Quando a equipa saiu debaixo de um coro de assobios e alguns insultos após o empate sem golos em Moreira de Cónegos, e mesmo entre alguns protestos com a atitude de Rafa e de um dos adjuntos, Roger Schmidt foi seguindo em frente até ao túnel de acesso aos balneários. Ouviu, percebeu, não falou. Menos de uma semana depois, na sequência da substituição de João Neves na segunda parte do encontro com o Farense (1-1), essa contestação subiu de tom, houve copos e garrafas atiradas para a zona técnica e um adepto foi travado pelos stewards quando já tinha saltado o acrílico. Tiago Gouveia pediu calma, os adjuntos protestaram com essas ações, outros responsáveis do Benfica manifestaram o seu desagrado. Roger Schmidt ainda olhou para trás, fez notar que não tinha gostado, virou-se para a frente e no final voltou a optar por seguir em linha reta para o balneário. O alemão parecia feito de gelo perante o que se passava à volta mas tornou-se fogo quando foi à conferência de imprensa, dando um “murro na mesa” e admitindo um cenário de saída.

Benfica vence em Salzburgo por 3-1 e garante Liga Europa com golo nos descontos de Arthur Cabral

“Quero dizer obrigado aos adeptos que nos apoiaram. Houve muitos nas bancadas que apreciaram o que os jogadores fizeram. Os outros, os mais negativos, por favor, fiquem em casa. É o meu pedido. Peço-vos que fiquem em casa porque não é bom para a equipa. Se sou o problema, se o Benfica precisa de um treinador que faça as substituições que os adeptos querem, não há problema, eu saio e haverá alguém que me possa substituir e talvez até seja melhor do que antes. Se eu for o problema, eu darei espaço para que alguém faça melhor do que eu. Tenho de ser um bom treinador porque este é um grande clube, se não for bom o suficiente terei sair. É algo sobre o qual vou pensar”, atirou, deixando tudo em suspenso em relação a um projeto iniciado na última temporada com sucesso e que num par de meses (e opções) estava em causa.

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Bancadas assobiaram, voaram objetos e Schmidt reagiu: “Os adeptos mais negativos podem ficar em casa”

As ondas de choque fizeram-se sentir, mesmo que em planos diferentes. Os resultados desportivos estão piores do que em 2022/23, com a presença na Champions a ser o principal fator de separação (na Liga está a um ponto da liderança). As opções táticas e nas substituições também parecem não agradar a muitos. Ainda assim, o que se passou foi um ultrapassar de linha que a maioria condenou. E para que não existisse qualquer dúvida, Rui Costa voltou ao espaço público para reforçar, mais uma vez, a confiança no germânico, falando de Schmidt como “o líder do projeto desportivo” sem qualquer margem para interrupções de ciclos a meio da temporada (que não costumam dar resultado, como também frisou). O antigo treinador do PSV sentiu de novo esse conforto e foi à luz disso que fez a antevisão à deslocação a Salzburgo, preferindo olhar para aquilo que tem sido o rendimento coletivo do Benfica em vez de apontar apenas para os resultados.

“Em 120 anos de história, nunca se viu uma situação assim. Existe uma campanha contra Roger Schmidt”, defende Rui Costa

“Precisamos de mais dois golos do que no último jogo mas provavelmente não teremos tantas ocasiões. Penso que estamos em excelente forma, na minha opinião na melhor fase esta época em termos de futebol jogado. Falta concretizar. É uma excelente oportunidade para o demonstrar, pois se não formos eficazes estaremos fora da Europa. Para o Benfica é importante estar nas provas europeias no próximo ano. Vamos dar tudo e a palavra é nossa”, apontou. “Palavras de Rui Costa? Não foi assim tão importante para mim pois sei o que o presidente pensa sobre mim e sobre a equipa. Se virmos o que foi feito no último ano e meio e de onde o Benfica veio… Unir todos é importante. Sei agora muito sobre o Benfica, que é um clube especial e aqui a tolerância para a derrota é muito baixa. Cabe-nos a nós ganhar. Queremos deixar os adeptos felizes e vencer. No nosso grupo, todos acreditamos que podemos ter sucesso e já o mostrámos”, acrescentou.

Era neste contexto de total pressão pela necessidade de ganhar e por dois ou mais golos de diferença mas ao mesmo tempo de tentativa de redenção depois do que se passou na Luz na última sexta-feira que o Benfica entrava em campo na Áustria, frente a um Salzburgo que, fazendo a melhor exibição na fase de grupos da Champions em Lisboa, não tinha sido tão superior aos encarnados mesmo em vantagem numérica. E a resposta era não só de Schmidt mas também da própria equipa, que iria subir a uma espécie de “tribunal” para mostrar se os empates com Moreirense e Farense tinham sido dois deslizes ou dois sinais. Para tal, não contava com o castigado António Silva e, de novo, com os lesionados Bah, Bernat e Neres. E era na defesa que se centravam as dúvidas, com várias hipóteses para o quarteto que durante um par de jogos se transformou numa linha de três sem que a fórmula tivesse pegado pela falta de João Neves no meio-campo.

Para não mexer em várias posições, Schmidt apostou em Tomás Araújo ao lado de Otamendi e o central internacional Sub-21 cumpriu. Depois, e mesmo com Rafa a manter o festival de oportunidades falhadas (se marcasse metade das chances que tem, o Benfica teria voltado a golear…), o alemão teve aquela “sorte” que parecia escrita por destino de lançar Arthur Cabral apenas aos 90+1′ para o 3-1 decisivo de calcanhar logo no minuto seguinte e na primeira vez que tocou na bola. Em condições normais, a alusão a essa “estrelinha” seria de forma inevitável o título desta crónica. Contudo, e para fazer jus a um triunfo que de “acaso” teve muito pouco ou nada, o grande destaque voltou a recair em duas figuras que representam aquilo que é hoje este Benfica: Di María, um génio que quando sai da lâmpada desequilibra qualquer, e João Neves, um mouro de trabalho com e sem bola que teve o discernimento após todos os quilómetros que tinha corrido na Áustria para desencantar um passe de 30 metros para Aursnes fazer a assistência decisiva.

Ficha de jogo

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Salzburgo-Benfica, 1-3

6.ª jornada do grupo D da Liga dos Campeões

Stadion Salzburg, na Áustria

Árbitro: Daniel Siebert (Alemanha)

Salzburgo: Schlager; Dedic, Piatkowski, Pavlovic, Baidoo; Susic, Gourna-Douaht, Gloukh (Kameri, 82′), Bidstrup (Simic, 90+5′); Ratkov (Fernando, 55′) e Nene (Koita, 55′)

Suplentes não utilizados: Mantl, Krumrey, Okoh, Diambou, Ulmer, Konaté, Forson e Morgalla

Treinador: Gerhard Struber

Benfica: Trubin; Aursnes, Otamendi, Tomás Araújo, Morato; João Neves, Kökçü (Gonçalo Guedes, 68′); Di María, Rafa (Florentino Luís, 90+4′), João Mário (Arthur Cabral, 90+1′) e Tengstedt (Musa, 46′)

Suplentes não utilizados: Samuel Soares, Kokubo, Jurásek, João Victor, Chiquinho e Tiago Gouveia

Treinador: Roger Schmidt

Golos: Di María (32′), Rafa (45+1′), Sucic (57′) e Arthur Cabral (90+2′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Gourna-Douath (10′), Morato (45+4′), Ratkov (51′), Musa (72′), Kameri (82′) e Schlager (90′)

O Benfica entrou a sentir algumas dificuldades com a pressão que o Salzburgo fazia sem bola na primeira fase de construção e foi acusando esse posicionamento nos primeiros minutos, não sendo capaz de chegar com qualidade ao último terço a não ser num lance em que Tengstedt foi apanhado adiantado e a ver os primeiros remates a pertencerem aos austríacos, com Gloukh a tentar a meia distância em corredor central que saiu ao lado (3′) e Ratkov a receber sem as melhores condições uma bola nas costas da defesa dos encarnados para um remate que, com pouco ângulo, ficou nas mãos de Trubin (12′). Faltava um clique aos campeões nacionais para colocarem o jogo mais a seu jeito, um clique que foi tentado e dado por Rafa mesmo que pelas piores razões: depois de ter “arrancado” um cartão amarelo muito cedo ao médio mais posicional Gourna-Douath (10′), o avançado apareceu isolado na área frente a Schlager mas rematou muito por cima (13′).

Os minutos seguintes trouxeram a melhor versão do Benfica ao jogo, com outra fluência na capacidade de saída para o ataque e uma mobilidade na frente que trazia maiores dificuldades ao Salzburgo. No entanto, foi mais um reflexo motivacional por aquele lance falhado por Rafa que recordou tantos outros que se foram sucedendo na receção ao Farense do que propriamente uma posição concertada para assumir a importância que envolvia a partida. Assim, e de forma quase natural, os austríacos voltaram a conseguir agarrar mais nos cordelinhos do jogo, tiveram duas aproximações que não trouxeram mais perigo pelas falhas no último passe e foram controlando as tentativas encarnadas para “saltar” o meio-campo contrário e colocar bola na frente. Sem muitas ideias no coletivo, tinha de aparecer o individual. E foi aí que Ángel Di María se mostrou.

A partir do momento em que começou a ter bola e apoio a partir da direita do ataque, o argentino foi fazendo sair o génio da lâmpada. Num primeiro lance, a ameaça quase por acaso tornou-se quase golo, com uma boa combinação com João Neves a dar o espaço para fazer o cruzamento em arco para dentro que Tengstedt não conseguiu desviar de cabeça e passou a rasar o poste dos austríacos (29′); pouco depois, em novo período com o Benfica por cima no encontro, foi à direita do ataque marcar um canto com o efeito para dentro, viu a bola passar pelas unidades que apareceram ao primeiro poste e Schlager não conseguiu evitar o 1-0 (32′). O Salzburgo não acusou em demasia o golo, tendo nos minutos seguintes duas tentativas com perigo travadas por Trubin por Ratkov (39′) e Nene (44′) mas a eficácia que andava a faltar aos encarnados fez lei ainda antes do intervalo, com João Neves a recuperar bem uma bola em zona adiantada também pela pressão feita por Tengstedt no portador, Di María a assistir Rafa na diagonal e o avançado a rematar cruzado para o 2-0 (45+1′). Em menos de 15 minutos, o Benfica conseguia fazer o que queria materializar em 90.

Mesmo em vantagem, no resultado e na “eliminatória” tendo em conta a necessidade de vencer por dois para seguir na Europa, Schmidt leu o jogo e trocou Musa por Tengstedt, procurando um avançado com outro tipo de características para manter mais a bola na frente. Mais do que a troca em si, a atitude do Benfica depois do descanso foi avassaladora, com os adeptos da casa a assobiarem por mais do que uma vez a incapacidade dos visitados em saírem de forma organizada do primeiro terço. Entre essa pressão, sobraram oportunidades. Num cruzamento de João Mário que Baidoo conseguiu cortar de forma milagrosa na pequena área quando Musa ia encostar (48′). Em dois remates de meia distância de Kökçü e Di María que não passaram longe do alvo nos minutos seguintes. Num falhanço inacreditável de Rafa após uma jogada que começou com uma recuperação de Aursnes à saída da área austríaca antes do cruzamento de Di María de pé direito para o avançado acertar literalmente no “boneco” Schlager sozinho na área (53′). O 3-0 parecia algo inevitável, o 2-1 surgiu de seguida, com Sucic a ganhar espaço para uma boa meia distância de pé esquerdo (57′).

Quando tudo parecia controlado, deixou de estar. Foi isso que tornou o jogo até ao final mais “descontrolado” com o Salzburgo a tentar aproveitar o natural adiantamento dos encarnados em busca de mais um golo e o Benfica a não ter problemas em deixar o encontro “partir-se” de forma natural para com isso encontrar mais espaços para as unidades da frente. Sempre com o conjunto português melhor, houve um pouco de tudo a partir daí: Trubin tirou o empate a Fernando, avançado brasileiro que passou pelo Sporting e que entrou com a corda toda (65′), Di María acertou no poste em mais um remate em arco após uma diagonal da direita para o meio (69′), Sucic viu o segundo golo anulado porque a remate de meia distância bateu em Koita que estava fora de jogo (75′), Rafa voltou a falhar de forma inacreditável isolado por Di María com mérito à mistura do guarda-redes Schlager (77′), Musa também ficou perto desviando um cruzamento/remate de Di María (80′), Fernando teve outra tentativa com perigo após transição (89′). Aos 90+1′, entrou Arthur Cabral. No minuto seguinte marcou o 3-1 decisivo, com assistência de Aursnes após um grande passe de João Neves.