Milhares de sérvios do Kosovo protestaram esta segunda-feira na cidade dividida de Mitrovica (norte) contra a proibição da moeda sérvia nas regiões onde habitam, que consideram uma medida discriminatória e uma ameaça à sua existência.

A mais recente crise nas relações entre Belgrado e Pristina e a consequente escalada das tensões foi motivada pela decisão do governo do Kosovo, antiga província da Sérvia, de proibir os bancos e outras instituições financeiras nas regiões habitadas pelos sérvios de utilizar o dinar nas transações locais a partir de 1 de fevereiro, e impor o euro.

Os manifestantes exibiram bandeiras a Sérvia e cartazes com a frase “Isto é ocupação” ou “Europa, abre os olhos”, e solicitaram a intervenção da ONU e ainda dos Estados Unidos.

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A comunidade sérvia local considera que a proibição do uso do dinar sérvio afeta gravemente esta comunidade, muito dependente dos salários, pensões e subsídios provenientes da Sérvia.

Os milhares de manifestantes asseguram que, desde a eleição do nacionalista albanês kosovar Albin Kurti para primeiro-ministro em 2021, foi imposta uma política repressiva e discriminatória que viola os seus direitos, com o objetivo final de pressionar esta comunidade a abandonar o Kosovo.

Em Pristina, Albin Kurti rejeitou as críticas e numa mensagem insistiu que a nova medida se destina a travar o fluxo de “dinheiro ilegal” e que não impede da Sérvia de prosseguir com a ajuda financeira à comunidade sérvia.

“O Kosovo não proibiu o dinar, ou o dólar, ou o franco suíço”, disse Kurti. “A única alteração desde 1 de fevereiro é que o dinheiro não pode atravessar a fronteira em sacos… mas deve ser distribuído através de contas bancárias e levantado em euros”.

A União Europeia (UE) e os Estados Unidos já pediram ao governo do Kosovo que suspenda a decisão e procure uma solução negociada no âmbito do diálogo promovido por Bruxelas para um acordo global na volátil região.

Em 2002, quando o euro se tornou moeda oficial na Alemanha e em diversos países da UE, o Kosovo tornou-o na sua “moeda nacional”, mas sem qualquer acordo formal com a união económica e monetária europeia, que permanece sem ser concretizado.

O dinar sérvio, moeda oficial da Sérvia, é tolerado nas zonas maioritariamente sérvias do Kosovo, onde predomina a religião cristã ortodoxa. A sua proibição arrisca-se a reavivar as tensões nas localidades onde muitos trabalham ou trabalharam para instituições sérvias com salários ou reformas pagos em dinares.

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O Kosovo, uma província autónoma do sul da Sérvia, autoproclamou a independência em 2008, nunca reconhecida por Belgrado.

As tensões entre a Sérvia e o Kosovo permanecem muito elevadas 14 anos depois do final da guerra, após uma intervenção militar da NATO contra Belgrado em 1999, suscitando receios sobre o reacender do conflito e a abertura de uma nova frente de desestabilização na Europa enquanto prossegue a guerra na Ucrânia.

A normalização das relações entre a Sérvia e o Kosovo, mediadas pela UE, permanece num impasse, em particular após os confrontos em setembro passado entre uma milícia sérvia e a polícia kosovar que provocou quatro mortos e agravou as tensões na região.

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Na sequência deste incidente, a Kfor, a força multinacional da NATO no Kosovo e presente no território desde 1999, reforçou a sua presença no terreno e possui atualmente cerca de 4.800 efetivos.

A UE e os Estados Unidos têm pressionado Belgrado e Pristina para a aplicação dos acordos que o Presidente sérvio, Aleksandar Vucic, e Kurti terão aceitado em março passado.

A permanência das tensões arrisca a comprometer as ambições sobre uma futura adesão à UE.

O Kosovo independente — que a Sérvia considera o berço da sua nacionalidade e religião — foi reconhecido por cerca de 100 países, incluindo os Estados Unidos, que mantêm forte influência sobre a liderança kosovar, e a maioria dos Estados-membros da UE, à exceção da Espanha, Roménia, Grécia, Eslováquia e Chipre.

A Sérvia continua a considerar o Kosovo como parte integrante do seu território e Belgrado beneficia do apoio da Rússia e da China, que à semelhança de dezenas de outros países (incluindo Índia, Brasil, África do Sul ou Indonésia) também não reconheceram a independência do Kosovo.