O presidente executivo da TAP diz que encontrou “uma operação desorganizada” quando chegou à companhia em abril, na sequência da demissão dos anteriores gestores devido ao caso Alexandra Reis. Numa conversa realizada este sábado no congresso da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT), Luís Rodrigues explicou que havia “aviões contratados fora a fazer operações para a TAP e ao mesmo tempo tínhamos aviões no chão”.

Numa conversa com o presidente da APAVT, Pedro Costa Ferreira, Luís Rodrigues, admite que a privatização era a melhor forma da gestão se libertar dos constrangimentos que condicionam uma empresa pública. Mas, se tal não for possível, pede uma exceção que permita libertar a TAP dos entraves administrativos.

O gestor aponta o desfasamento de horários e problemas de operação, um fator que qualifica de fundamental para o setor da aviação. “Era um problema sério que estava a consumir recursos de ecossistema — da NAV e da ANA — e a condicionar um ativo estratégico que era a marca e que estava deixar uma péssima imagem nos nossos  mercados. E isso conseguimos travar”, nomeadamente com a introdução do horário de inverno em novembro que corrigiu muitas coisas.

Logo no arranque da conversa, confirmou que chegou no primeiro dia à TAP a conduzir um Fiat 600, que era da enteada porque era o “carro de família que estava mais à mão”, tendo encontrado “um ambiente laboral muito crispado”.

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Luís Rodrigues substituiu Christine Ourmières-Widener, demitida por causa do pagamento de de uma indemnização de meio milhão de euros a Alexandra Reis. Vindo da companhia açoriana Sata, iniciou em funções no mês em que estava ao rubro a comissão parlamentar de inquérito à gestão pública da TAP. E tem mantido até agora grande reserva nas declarações públicas.

Nesta conversa, o gestor contou também que a primeira coisa que fez quando chegou à TAP (na qual já tinha estado antes da privatização) foi ouvir as pessoas. “Não vou para lado nenhum com soluções mágicas. Nos primeiros tempos, reunimos com o máximo de pessoas para conseguir fazer um diagnóstico”. E esse diagnóstico revelou uma “terceira surpresa”  — a falta de conhecimento significativo da indústria e da operação por causa das mais de 3 mil pessoas que saíram da TAP entre a pandemia e a reestruturação — e que levaram o conhecimento com elas. O diagnóstico inicial evidenciou igualmente um “atraso tecnológico significativo” ao nível de processos e tecnologias, em resultado da falta de investimento nestas áreas nos anos anteriores.

Apesar dos aspetos negativos, o gestor diz que a sua maior surpresa foi a forma como foi recebido e a perceção de toda a gente para participar e contribuir. O  “ambiente emocional mudou radicalmente”. Disse que ambiente socio-laboral estava estabilizado com a assinatura dos acordos de empresa com os principais sindicatos. E sobre o recente desentendimento com o Ministério das Finanças em relação à aplicação destes acordos, que preveem a suspensão dos cortes salariais aplicados pela empresa desde 2021, o presidente da TAP afirmou tratar-se de um mal-entendido que, acredita, será resolvido rapidamente.

Se não for possível privatizar, presidente da TAP pede libertação de entraves administrativos

Com a privatização da TAP a ficar em banho-maria por causa da crise política, o CEO da companhia defendeu que é “impensável atualmente ter uma companhia de aviação a ser condicionada por um acionista, neste caso o Estado”, e que a forma mais fácil de ultrapassar essa questão é privatizar, sem se pronunciar sobre que percentagem deve ser vendida.

E “se, por alguma razão, não for possível (privatizar), que se criem regras para que a empresa seja gerida livre dos entraves administrativos”. Luís Rodrigues dá como exemplo a obrigação legal de pedir visto prévio ao Tribunal de Contas para realizar despesas acima de cinco milhões de euros. O que acontece quase todos os dias com a compra de combustíveis. Luís Rodrigues explicou que não conseguiu contratar proteção financeira contra o risco do preço dos combustíveis (hedging) este verão porque estava impedido de comprometer despesa futura, no quadro do regime aplicável às empresas públicas.

Para além do “custo enorme de tempo e energia das nossas equipas” para preencher os requisitos de controlo das empresas do Estado, o gestor dá outro exemplo. Se eu “quiser contratar 150 pessoas em vez das 100 previstas, não o posso fazer sem autorização”.  “Não estou a criticar o sistema”, diz, mas pediu que seja  viabilizada uma exceção (que aliás já existiu para a TAP antes da privatização de 2015) que permita libertar a empresa que concorre no mercado internacional da aviação destes constrangimentos. “Dizem-me que isso é politicamente difícil de fazer. Então, a solução é privatizar.”

Luís Rodrigues admitiu ainda que privatizar a TAP sem uma decisão sobre o novo aeroporto de Lisboa pode condicionar o valor das ofertas, na medida em que limita os planos estratégicos apresentados para a companhia. Mas assegura que o interesse dos concorrentes continua lá.

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O gestor defendeu ainda que, pelo menos, nos próximos cinco anos os trabalhadores e a gestão da TAP não devem deixar-se distrair por temas como o novo aeroporto e a privatização. “Se acontecerem, ótimo”. Mas se estiverem “com medo da privatização, quem chegar aqui vai dizer que não estão a fazer nada. Têm de estar a trabalhar como se não houvesse uma privatização” porque isso vai deixar mais satisfeito quem vier a seguir.

Luís Rodrigues divide mérito dos resultados e prevê crescer 6% a 7% em 2024

O presidente executivo da TAP foi ainda questionado sobre os bons resultados da empresa e sobre a quem deve ser dado o mérito pela evolução positiva. “Devem-se a Christine Ourmiéres-Widener?”,  perguntou Pedro Costa Ferreira.

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Para Luís Rodrigues, “o tempo dos heróis e dos zorros da gestão não existe. Temos é de não estragar”. Em primeiro lugar, os resultados “devem-se aos nossos clientes”, aos operadores turísticos e “muito aos trabalhadores que fizeram isto acontecer”. Mas “também ao acionista que suportou a empresa” e aos contribuintes” que injetaram 3,2 mil milhões de euros na TAP — embora Luís Rodrigues só considere para estas contas os 2,5 mil milhões de ajuda pública que distingue dos 600 a 700 milhões de euros atribuídos a título de compensação pela pandemia à TAP e às outras empresas por causa das restrições administrativas à operação.

Depois, dividiu os méritos pelas anteriores gestões da TAP. Um quarto dos resultados deve-se à estratégia até 2014 (de Fernando Pinto) que fez a grande aposta no Brasil. O outro quarto deve-se à estratégia do acionista privado (David Neelemam) que apostou nos Estados Unidos. E mais um quarto é devido ao período em que esteve a ex-CEO, Christine Ourmières-Widener (e a gestão interina de Ramiro Sequeira) que realizou o corte de custos e a reestruturação da companhia. Em nome da sua equipa (da qual escolheu apenas alguns elementos) assumiu o último quarto do mérito pelos resultados positivos de 2023, porque “foi ajustando e alavancando a estratégia”.

O presidente da TAP admitiu ainda um alisamento nas taxas de crescimento dos últimos dois anos, mas defende que essa moderação é desejável porque o objetivo é agora consolidar o crescimento e assegurar a sustentabilidade. O plano para 2024 prevê um crescimento de 6% a 7% que resultará da troca de aeronaves e da subida de preços, porque, frisa, a TAP está impedida de expandir a frota até 2025, por imposição da Comissão Europeia.

“É razoável assumir que vamos assistir a outros Covid e, se estivermos inebriados com crescimentos fortes, será mais difícil”.