Pedro Nuno Santos recusa a ideia de estar a passar por um “processo de moderação” e explica porquê, em entrevista ao podcast “Perguntar não ofende” do comentador Daniel Oliveira: “Porque nunca fui esquerdista. Fui sempre social-democrata”. Ainda assim, é à esquerda que o candidato à liderança do PS vê a única solução para, se for a votos nas legislativas, ter um apoio maioritário no Parlamento. Rejeita por completo fazer um acordo com o PSD, “seja de incidência parlamentar ou não”, revelando-se mesmo um “adversário do bloco central” e acusando o atual PSD de ser “mais radical” do que o liderado por Passos Coelho.

A resposta sai na ponta da língua, preparada para atirar quando a pergunta é sobre a acusações de radicalismo, mas também sobre as manobras que tem feito ultimamente ao surgir ao lado das figuras mais conotadas com a área moderada do PS, como Francisco Assis ou Álvaro Beleza. “Não passei por nenhum processo de moderação porque nunca fui esquerdista, sempre fui social-democrata”. “O problema”, diz Pedro Nuno na entrevista, é haver em Portugal “um partido de direita que usa a designação de social-democrata. Isso confunde muita gente”, resume na tentativa de contrariar que esteja a “perder as convicções”.

“Fiz todo o meu percurso no PS. Não padeço desse mal”. A tirada do socialista vem em reposta ao entrevistador que foi, em tempos dirigente do Bloco de Esquerda, ao mesmo tempo que diz que um passado desses também não é um problema. “Não mudei nada do que penso, nem um milímetro do meu pensamento”, foi assegurando ao mesmo tempo que recusa o rótulo de radical.

“A acusação de gonçalvismo e radicalismo não tem adesão aos resultados daquela governação”, diz sobre o período da geringonça e em que o PS se apoiava no PCP, no BE e nos Verdes para governar quando não tinha maioria absoluta (entre 2015 e 2019, e depois também daqui até 2021, embora já sem acordos estabelecidos). E traz outro argumento preparado: “Não há nenhum eleitor que tenha votado no PSD em 2015 que tenha sido prejudicado por aquele Governo, muito pelo contrário”, garante.

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Enquanto sacode a radicalização que a direita, sobretudo o PSD, tem colado à sua imagem, Pedro Nuno Santos tenta normalizar a “geringonça” e convencer o eleitorado de centro — uma designação de que desgosta, mas o que é certo é que é para essa franja de eleitorado que aponta a enumeração de feitos do PS apoiado à esquerda. “Os salários aumentaram, as pensões aumentaram, os impostos baixaram e a dívida baixou. O que é que um típico eleitor de centro encontra de errado naquele Governo?”, questionou e ainda outra: “Nos quatro anos seguintes o que aconteceu de radical e de mau?” E recusa também a ideia de um entendimento que é limitado na sua ação e que resultou numa conjuntura específica, garantindo que “não é verdade que esse Governo se tenha limitado a fazer reversões. Fizeram-se avanços e continua a ser necessário fazê-los”.

Nota ainda que à esquerda existem hoje quatro partidos, somando o Livre de Rui Tavares  — que “também é uma variável na esquerda portuguesa” — aos candidatos a entendimentos com um PS que venha a liderar e que vença as eleições legislativas de 10 de março. Admite que “o cenário de uma maioria é muito longínquo” e diz que trabalha “para a vitória e não fecha as portas à esquerda. Não quer reerguer os muros que António Costa derrubou em 2015”, disse sobre a sua ideia de PS.

Sobre se agora pesam mais as questões de política externa, nomeadamente as oposição de PCP e Bloco de Esquerda à NATO, sobretudo depois da guerra na Ucrânia, Pedro Nuno garante que “não muda nada”, já que em 2015 o país “já integrava a NATO e a União Europeia já tinha um conjunto de compromissos de despesa militar no quadro da NATO e nenhum foi posto em causa”.

Já à direita, vê um “PSD que por mais paradoxal que possa parecer liderará um Governo mais radical do que o de Pedro Passos Coelho, porque estará dependente de um projeto bem radical que não é o Chega, mas a IL”: “Será muito difícil conceber a hipótese fe um PS liderado por mim servir de muleta a um Governo liderado pelo PSD com a IL”. Esta é a dimensão política de nega que dá já antecipadamente ao PSD de Luís Montenegro, a outra é a “dimensão democrática” que é deixar de existir uma “válvula de escape” no regime: quando o PSD está no poder a válvula é o PS e vice-versa.

TAP: “Deve ser tentada privatização que não ponha em causa a maioria do capital”

Há outro rótulo que incomoda Pedro Nuno Santos e que ficou colado à sua pele depois da polémica da localização do novo aeroporto de Lisboa, o de “impulsivo”. Sobre isso garante que não é assim e que “a imagem que colamos aos outros são o reflexo de um problema estrutural no país: como estamos habituados que grande parte dos políticos não tome decisões e arraste os pés, quando um toma decisões, é impulsivo. O rótulo de impulsivo diz mais de quem o usa do que quem recebe a etiqueta”, explicou.

Sobre este capítulo, em que avançou com a decisão de Montijo+1, tendo depois recuado obrigado pelo primeiro-ministro, Pedro Nuno Santos diz que “preferia que tivesse sido decidido há mais tempo já que tinham sido estudadas 17 localizações”. Agora, garante que respeitará a comissão técnica que apresentará um relatório no início de dezembro sobre os locais possíveis, embora defenda que a falta de um consenso (entre PS e PSD) sobre o local “não deva ser motivo para que o Governo não decida”. Tentará acordo, mas caso não seja possível, se for ele o primeiro-ministro, decidirá sozinho.

Essa é uma das “cicatrizes” que traz do seu percurso político, bem como a do ok dado à indemnização polémica de Alexandra Reis. Sobre este assunto diz que a saída da administradora “tinha de acontecer” sob pena de a TAP ter “uma comissão executiva disfuncional” e que isso sim, garante agora, “podia ser muito mais custoso do que a indemnização”. Sobre o valor, o socialista diz que “o problema não é a indemnização” paga, “mas os salários” que enquadra “numa empresa que opera num mercado global muito fortemente concorrencial”.

Sobre a privatização — processo que está suspenso desde que o Presidente (ainda antes da demissão) mandou para trás o decreto de privatização da TAP –, o socialista defende que “seja tentada uma privatização ou entrada de capital que não ponha em causa a maioria do capital” e diz que “mesmo que o processo de privatização terminasse na alienação da maioria do capital, o limiar mínimo não devia constar do despacho até para o Governo ter maior margem negocial e manter essa margem”, argumentou.

Regras para relação Estado/privados e “política industrial”

Apresenta a sua moção (que está a ser coordenada pela deputada socialista Alexandra Leitão) na próxima quinta-feira, e nela deverá vir já uma solução para aquilo que vai chamando de “procedimentos claros e transparentes” sobre as relações do Estado com investidores privados. Uma medida que vem na sequência dos casos que fizeram cair o Governo, nomeadamente o data center de Sines. Pedro Nuno Santos recusa adiantar do que se trata, vendo “vantagens de desvantagens” na regulamentação do lóbi. “Se faz sentido haver regras transparentes e bem definidas sobre como se relaciona um investidor privado e um Governo, também não se deve estar a legalizar uma prática que é um crime, nomeadamente o tráfico de influência”, justifica.

Em defesa do partido que quer lidera — e ainda a propósito destes casos — o socialista garante que o PS “não tem uma rede de contactos no setor privado e nos negócios” e propondo-se a “corrigir procedimentos futuros”. Foi mesmo questionado sobre a sua relação com Lacerda Machado (que depois de ter conduzido o processo de renacionalização da TAP pelo Governo, pro bono, passou a administrador da companhia), mas diz apenas que a relação entre os dois “não correu da melhor maneira”.

Além deste tema, a sua moção também trará uma aposta na “estratégia de política industrial“, com Pedro Nuno a dizer que é isso que “faz a economia avançar e não as consequências mágicas da redução do IRC”, atira em direção ao PSD. A este propósito diz mesmo que “o investimento estrangeiro não é todo igual”, apontando como mau exemplo aquilo que se passou com o investimento imobiliário que veio de fora. E isto em contraponto com “os grandes investimentos industriais” que, defende, geram mais desenvolvimento até do tecido empresarial que já existe no país. Um dos exemplos que dá é a fábrica de comboios.

Já na política orçamental, Pedro Nuno Santos já tinha dito em resposta ao Observador que, se chegar ao Governo em março, pretende manter o Orçamento que será aprovado (também por ele) esta quarta-feira. Mas mantém que “a trajetória de redução da dívida devia ser mais lenta”, embora reforce ao mesmo tempo que mantém “o objetivo de continuar a reduzir a dívida pública“, sublinhando sempre e mais uma vez que isso também foi possível fazer com a esquerda a apoiar o PS no Parlamento. Ao Pedro Nuno de 2011, que ameaçava com o não pagamento da divida numa reunião interna do PS, o Pedro Nuno de hoje diz que o que “interessa é afirmar que é importante o país continuar a reduzir a dívida sem que isso ponha em causa continuar a aumentar o investimento público”.

OE para 2024 “continuará a ser executado a partir de março”, garante Pedro Nuno Santos

E coloca ainda em cima da mesa a sua “capacidade de negociação” para responder aos problemas que existem com médicos e professores. “Na minha história enquanto governante foram vários os momentos em que conseguimos acordos que se achavam impossíveis: com a esquerda, com as empresas de transporte de matérias perigosas e os motoristas”, enumerou na entrevista. Mas no caso dos professores, embora continue a pensar que o Estado deve “cumprir os seus contratos”, também diz que a reposição do tempo total congelado nas carreiras seria “uma medida com impacto orçamental e desvirtua exercício orçamental” — isto quando explica porque não fez nada já neste OE, quando é deputado e outros partidos apresentaram propostas de alteração nesse sentido.

Quanto à disputa do próximo dia 15, contra José Luís Carneiro, Pedro Nuno refere falar no dia seguinte e na necessidade de manter o partido unido para o combate das legislativas. Diz que foi por isso que rejeitou debater com Carneiro, considerado que esse modelo poderia “prejudicar” essa mesma unidade. Também elogia o adversário, com uma “avaliação muito positiva do seu trabalho” no Governo.