O Ministério Público pediu, esta terça-feira, uma pena de “prisão exemplar e efetiva” para um ex-presidente e uma ex-diretora do Lar do Comércio, requerendo a sua condenação por 18 crimes de maus-tratos, em vez dos 67 de que estavam acusados.

Os dois arguidos e Instituição de Particular de Solidariedade Social (IPSS) vinham acusados de 67 crimes de maus-tratos, 17 dos quais agravados pelo resultado morte, contudo, nas alegações finais, o procurador do Ministério Público (MP) deixou cair 49 crimes, entre os quais 17 agravados pelo resultado morte.

Ao longo de mais de uma hora, o procurador Alberto Preto descreveu e detalhou o estado em que os utentes se encontravam aquando das buscas domiciliárias e que constam nos autos, concluindo que em relação aos 17 crimes de maus-tratos agravados não existe “nexo de causalidade”, pelo que os arguidos devem ser absolvidos.

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Dos restantes 50 crimes constantes na acusação, entende o MP dar como provados 18 crimes, cujo somatório perfaz uma pena de 18 anos de prisão, tendo pedido ao coletivo de juízes que preside ao julgamento uma “pena exemplar e efetiva”.

“Não vou dizer em concreto a medida da pena, mas não pode ser suspensa na sua execução (…). Entendo que devem ser condenados a pena exemplar e efetiva”, rematou o procurador Alberto Preto. Sublinhando a especial vulnerabilidade e dependência dos idosos, o MP considera que neste caso “verificou-se uma falta de humanidade”, concluindo que “só iam dali para o cemitério. Era o fim de linha”.

Durante as alegações, o procurador deixou ainda claro que os depoimentos prestados por “todas as testemunhas de defesa” não lhe mereceram qualquer credibilidade, considerando que os mesmos contradizem a prova documental apresentada em julgamento e que, relembrou, dão nota da falta de limpeza, pessoal médico e auxiliares, alimentação inadequada, falta de cuidados básicos de higiene — como os banhos ou muda da fralda apenas duas e por vezes três vezes ao dia — num incumprimento do próprio regulamento da instituição.

O MP sublinha ainda que o espaço físico e os equipamentos estavam degradados e relata que aquando das buscas foram encontrados idosos “amarrados” às camas sem que se conhecessem qualquer indicação clínica para tal. Refere ainda que ao fim de semana, altura em que não tinham apoio médico, os utentes eram transportados ao hospital sem qualquer acompanhamento, estando em vários dos casos relatados, desorientados e dependentes.

Tiago Rodrigues Bastos, advogado de defesa de José Moura e Marta Soares, começou por lembrar ao tribunal que os arguidos prestaram serviço n’O Lar do Comércio 30 e 20 anos, respetivamente.

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Pedindo respeito ao MP que pediu pena de prisão efetiva para os arguidos, o advogado de defesa alegou que o procurador fez a descrição de um quadro técnico da instituição, esquecendo que as Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas são altamente “reguladas”, pelo que não cabe ao MP assumir esse papel, que cabe a entidades como a Segurança Social.

Tiago Rodrigues Bastos sublinhou ainda que a perícia médico-legal conclui que não foi colocada a saúde dos utentes em risco ou identificadas queixas ou testemunhos de abusos.

O advogado, que não se quis debruçar sobre os factos constantes da acusação, afirmou que mesmo que haja “uma situação ou outra que correu ‘menos bem’” ou que não tenham sido cumpridos os rácios impostos pela lei quanto ao número de enfermeiros, daí não resulta nenhuma ilegalidade e mesmo que resultasse, “outra coisa são maus-tratos”.

Acusando o procurador de não fazer qualquer referência às normais legais, Tiago Rodrigues Bastos questiona porque, estando perante um órgão colegial, como é o da instituição, não estão acusados todos os elementos da direção, e a diretora técnica, em vez da diretora de serviços que não tinha qualquer poder.

A defesa alega ainda que o lar não tinha dever de garante, com alega o MP, pedindo que o tribunal absolva os dois arguidos.

Também o advogado Nuno Pimenta, que representa a instituição, pediu ao tribunal a absolvida da mesma, considerando que a acusação tal como está feita cai perante os testemunhos apresentados.

Nuno Pimenta considera que, apesar de ainda não existir qualquer decisão judicial, que O Lar do Comércio “já foi condenado”, ainda antes de serem apreciados os factos. E questionou onde está a presunção de inocência.

O advogado questiona também as responsabilidades de outros elementos do lar que não estão acusados no processo, nomeadamente de testemunhas chamadas pelo MP.

Lembra ainda que o último relatório da Segurança Social releva que “algo está diferente na instituição” e defende que este facto também deve ser apreciado pelo tribunal.

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Zélia Leal Pinto, assistente no processo em representação de familiares de uma ex-utente, contestou a decisão do MP, pedindo que no caso da sua constituinte, os arguidos fossem condenados pelos crimes de que vinham acusados, considerando que ficaram provados os factos descritos e que resultaram na morte da utente.

O Tribunal de Instrução Criminal de Matosinhos pronunciou (decidiu levar a julgamento) o antigo presidente da direção, a ex-diretora de serviços e a própria IPSS, em abril de 2022.

Na acusação o MP sustenta que, entre janeiro de 2015 e fevereiro de 2020, os arguidos “violaram os deveres inerentes aos cargos que ocupavam” e atuaram com a consciência de que as suas condutas resultariam na falta de cuidados na saúde, na higiene, na alimentação, na atenção, nos afetos, no entretenimento e socialização” dos residentes acamados.

A leitura da sentença está agenda para 19 de março às 09h30.