como uma novidade que parece ter vindo para ficar: oito obras de animação de países como a Polónia, a Hungria ou a Croácia. No fundo, “uma curadoria indissociável de um olhar que se pretende atento para com diferentes — e urgentes — questões sócio-políticas da região”, tal como defende Teresa Vieira, jornalista da Antena 3 e diretora artística do Beast IFF, ao Observador. Tudo acontece no Porto, em diferentes locais como o Cinema Trindade, a Casa das Artes ou a sede do próprio festival, a OKNa.

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A abrir e em feminino — como é, de resto, feito grande parte do festival, com 60% de filmes realizados por mulheres, decisão da programação que ainda foge à regra de outras lides — chegam-nos três curtas-metragens  de Urska Djukic, Spela Cadez e Kukla, sobre o passado e o presente das mulheres. A cozinha também pode servir para desfiar conversas sobre o sistema patriarcal e o cinema pode ser um lugar inclusivo, onde se abraçam mulheres cis e trans, porque não? Contrariando aquilo que foi uma regra das últimas cinco edições, de estrear na abertura uma longa-metragem do país em foco, o festival nortenho dá agora palco a três registos diferentes. A sessão decorre esta quarta-feira no Cinema Batalha pelas 21h15

Qualquer um destes filmes tem um grande pé na Eslovénia e é precisamente para esse país que prosseguimos já que é um dos grandes focos desta edição do Beast na secção Focus Country. E é neste contexto que surge também a retrospetiva de Karpo Godina, em colaboração com o Kinoteka. Realizador que criou a radical “Onda Negra” dos anos 60 que mergulhou contra “todas as formas de repressão”, mantendo-se à nota depois da dissolução da Jugoslávia na guerra civil. Os seus filmes, no formato de curta-metragem que chega agora ao Porto, navegam entre a ficção e e não ficção, sempre com um toque de anarquia e poesia. Estará presente no festival.

Nesse sentido, e ainda em campo esloveno, há que referir a proposta do Beast IFF para o dia 28 de setembro, muito em linha com experiências de orçamentos maiores que juntam cinema e orquestra: um cine-concerto, em colaboração com o artista sonoro português, Ivo São Bento, onde se exibirá a longa-metragem e Janko Ravnik, No Reino do Chifre de Ouro, de 1931. filme silencioso sobre Goldhorn, personagem do foclore esloveno.

O fim de semana costuma ser sinal de descanso mas, este ano, o Beast IFF quer resistir à tentação de deixar as pessoas no sofá. E logo com filmes de quem têm andado na resistência à Rússia de Vladimir Putin. Na secção “How to Care for Cosmos”, veremos uma coleção de filmes com curadoria de dois festivais, o SUNNY BUNNY, primeiro festival de cinema LGBTQIA+ucraniano e o FFi Slovak Queer Film Festival, que celebra a sua 16ª edição em 2023. Bohdan Zhuk, da SUNNY BUNNY, estará presente numa conversa no próximo dia 1 de outubro: “Let’s talk Queer Culture in Central and Eastern Europe”. Há ainda outro programa feito em parceria com o Post Pxrn Film Festival Warsaw (Polónia), festival que “nasceu numa atmosfera de protestos sociais e políticos contra a crescente interferência nos nossos direitos básicos, a falta de educação sexual e a falta de uma linguagem para narrar a sexualidade”. Oito curtas-metragens no Cinema Passos Manuel.

Ester Krumbachová foi argumentista, designer de produção, autora e realizadora, figurinista e imprimiu o seu nome nos idos de 1960. É por isso nome maior da nova vaga checa e que tem de ser referido. Dez anos depois, Krumbachová faria parte de uma lista negra que a atiraria para um lugar de quase esquecimento na Checoslováquia. Volta agora a ser relembrada no Beast IFF, tendo como ponto de partida o filme The Murder of Mr.Devil, considerado o primeiro filme feminista checoslovaco. Passará na próxima quinta-feira, no Cinema Trindade, pelas 19h00. Dois dias depois, passa, no Cinema Trindade, um filme de Vera Chytilová que vai À procura de Ester, à mesma hora.