Sim, há atletas multimedalhados que nascem de uma bicicleta sem travões. Rebeca Andrade, na altura com quatro anos, acompanhava a tia nas limpezas de um pavilhão de ginástica em São Paulo. As treinadoras do clube começaram a arrastá-la para a modalidade. Acontece que a família de onde a jovem provinha era numerosa e atravessava dificuldades financeiras. A mãe de Rebeca caminhava um total de quatro horas por dia para ir e vir do trabalho. Não lhe sobrava tempo para levar a filha à ginástica e foi por isso que o irmão mais velho construiu uma bicicleta com peças de um ferro velho para levar a irmã aos treinos.

A partir daí, o talento na ginástica levou-a para outras paragens até que, nos Jogos Olímpicos de Tóquio, se tornou na primeira medalhada olímpica feminina da ginástica artística brasileira, tendo conseguido a prata no all around individual e o ouro no salto. Também em Campeonatos do Mundo, Rebeca Andrade fez história ao tornar-se, em 2021, na primeira brasileira a conquistar duas medalhas (salto e barras assimétricas) numa única edição.

Acontece que os maiores feitos de Rebeca Andrade foram conseguidos sem Simone Biles em competição e, por isso, nos Mundias de 2023, que decorreram em Antuérpia, os olhos estavam postos no duelo entre as duas. Resultado? Ambas conseguiram cinco pódios. Entre as competições em que as duas ginastas partilharam o pódio (ambas falharam as medalhas nas barras assimétricas), Simone Biles ganhou o ouro em todas exceto no salto, onde Rebeca Andrade se intrometeu no domínio da norte-americana e levou o primeiro lugar. No momento em que a brasileira se preparava para receber o ouro, a rival norte-americana fez um gesto onde retirou uma coroa imaginária da cabeça e colocou-a na de Rebeca Andrade.

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De facto, criou-se uma rivalidade acesa entre ambas mas que fica dentro da competição. Fora dos pavilhões, a relação mostra estar bem de saúde. No encerramento dos Mundiais de ginástica artística, foi filmado um vídeo onde dançam juntas enquanto celebram as medalhas conquistadas em Antuérpia. Rebeca Andrade, que pode acabar a carreira após o Jogos Olímpicos de Paris, onde vai chegar com 25 anos, revelou ao Globoesporte o que Simone Biles lhe disse quando ambas se preparavam para subir ao pódio.

“Acho que são as pessoas que criam esse tipo de batalhas e rivalidade. Nós, ali em baixo, estávamos a conversar. A Simone Biles até fez uma coisa engraçada, perguntou se eu ia continuar depois de Paris e eu disse que não sabia, que o futuro a Deus pertence. Disse-me que para ela não ia dar, que se ia retirar. Disse-lhe: ‘Não, nós precisamos de ti’. Ela é inspiradora. É incrível tê-la em competição”, comentou Rebeca Andrade. “Adoro competir com a Rebeca. Ela puxa por mim, e faz-me quer manter o meu nível. Acho que é uma ginasta fenomenal. Espero que ela continue. Espero vê-la mais vezes no pódio”, disse também Simone Biles. Além do ouro no salto, Rebeca Andrade levou de Antuérpia a medalha de prata na competição por equipas, no all around, onde fez um exercício de solo ao som de Anitta e da música Baile de Favela, e o bronze na trave.