Chegou, viu e venceu. Uma, duas, dez vezes, literalmente (e sem empates ou derrotas). Roberto Martínez, o terceiro selecionador não português a comandar os destinos da principal equipa de Portugal, está a ter um arranque auspicioso de era na Seleção, somando 100% de triunfos em todos os dez encontros que fez na qualificação para o Campeonato da Europa. Tão ou mais importante, o técnico confirmou e foi surpreendido por uma série de pontos em relação ao jogador português, dando os exemplos de João Neves, Gonçalo Inácio e Diogo Costa para destacar o que cada um pode trazer de diferente a uma equipa. Ao longo de quase duas horas, o espanhol abordou todos estes temas numa entrevista ao Canal 11 que se pode resumir em 11 ideias.

“Para ganhar precisas de sonhar alto. Há um grupo de seleções que podem ganhar”

“Para ganhar um torneio precisas de sonhar alto. Há um grupo de seleções que podem ganhar. Portugal tem jogadores nos melhores balneários do futebol mundial. Um jogo num Europeu é feito de detalhes e sorte. Se trabalhares muito e bem ajuda à sorte. Qualificação? Foi um apuramento onde todos os jogadores deram tudo. Nós conhecemos o talento. O talento só não ganha jogos consistentemente mas sim a atitude, o compromisso, a clareza. A paixão pela Seleção é muito grande. No primeiro dia, lembro-me de estar no aeroporto e os adeptos a mostrarem o amor pela Seleção. Vi e senti o afeto nos estádios. Gostei muito do ambiente. O adepto da Seleção sente-se parte da equipa. Precisamos disso para continuar a crescer. É uma paixão muito positiva”, destacou Martínez sobre a qualificação e as ambições para o Europeu de 2024.

“Para a maioria, o corpo falha e a cabeça aceita. Com o Cristiano, parece o contrário”

“Defrontei o Cristiano em 2013, pelo Everton, e foi incrível. Depois tive oportunidade de falar com todos antes da primeira convocatória e foi muito importante ver uma pessoa com muita fome e respeito pela Seleção, com compromisso para ajudar. Foi uma surpresa positiva, porque foi o começo de criar um grupo novo. Para a maioria dos jogadores, o corpo falha e a cabeça aceita. No Cristiano, parece acontecer o contrário. O corpo só vai parar quando a cabeça disser que tem de parar. Ele faz tudo para estar a um nível ótimo. É incrível quando um jogador tem 38 anos e uns hábitos e vontade de quem tem 18. É uma capacidade incrível de repetir excelência. Tem um cérebro de elite mas não tem limite. Foi um jogador com 53 golos. É agora olhar para o próximo objetivo. Foi importante ter o compromisso”, vincou o técnico.

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“Em dois dias João Neves ganhou o respeito do balneário. É marcante”

“Conhecia muito bem os jogadores portugueses. Jogámos contra eles em diferentes. Não houve um jogador [que me tenha impressionador mais]. Sabia que o balneário era muito competitivo porque o jogador português sabe ganhar e competir. A surpresa foi que também gosta de ter clareza e informação tática. É difícil encontrar isso. João Neves chega à Seleção aos 19 anos, mostrou uma personalidade e maturidade que me surpreendeu muito. A melhor forma de medir um jogador é olhar para o balneário, diretamente dá ou não dá respeito. É como na escola, a minha filha tem quatro anos e não tem filtros. Nos balneários temos filtros mas é a forma de demonstrar o respeito. Há coisas claras que um jogador ganha o respeito diretamente ou não ganha. O João, aos 19 anos, nunca vi uma situação na minha carreira. Em dois dias ganhou o respeito do balneário. É marcante”, referiu a propósito dos jogadores que maior impressão causaram.

“Gonçalo Inácio é o perfil mais pesquisado do futebol europeu”

“O perfil de um jogador é importante. O Gonçalo Inácio é o perfil mais pesquisado do futebol europeu: central, joga com o pé esquerdo, pode jogar por dentro, com qualidade, marca golos, tem inteligência. Quando era treinador num clube era esse o perfil que não havia. Precisa de uma boa época no Sporting, porque tem um perfil importante”, adiantou em relação ao central que tornou internacional A.

“Diogo Costa é moderno, tem o melhor nível que o futebol mundial está a conhecer”

“O Diogo Costa é um jogador de um nível espectacular. Tive Courtois, que foi o melhor do Mundial de 2018. Falamos de um jovem, tem nível para chegar ao que Courtois está a fazer. É muito completo, contra a Bósnia por exemplo, teve dois momentos de guarda-redes de alto nível. Nas equipas grandes eles precisam de ter concentração para ter um momento em 90 minutos. Isso é inato, não se aprende. Tem o melhor nível que o futebol mundial está a conhecer. Contra o Sp. Braga, a defesa ao remate do Ricardo [Horta]… Tem uma qualidade que permite à equipa jogar curto ou longo. É um guarda-redes moderno, que tem o melhor nível que o futebol mundial está a conhecer”, ressalvou Martínez sobre o guardião portista.

“Precisamos jogar encontros em que sofremos primeiros. Não quero mas vai acontecer”

“Não sei quantos dias precisamos de treino para executar um plano tático mas foi uma surpresa saber que posso preparar um jogo sem treino. Os nossos jogadores são inteligentes taticamente para ganhar a ideia com vídeos e trabalhar fora do campo. Isso foi uma surpresa, porque não é normal. Num clube precisas de 50 treinos para ter uma boa sintonia numa linha defensiva, na pressão, no ataque… O nível da Champions ajuda a isso, os jogadores treinam menos agora. Juntar jogadores de vários clubes? É o maior desafio dos jogos de seleções, dar clareza. É priorizar, não podemos falar de tudo, não podemos trabalhar tudo. Todos têm de saber o que têm de fazer. Depois, a inteligência e compromisso permite preparar o jogo. Vi uma mudança importante no segundo e terceiro estágios. Para um treinador, quando está a ver hábitos no relvado, é um momento muito importante. Agora estamos a crescer, precisamos jogar encontros em que sofremos primeiro. Não quero mas vai acontecer. Precisamos de preparar isso”, contou Roberto Martínez.

“Utilizámos 31 na fase de apuramento. Ninguém tem uma razão para não continuar”

“Se é difícil entrar na equipa? Sim mas é o melhor obstáculo. É importante ter a porta aberta e ter a oportunidade para entrar. Temos um grupo de 31 jogadores que não podem estar todos. É difícil. Utilizámos 31 na fase de apuramento. Ninguém tem uma razão para não continuar. Para o treinador é mais fácil, a nível pessoal é mais difícil. Mas acho que vamos crescer, os números vão crescer”, adiantou.

“Os dados e a inteligência artificial não tomam decisões mas são um filtro”

“Os dados e a inteligência artificial não tomam decisões mas são um filtro. Ajuda a olhar para a solução. Pode subjetivamente acontecer que há um conceito que não está claro. Os dados podem resolver e ajudar a decidir. Para acompanhar jogadores podemos olhar para isso. É importante olhar a perfis, se joga bem por fora, se tem inteligência no espaço. Quando não trabalhas e acompanhas, é importante ter esses dados. Isso ajuda a filtrar. Depois é preciso tomar decisão”, explicou Roberto Martínez sobre a relevância dos dados.

“Temos de ter flexibilidade tática mas não podemos fazer sempre tudo de novo”

“A evolução é constante. É importante ter em conta o momento de forma dos jogadores. Tivemos um momento em que Raphael Guerreiro e Nuno Mendes não estavam aptos. Podíamos chamar outros jogadores mas sabemos que eles são importantes para o futuro ou podíamos acrescentar mais um atacante, colocando um jogador como o Rafael Leão, João Félix ou Jota. Aí, temos um jogador mais. É importante ter Cancelo e Dalot, que podem jogar nos dois lados. Temos de ter flexibilidade tática mas não podemos fazer sempre tudo de novo. Os jogadores, o adversário e momento do jogo definem a estratégia”, frisou.

“O que está na cabeça de um jogador faz a diferença no relvado”

“É importante conhecer o homem por detrás do jogador. Precisamos de ter qualidades humanas que ajudem o talento. Os jogadores são fáceis de analisar mas a pessoa é uma avaliação subjetiva. Estar com eles e falar de futebol, da vida. O que está na cabeça faz a diferença no relvado. Gosto de treinar jogadores e pessoas. É uma sorte para mim, como selecionador, ajudar um jogador quando tem um momento mau. Eu não tenho que pensar na valorização do jogador. Posso ser honesto. Acontece de uma forma natural”, disse.

“Brozovic teve uma época interessante. Ele representa uma forma de jogo”

“Os prémios individuais são subjetivos. Representam uma equipa. O Brozovic fez uma boa época, o detalhe de não ganhar foi mínimo. Teve uma época interessante. Ele representa uma forma de jogo, que para uma equipa como a Croácia, durante o Mundial, foi para guardar em vídeo e mostrar às próximas gerações. Representa uma geração da Croácia, o que fez no Mundial e também no Inter. Rúben Dias e Bernardo Silva no Melhor Onze do Ano? É uma satisfação e orgulho mas é difícil para um selecionador porque no futebol os prémios individuais são subjetivos. É boa memória para eles. O Bernardo tem dez épocas fora de Portugal. O Rúben tem sido dos melhores centrais do futebol mundial”, revelou o treinador espanhol.