Sempre que tem uma ação, exceção feita quando visita Casas do FC Porto, a candidatura de André Villas-Boas tem uma “vantagem”: diz sempre ao que vai. Foi assim no primeiro espaço de “Conversas à Moda do Porto”, quando contou com três antigos campeões europeus para falarem do clube. Foi assim nos momentos em que apresentou os dois líderes à Mesa da Assembleia Geral (António Tavares) e ao Conselho Fiscal e Disciplinar (Angelino Ferreira). Foi assim nas segundas “Conversas à Moda do Porto”, com ex-jogadores e treinadores de cinco modalidades para explicar o que representam os clássicos frente ao rival Benfica. Foi assim quando anunciou José Pedro Pereira da Costa como CFO. Agora, o antigo técnico dos dragões iria abordar o Relatório e Contas consolidado da SAD com o “seu” administrador financeiro.

“O FC Porto é dos sócios, não é um quintal de ninguém”, aponta Villas-Boas, entre críticas e respostas a Pinto da Costa

A parte económica e financeira tem sido o principal fator de cisão entre Villas-Boas e Pinto da Costa. Da parte do atual elenco liderado pelo presidente dos dragões há mais de 40 anos, as duas ideias base foram claras e, podendo ganhar formas diferentes, balizaram todo o discurso: 1) o acordo feito com a Legends e a Sixth Street permite colocar a sociedade em terreno positivo a nível de capitais próprios, equilibrando aquilo que é o cenário macro da sociedade a troco de uma participação na Porto Comercial; 2) a obtenção de lucro ou bons resultados financeiros não satisfaz por si só adeptos que querem resultados desportivos. Do lado da candidatura do antigo técnico, outras duas ideias emergiram em todas as intervenções: 1) aquilo que o FC Porto conseguiu ganhar e o legado de Pinto da Costa deve ser sempre salvaguardado; 2) se o clube e a SAD mantiverem esse rumo correm o risco de entrar num cenário de ponto sem retorno para o clube.

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“Continuo a perguntar: querem mudar para quê? Querem perder? Se quiserem, mudem”, questiona Pinto da Costa

“O clube aparenta ser um quintal, com a galinha dos ovos de ouro que serve alguns, enquanto o futuro está cada vez mais hipotecado. O degradar da situação financeira é o resultado de gestão gasta, de comunicação ligada ao passado, vivendo de guerrilhas que afetam o crescimento. 85% dos associados do FC Porto estão em três distritos: Porto, Braga e Aveiro. No centro e no sul resistem só os bravos. Estamos parados no tempo e ao sabor do vento. Hoje fala-se em dívidas, passivo, processos, saídas a custo zero e de terceiros a lucrarem indevidamente com o clube, sempre a coberto de uma ausência de transparência cada vez mais evidente”, apontara Villas-Boas na apresentação de José Pedro Pereira da Costa como CFO.

Clube como quintal com galinha dos ovos de ouro para alguns, gestão gasta, comunicação do passado: o discurso mais crítico de Villas-Boas

Agora, o antigo treinador procurava esmiuçar os resultados apresentados no primeiro semestre de 2023/24 para mostrar que esses 35 milhões de lucro não passavam de uma espécie de operação cosmética tendo em conta que levaram a que a sociedade cedesse parte da Porto Comercial nesse acordo, destacando algo falado por alguns apoiantes da sua candidatura nas redes sociais que é o impacto das receitas antecipadas no futuro a médio prazo dos azuis e brancos. E a sessão, iniciada por Villas-Boas com uma pequena introdução e mais algumas notas sobre as ações que estão previstas para as próprias semanas, girou sobretudo à volta de José Pedro Pereira da Costa, que através de vários slides de power point foi fazendo outra “análise”, entre as receitas que caem no segundo semestre porque em condições normais não há tantas verbas via Liga dos Campeões, a operação de reavaliação do Estádio descrita como “operação meramente de cosmética nos números” e o acordo que foi feito também com a sociedade EuroAntas ainda na temporada de 2024/15.

35 milhões de lucro no semestre, a passagem para capitais próprios depois do dinheiro da Champions: FC Porto SAD apresenta contas

“Para cumprir as regras de fair play financeiro junto da UEFA, a FC Porto SAD precisava, em 31 de dezembro de 2023, de reduzir 10% os capitais próprios negativos de 31 de dezembro de 2022. Esta operação de reavaliação está excluída para efeitos de regras UEFA. Os lucros apresentados no final desde primeiro semestre não eliminam os resultados líquidos negativos acumulados nos últimos dez anos. Após  a reavaliação do estádio, a dívida financeira permanecerá no mesmo valor”, apontou Pereira da Costa.

De seguida, o CFO da lista de André Villas-Boas apresentou as soluções apresentadas para o futuro, descritas como “Caminhos para a viabilidade financeira”: 1) uma gestão rigorosa, com um novo modelo operacional, a renegociação de contratos com fornecedores, maior controlo de custos, otimização de ativos, transformação digital e uma “redução drástica” com os custos administrativos; 2) potenciação das receitas operacionais, através de sponsors, direitos televisivos, expansão internacional da marca, participação nas competições europeias, maximização da bilhética e da hospitality e parcerias estratégicas; 3) geração de resultados por valorização de ativos, com maior aposta na formação, planeamento a curto, médio e longo prazo, reforço das competências do scouting e redução dos custos associados a compra e venda de passes.

35 milhões de lucro no semestre, a passagem para capitais próprios depois do dinheiro da Champions: FC Porto SAD apresenta contas

Neste último aspeto, José Pedro Pereira de Castro comparou o FC Porto com o “Rival 1” (que se percebia de forma rápida ser o Benfica) e o “Rival 2” num parâmetro em específico: o total das vendas deduzindo depois aquilo que está a ser amortizado pelo investimento e demais comissões. Conclusão? Olhando para as últimas seis temporadas, os azuis e brancos acabaram por ter esse lucro “limpo” de apenas 11% dos mais de 490 milhões de euros recebidos, bem abaixo dos encarnados e dos leões (que aí estão acima dos 40%). Após essa apresentação, o antigo administrador da NOS deixou mais questões, nomeadamente operações feitas por um elenco que deveria estar em gestão corrente por se encontrar a dois meses de um sufrágio eleitoral como a antecipação de receitas dos direitos televisivos ou a venda de parte da sociedade Porto Comercial.

O espaço seguinte do evento seria uma sessão de perguntas e respostas aos órgãos de comunicação social, que no final teve também duas questões de associados portistas que estavam na sala. Aí, contas à parte, Villas-Boas voltou a criticar de forma aberta Pinto da Costa em vários temas, da resposta às “farpas” enviadas pelo atual líder aos comentários sobre 2010/11, passando pelo projeto da Academia.

“Continuamos ativos e esperamos mostrar o conceito do nosso projeto ainda este mês ou em abril. Estamos à espera de uma reunião com a APA para ver se temos a mesma leitura relativamente a uns cursos de água no terreno, em princípio não haverá problema. Para nós é Gaia que faz mais sentido em termos logísticos e de custo de operação. É um terreno que vai permitir cinco campos de futebol, mais o hotel de estágio e um pavilhão para as modalidades, além de uma bancada de apoio. Prevemos uma execução de obra dentro de dois anos e teremos de nos lançar no financiamento. Estamos muito confiantes que esta é a melhor solução. A Maia não passa de uma utopia e de um chorrilho de mentiras, não há máquinas em andamento, era uma promessa de Pinto da Costa. Torna-se cada vez mais evidente que esta solução em Gaia poderá ser uma realidade, vamos continuar a trabalhar sobre ela”, apontou, entre críticas também à forma como a atual Direção, em gestão corrente, foi tomando decisões estruturantes: “Isso prevarica moral e eticamente”.

“Críticas de Pinto da Costa à minha candidatura sobre direitos televisivos? “É difícil de responder sem prevaricar com o presidente, é demasiado fácil desmentir e é incómodo chegar a este ponto. Tentei marcar a candidatura pela positiva, numa partilha de ideias e comunhão de um bem comum. Pessoas do seu entorno estiveram envolvidas em comissões no negócio Altice. Pessoas ligadas à lista estão vinculadas à proposta da centralização dos direitos da Liga. O FC Porto tornou-se num entreposto de negociações com agentes com ligações privilegiadas ao clube. Isto é demasiado fácil de desmentir. É o próprio que tem de esclarecer porque estão as pessoas envolvidas. É uma guerra suja na qual não quero entrar, espero que levemos o bom nome do FC Porto daqui para a frente, em vez de entrarmos num chorrilho de mentiras que não beneficiam o FC Porto”, referiu sobre os comentários do atual presidente sobre as ideias de Villas-Boas em relação a um aproveitamento e potencial de benefício de terceiro na centralização dos direitos televisivos.

Mais tarde, o antigo treinador e candidato falou também do impacto que os bons resultados da equipa de futebol podem ter no resultado eleitoral. “Contra mim nunca joga, somos portistas e queremos o bem do clube. Queremos o Campeonato, a Champions, a qualificação para os quartos de final. Felizmente, o Sérgio Conceição tem mantido a equipa determinada e concentrada. O FC Porto acumulou 250 milhões de euros de passivo em 12 anos, daí eu projetar que serão precisos 12 anos para reformatar. É um desafio que tem de passar pela parte desportiva, método de centralização na formação, um gabinete de performance preocupado em melhorar os ativos, um scouting rigoroso, uma seleção de talentos que faça sentido… A minha grande mais valia está relacionada com a parte desportiva, tenho ampla experiência. Serei sempre um presidente preocupado em suportar todas as estruturas que envolvem a parte desportiva, que o FC Porto possa lutar imediatamente”, apontou, ouvindo uma salva de palmas no início da resposta.

“Continuo a perguntar: querem mudar para quê? Querem perder? Se quiserem, mudem”, questiona Pinto da Costa

Por fim, e contando até um episódio neste último encontro em que o FC Porto goleou o Benfica por 5-0, André Villas-Boas voltou a deixar uma “farpa” a Pinto da Costa sobre os feitos conseguidos como treinador dos azuis e brancos em 2010/11 com a conquista de Campeonato, Taça de Portugal, Supertaça e Liga Europa antes da saída para o Chelsea. “Esses 5-0 de 2010/11 tocaram-me emocionalmente esses 5-0 e estava muito desejoso de empurrar a equipa para o 6-0, por já ter vivido os 5-0 do António Oliveira [para a Supertaça, na Luz]. Acho que estes foram especiais para mim porque levei o meu filho e ficou em êxtase. Ele levou um amigo benfiquista pequenino e fartou-se de gozar com ele. São vivências que ocupam um espaço muito importante no meu coração, vivi estes de forma muito mais intensa a nível pessoal. A equipa de 2010 era uma máquina trituradora e ficará para sempre marcada na memória dos portistas, por muito que o presidente queira fazer esquecer”, comentou o agora candidato à liderança dos dragões.