O Tribunal de Matosinhos anulou as deliberações da Assembleia-Geral do Lar do Comércio onde foi aprovada a venda de património avaliado em seis milhões de euros, considerando não ser aceitável que 2.508 sócios tenham sido impossibilitados de votar.

Na sentença a que a Lusa teve acesso, o tribunal considera que “era exigível” ao Lar do Comércio que adiasse a data da assembleia, ainda que o motivo que levou à alteração da forma de realização daquela reunião magna não lhe possa ser imputável.

Na ação, cujo julgamento teve início em 6 de junho, a autora, uma associada e ex-funcionária da instituição, alegava não ter sido avisada de que, por determinação das autoridades de saúde, a reunião magna seria realizada numa outra data e por meios telemáticos e à distância, impossibilitando a sua participação.

“Sabe-se que, para além da autora, os mais de dois mil e quinhentos sócios ficam impossibilitados de assistir, participar e votar. Não puderam tomar conhecimento do que aí foi dito. O que não é aceitável, acarretando a invalidade de tudo quanto aí foi falado, discutido ou votado”, entendeu o tribunal que julgou procedente a ação.

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Na Assembleia-geral de 25 de setembro de 2021 estiveram presentes 77 sócios, dos quais 44 fisicamente no local da reunião e 33 via “Zoom”, tendo a proposta de alienação destes prédios sido aprovada por unanimidade. Em causa está um conjunto de 14 prédios situados nas freguesias do Bonfim, Campanhã, Lordelo do Ouro e Massarelos e União de freguesias do Centro Histórico, no Porto, e nas localidades de Rio Tinto, Valbom e Jovim, em Gondomar.

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Na opinião do Tribunal, a ré Lar do Comércio deveria ter adiado a assembleia para uma data posterior e convocar a totalidade de todos os seus associados, “não os impedindo, como impediu, de a ela atender e assistir”, pelo que se conclui “por verificada a irregularidade apontada pela autora”, cujo tribunal considerou como legítima.

Entendeu ainda a magistrada que, embora a autora não tivesse as quotas em dia à data da assembleia, como ficou provado, esta poderia tê-las pagado de véspera ou no próprio dia, ou, caso não as pagasse, sempre poderia assistir e tomar conhecimento direto, pelo declara anuladas as deliberações tomadas na assembleia geral ordinária da ré realizada em 25 de setembro de 2021.

Na primeira sessão de julgamento em 6 de junho, o presidente da direção, António Bessa, afirmou não ter havido “interesse” por parte da Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) de impedir a participação dos associados na assembleia em que foi discutida e aprovada a alienação deste património.

A dias do início do julgamento a 6 de junho, o Lar do Comércio publicou, no Jornal de Notícias de 24 de fevereiro, um edital publicitando a venda, pelo valor base de 365 mil euros, de um imóvel na Avenida da Boavista que integra a listagem de prédios constante da deliberação que agora foi anulada por decisão do tribunal.

A venda deste imóvel concretizou-se no passado sábado com abertura de propostas, ignorando os avisos de um grupo de associados que, presentes no local, alertaram para a “irresponsabilidade” de alienar um prédio cuja legitimidade de venda ainda estava a ser apreciada pelo tribunal.

À Lusa, o advogado da autora, Vítor Simões, congratulou-se com a decisão que dá razão à pretensão dos associados que queriam travar a venda deste património, ressalvando, contudo, que pode ainda haver lugar a recurso, uma vez que a decisão não transitou em julgado.

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Questionado sobre a venda do imóvel constante da deliberação agora anulada pelo tribunal, o advogado explicou que pode haver dois caminhos: ou pedir a nulidade da mesma ou judicialmente assacar responsabilidade à direção sobre esta decisão. A Lusa tentou uma reação por parte do Lar do Comércio, mas até ao momento sem sucesso.