Os erros do Ministério Público (MP) na Operação Influencer, a importância do princípio da separação de poderes e a sua ligação à autonomia do MP (que nasceu com a Constituição da República de 1976) — estes foram os grandes temas do episódio desta semana do programa Justiça Cega da Rádio Observador.

Sem se pronunciar sobre o caso concreto, José António Barreiros começa por explicar que os erros na fase de inquérito de qualquer processo penal “não são desejáveis” nem “compreensíveis”.

Erros justificam controle político do MP?

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Por se tratar de um “processo de alta responsabilidade, envolvendo figuras destacadas do poder político e económico”, deveria “ter havido mais atenção”, afirma.

Contudo, acrescenta, ao “darmos excessiva ênfase — desproporcionado ênfase ao tipo de erros que estão aqui em causa — estamos a fazer uma espécie de justiça de classe.” Porquê? “Porque, verdadeiramente, está a verificar-se um dramatismo enorme, só porque estão em causa figuras importantes”.

O que está em aberto, continua o conhecido penalista, é saber “em que medida os erros são reversíveis e, em segundo lugar, até ponto “contaminam a averiguação ou podem ter relevo direto para o fundo da questão central” do inquérito.

A separação de poderes, a liberdade de expressão dos políticos e as linhas vermelhas

O constitucionalista Pedro Lomba explicou no Justiça Cega a origem histórica do princípio da separação de poderes e a evolução da autonomia do MP — tudo para enquadrar as afirmações de Augusto Santos Silva, presidente da Assembleia da República, e de vários dirigentes do PS que exigem uma rápida conclusão e arquivamento do inquérito aberto ao primeiro-ministro António Costa nos serviços do Ministério Público do Supremo Tribunal de Justiça.

Lomba começou por explicar que a “separação de poderes é um princípio-chave daquilo que é o Estado constitucional e do Estado democrático moderno”, sendo certo que a “a separação de poderes, como existe hoje, está ligada ao projeto da Constituição de 76 — que é o ato fundador da nossa democracia.”

Será que Augusto Santos Silva violou o princípio constitucional da separação de poderes ao exigir que o inquérito a António Costa esteja concluído até às eleições de 10 de março?

“Devemos reconhecer aos atores partidários, quaisquer que eles sejam, uma ampla liberdade de expressão política. E essa liberdade de expressão política pode envolver críticas aos restantes poderes do Estado. Entendo que isso pode existir no quadro de uma democracia assente”, afirma o ex-secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares do primeiro Governo Passos Coelho.

[Já saiu: pode ouvir aqui o segundo episódio da série em podcast “O Encantador de Ricos”, que conta a história de Pedro Caldeira e de como o maior corretor da Bolsa portuguesa seduziu a alta sociedade. Pode ainda ouvir o primeiro episódio aqui.]

Contudo, e além de sublinhar um “conjunto de deveres de respeito” entre os diversos titulares de órgãos de soberania, Pedro Lomba diz: “se estivermos perante comentários que podem ser lidos como ordens ou instruções ou diretivas sobre a forma como deve ser resolvido um determinado caso judicial, aqui entramos, de facto, num quadro mais sensível”.

Mesmo dando como certo que “há uma prestação de contas e de escrutínio que se aplica a todos os poderes, inclusive ao Poder Judicial”, tal, contudo, “não significa que um titular de um cargo político possa dizer que este ou aquele caso judicial tem que ser resolvido assim ou assado”.

José António Barreiros, por seu lado, compreende a agitação mediática e política que surgiu com a Operação Influencer, mas acredita que o Poder Judicial saberá responder ao clamor público sobre o caso que levou à demissão do primeiro-ministro António Costa.

“Esse é um dos fundamentos de continuar a minha profissão, de que os órgãos judiciários dos Estados já devem estar suficientemente preparados para enfrentarem situações em que estão a decidir a quente. Mal vai quando não estejam habituados a saber lidar com estas situações a este nível e com todos os atores políticos e mediáticos a pronunciarem-se publicamente. Daí até haver uma pressão, vai a uma grande distância”, conclui.

A conversa evoluiu ainda para a autonomia dos procuradores face ao poder político e para uma pergunta que divide a comunidade jurídica: o Ministério Público faz parte do Poder Judicial e o princípio da separação de poderes aplica-se a esta magistratura? Oiça tudo aqui.