É mais um sinal da subida da tensão entre a Sérvia e o Kosovo. Depois de, há seis dias, os dois países terem trocado acusações sobre um tiroteio que provocou quatro mortos no norte do Kosovo, a Sérvia estará a fazer uma mobilização “sem precedentes”, segundo os Estados Unidos, ao longo da fronteira com o país vizinho, que, em 2008, declarou a independência. O Kosovo acusa o presidente sérvio de “querer guerra”.

Segundo o Guardian, Washington já pediu à Sérvia a retirada imediata das tropas da zona fronteiriça. “Estamos a monitorizar uma grande mobilização militar sérvia ao longo da fronteira com o Kosovo que inclui uma encenação sem precedentes de artilharia sérvia avançada, tanques e unidades de infantaria mecanizadas”, disse o porta-voz do conselho de segurança nacional dos EUA, John Kirby, esta sexta-feira.

“O conflito é inevitável”, diz diretora das ONG do Kosovo

“Os desenvolvimentos da última semana são muito desestabilizadores, e estamos a pedir à Sérvia que retire as forças da fronteira e reduza as tensões”, referiu o responsável. A Casa Branca tem-se desdobrado em contactos para evitar a escalada de tensão na região. Enquanto conselheiro de segurança nacional, Jake Sullivan, ligou para o primeiro-ministro do Kosovo, Albin Kurti, o secretário de Estado, Antony Blinken, telefonou ao presidente sérvio, Aleksandar Vučić. A conversa entre os dois terá sido longa e difícil, disse Vučić, que garantiu a Blinken que a presença militar sérvia na região fronteiriça é menor do que antes.

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O Reino Unido decidiu reforçar a presença militar na região, ao enviar tropas para se juntarem ao contingente da NATO, que está presente no Kosovo desde 1999. Já os EUA intensificaram as consultas com os aliados para garantir que a força de manutenção de paz da NATO está pronta para a “ameaça”.

Já este sábado, o secretário-geral da NATO anunciou o reforço do contingente no país e apelou às duas partes que reduzem a tensão. “Continuamos a exortar Belgrado e Pristina a envolverem-se no diálogo mediado pela UE como a única maneira de resolver questões pendentes e alcançar soluções que respeitem os direitos de todas as comunidades”, disse Jens Stoltenberg.

Os avisos dos EUA “parecem semelhante aos avisos que vimos antes das tropas russas entrarem na Ucrânia”, disse, ao Guardian, Donika Emini, diretora executiva da aliança de ONG do Kosovo, CiviKos Platform, o que indica que “o conflito é inevitável”.

Presidente sérvio “ama a guerra e quer a guerra”, acusa o Kosovo

O primeiro-ministro do Kosovo acusa a Sérvia de incitar à violência e o presidente Aleksandar Vučić de “querer guerra”. Em entrevista à Al Jazeera, Kurti acusou Vučić de planear e ordenar um ataque no norte do Kosovo “para desestabilizar” o país, com o objetivo de iniciar uma guerra. “Eles vieram para atacar… [Vučić] ama a guerra, ele deseja a guerra e quer a guerra”, acusou o primeiro-ministro kosovar.

Recorde-se que, no último domingo, cerca de 30 sérvios fortemente armados invadiram a aldeia de Banjska (no norte do Kosovo e junto à fronteira entre os dois países) e envolveram-se num tiroteio contra a polícia do Kosovo. Os homens acabaram por se barricar num mosteiro ortodoxo sérvio, onde a polícia descobriu depois várias armas e munições. No final, dos confrontos resultaram quatro mortos: um polícia kosovar e três sérvios.

Três membros de grupo armado morrem em confrontos com a polícia no Kosovo

O primeiro-ministro do Kosovo acusa a Sérvia de apoiar o grupo armado paralimitar que invadiu o país e de lhes fornecer mais de cinco milhões de euros em armamento (entre granadas, mísseis antitanque, drones, armas e minas) que, garante, é fabricado em território sérvio. Kurti acusa Belgrado de ter planeado a incursão para fazer escalar a tensão e provocar uma reação musculada do Kosovo.

“Eles queriam que a nossa polícia entrasse no mosteiro de Banjska para que pudessem partilhar fotos [mostrando] balas nas paredes do mosteiro. Isso não aconteceu porque a nossa polícia é muito forte e muito profissional e [os atacantes] escaparam”, explicou o primeiro-ministro kosovar. “Estavam preparados para ameaçar a soberania do Kosovo”, garantiu o ministro do interior, Xhelal Sveçla.

Kosovo. Primeiro-ministro foi atacado no Parlamento e o caos instalou-se

Kurti adianta que Milan Radoicic, um dos principais políticos sérvios do Kosovo, “recebeu equipamentos militares e preparação de Belgrado, e também ordens políticas do presidente Vučić”. Entretanto, Radoicic, que era vice-presidente do partido “Lista Sérvia”, renunciou ao cargo esta sexta-feira e admitiu ter planeado o ataque, referindo-se à incursão como uma operação de “defesa” contra as autoridades do Kosovo. No entanto, descartou que Belgrado tenha tido conhecimento da ação ou a tenha apoiado.

No entanto, Dan Ilazi, investigador do Centro de Estudos de Segurança do Kosovo, disse à Al Jazeera que as autoridades alemãs e americanas reconheceram que o equipamento envolvido seria difícil de adquirir sem o apoio da Sérvia. “As evidências apresentadas até agora parecem mostrar claramente a participação das instituições de segurança sérvias”, sublinhou o especialista.

A Sérvia declarou um dia de luto pelos três sérvios mortos no norte do Kosovo, com o presidente Aleksandar Vučić a acusar o país vizinho de conduzir uma campanha de “limpeza étnica brutal” contra os sérvios que vivem na zona norte do Kosovo. A recusa de Kurti em formar uma Associação de Municípios Sérvios, como parte do acordo de 2013 entre Belgrado e Pristina que atribuiria mais autonomia aos sérvios do Kosovo, foi o que alimentou as tensões que levaram à violência em Banjska, segundo o presidente sérvio.

Tensão mantém-se no norte do Kosovo depois de confrontos na segunda-feira

A tensão entre os dois países está a aumentar desde abril, quando a maioria sérvia do norte do Kosovo (mais de 90% da população kosovar é albanesa, mas, na zona norte, a maioria são sérvios) decidiu boicotar as eleições locais, que tiveram uma taxa de participação muito baixa (menos de 5%). Nessas eleições foram eleitos autarcas albaneses, cuja tomada de posse os sérvios tentaram evitar nas ruas. As manifestações escalaram para um cenário de violência, obrigando à intervenção das forças da NATO ainda presentes no Kosovo.