A inclusão de atletas transgénero ou não binários tem sido um tema recorrente nas mais diversas modalidades: com especial impacto no atletismo, muita discussão na natação e o caso de Quinn no futebol, internacional pelo Canadá que no último Mundial feminino se tornou a primeira pessoa trans e não-binária a disputar uma grande competição. Nas últimas semanas, o assunto chegou ao bilhar — e com uma portuguesa no olho do furacão.

Alexandra Cunha nasceu em 1970 em Lisboa e vive em Norwich, no Reino Unido, há 11 anos. Começou a jogar bilhar ainda em Portugal, passou pelo FC Porto, pelo Benfica e pelo Sporting e foi campeã nacional em 14 ocasiões. Atualmente está no 5.º lugar do ranking mundial, mantendo-se como capitã da Seleção feminina. Conquistou mais de 200 troféus ao longo de uma carreira que já leva mais de três décadas e é um dos nomes mais relevantes do bilhar feminino a nível mundial, sendo naturalmente a melhor de sempre em termos internos. Nos últimos dias, tornou-se a protagonista da polémica ao garantir que não vai enfrentar qualquer mulher transgénero.

“É importante perceber que isto não é um ataque a ninguém, isto é uma defesa. Isto sou eu a defender o que acho que é justo. E não existe justiça nenhuma em permitir que alguém que é biologicamente um homem possa jogar na liga feminina”, atirou a portuguesa de 53 anos em entrevista ao jornal The Telegraph.

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A controvérsia começou no final de outubro. Na altura, a World Eightball Pool Federation (WEPF) mudou as regras sobre a participação de atletas transgénero em competições femininas: em comunicado, referiu que não existiria qualquer discriminação com base na identidade de género das participantes e que será implementada uma “política de auto-identificação de género”, ainda que reservando o direito de testar oficialmente os níveis de testosterona de cada inscrita.

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No espaço de uma semana após o comunicado, mais de 60 jogadoras profissionais de bilhar juntaram-se num grupo de WhatsApp com o objetivo de contrariar a decisão. Alexandra Cunha apressou-se a contactar o Ultimate Pool Group, o principal patrocinador da liga, para garantir que não iria competir contra adversárias transgénero ou não-binárias.

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“Fui ingénua e achei que iriam querer falar comigo. Tudo o que recebi foi um pedido dos meus detalhes bancários para que pudessem devolver-me o que já pagaram da temporada de 2024. Foi chocante. Fiquei irritada, mas também triste por as coisas terem chegado ao estado a que chegaram no desporto que eu amo”, referiu na mesma entrevista ao The Telegraph.

“O bilhar é tudo para mim. Apaixonei-me quando tinha 17 anos, em Lisboa, e tenho passado as últimas décadas a batalhar os homens para poder jogar contra outras mulheres. Agora sinto que tenho de voltar à batalha. Mas isto não é sobre mim, nem sequer é sobre bilhar. É sobre a maneira como o desporto feminino está a tornar-se refém das jogadoras transgénero que nasceram homens e têm todas as vantagens que lhes permitem dominar as jogadoras que são biologicamente mulheres”, acrescenta.

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Alexandra Cunha garante que aceita enfrentar homens ou mulheres transgénero em categorias abertas ou mistas, mas não em competições exclusivamente femininas. “Não vou jogar contra ninguém que tenha uma maçã da Adão na categoria feminina”, sublinha, detalhando as alegadas desvantagens. “No início até achei que não era um problema, mas quando se vê a força no tronco, os músculos, a memória muscular, a diferença torna-se clara. Têm braços mais compridos, chegam mais longe, a força e a velocidade não são comparáveis”, garante.

Contudo, aparentemente, já existe solução para Alexandra Cunha e as restantes profissionais que se recusam a defrontar adversárias transgénero e não-binárias. Na sequência da decisão do Ultimate Pool Group, a organização rival Internacional Pool Association decidiu aproveitar e anunciar a criação de uma competição “exclusivamente transgénero” em 2024, convidando as dissidentes para o circuito feminino.

Na entrevista ao The Telegraph, Alexandra Cunha sublinha várias vezes que “admira” as mulheres transgénero ou não-binárias e tem “empatia”, garantindo que quer que tenham “vidas felizes”. Mas não deixa de abandonar o ponto. “Estas organizações sabem que as modalidades são afetadas pelo género. Sabem que as mulheres precisam dos próprios torneios para aumentar a participação feminina e as oportunidades. Têm de mostrar coragem e decência e defender as mulheres”, termina.

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