São duas pedras no sapato dos professores. Na segunda-feira, o ministro da Educação não se reuniu com os sindicatos dos professores para dar início à discussão sobre a formação de docentes. Enviou o seu secretário de Estado. Horas mais tarde, o primeiro-ministro considerou ser “insustentável para o país” recuperar a totalidade do tempo de serviço dos professores que esteve congelado — a principal, mas não única, reivindicação da classe.

Esta terça-feira, os professores concentraram-se perto da residência oficial de António Costa, em Lisboa, e os dois assuntos do dia anterior foram alvo de críticas. Na opinião de Mário Nogueira, líder da Fenprof, “os Costas, o António e o João” deram motivos acrescidos aos professores “para continuar a luta”.

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Sobre a entrevista do primeiro-ministro, Mário Nogueira disse mesmo que as declarações do chefe de Governo revelam que tem um “ódio de estimação pelos professores”. De resto, apesar do pedido de audiência feito pelas nove plataformas de sindicatos que organizaram o protesto, António Costa não estava disponível para receber a delegação liderada por Nogueira. O objetivo era entregar-lhe a moção aprovada minutos antes, onde os professores pedem soluções para a Educação.

O argumento usado — “falta de agenda” — não é um problema para os professores, garantiu Mário Nogueira. Os docentes estão disponíveis para reunir-se com António Costa, em qualquer dia, a qualquer hora, “de segunda-feira a domingo, das 00h00 às 24h00”. Quando forem chamados pelo primeiro-ministro, estarão presentes.

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Durante a entrevista à TVI/CNN, António Costa, confrontado com a proposta do PSD que admite a contagem integral do tempo de carreira dos professores ao longo de três anos, enterrou a questão. “É insustentável para o país. Não posso recuperar tempo da carreira se não recuperar para todas as outras.”

No entanto, as palavras do chefe de Governo não serão travão aos protestos dos profissionais de Educação. “Os professores não desistem, se não já tínhamos desistido em 2019. O tempo de serviço pode ser recuperado para toda a gente, pode ser recuperado para os professores da Madeira e dos Açores, só para esta malandragem dos professores do continente é que não”, afirmou Mário Nogueira, falando com o Observador, à margem da concentração.

O secretário-geral da Fenprof voltou a insistir que a carreira dos docentes não é igual a outras da Função Pública — não tem, por exemplo, pontos — argumentando que não se pode comparar o que aconteceu com a generalidade dos funcionários públicos com a situação dos professores. “Se há um tratamento que não é justo é dos professores”, concluiu.

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“Nestes anos todos que tem de primeiro-ministro, só uma vez António Costa disse que se demitiria e seria se se contasse o tempo todo dos professores”, recordou Mário Nogueira. De resto, frisou que esse é apenas um dos problemas que é preciso resolver na Educação — a moção aprovada esta terça-feira divide-se em 10 pontos — e para nenhum deles está a ser dada resposta na opinião dos sindicatos.

“A falta de professores, a precariedade, os professores mais velhos obrigados a fazer horas extraordinárias, baixar o nível de formação, atrair diplomados que não são professores… Todos os problemas que já conhecemos estão sem solução”, frisou o professor.

Questionado sobre as consequências que os problemas atuais podem ter na qualidade de ensino, Nogueira acredita que se ela ainda não sofreu foi porque os professores estão a fazer tudo o que podem para evitá-lo. “Se os problemas não forem atalhados, e não estão a ser, no curto prazo, não no médio, vão fazer baixar a qualidade do ensino.”

Manifestantes participam no protesto organizado em convergência entre nove organizações sindicais de docentes: Aspl, Fenprof, Fne, Pró-Ordem, Sepleu, Sinape, Sindep, Sipe e Spliu, no âmbito da concentração realiza-se um plenário com intervenção das organizações promotoras sendo, no final, colocada à votação uma moção a entregar ao primeiro-ministro, junto à residência oficial do Primeiro-Ministro, em Lisboa, 03 de outubro de 2023. ANDRÉ KOSTERS/LUSA

O protesto foi organizado por nove organizações sindicais de professores: ASPL, Fenprof, FNE, Pró-Ordem, SEPLEU, SINAPE, SINDEP, SIPE e SPLIU

Mais um ano letivo de greves e protestos?

Durante a sua intervenção no plenário, Mário Nogueira — o último a discursar, depois de todos os dirigentes sindicais das nove plataformas terem falado — mostrou-se indignado com os acontecimentos da véspera. Além da entrevista de António Costa, criticou a ausência do ministro da Educação nas reuniões com os sindicatos, com João Costa a fazer-se representar pelo secretário de Estado da Educação.

“Enquanto isso, o ministro estava noutra sala, noutro piso, a explicar aos jornalistas aquilo que devia estar a discutir com os representantes do setor”, afirmou Mário Nogueira.

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Sobre o ano letivo, que vai agora na sua quarta semana, prevê-se que seja, tal como no ano anterior, marcada por forte contestação nas escolas. Questionado pelo Observador, Mário Nogueira rejeita a ideia de que isso vá, de alguma forma, prejudicar os alunos. Na sua opinião, o que mais preocupa os encarregados de educação é a falta de professores que também já chegou ao privado. 

“O ano passado fizemos cinco dias de greve marcados por esta plataforma de nove organizações. Houve quem marcasse muitos dias de greve, mas ninguém os fez. A luta dos professores não prejudica as aprendizagens alunos, o que prejudica são as políticas do António Costa e do João Costa e, sobretudo, a falta de professores”, defendeu Mário Nogueira recordando que, nesta altura do ano letivo, ainda há cerca de 60 mil alunos a quem falta um professor.