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Da'Vine Joy Randolph: o dia seguinte para a Melhor Atriz Secundária

A interpretação de Mary Lamb em "Os Excluídos" valeu-lhe o primeiro Óscar aos 37 anos. Para o papel aprendeu a fumar e passou pelas cinco fases do luto. Estreou-se num musical mas quer muito mais.

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"Sempre quis ser diferente, mas agora percebo que só quer eu própria", disse a atriz

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"Sempre quis ser diferente, mas agora percebo que só quer eu própria", disse a atriz

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Era suposto estar a viver o momento mais empolgante da carreira, ao interpretar um dos papéis principais da produção de Ghost na Broadway, mas as coisas não estavam a correr como Da’Vine Joy Randolph tinha sonhado. Tinha perdido a voz e não conseguia, de forma nenhuma, voltar a tê-la a 100%. Sentia-se deprimida, perdida e uma piada de mau gosto. Certo dia desse ano de 2012, entrou num café banal da rua 49, em Nova Iorque. “Estava tão perdida nos meus pensamentos que não percebi que o Al Pacino estava a três mesas de distância. Ao longo da refeição os nossos olhos cruzavam-se, acenávamos educadamente e voltávamos aos nossos pensamentos”, contou numa publicação que fez no Instagram no final de 2019.

Quando estava de saída, o ator veterano convidou-a a sentar-se na mesa dele e ouviu as preocupações dela como “um velho amigo”. Depois, disse-lhe: “Ao subirmos a escada desta coisa a que chamamos vida, temos visibilidade do que está no horizonte. […] Vais perder pessoas e coisas pelo caminho e dói, mas é assim mesmo. Mas, a beleza é que, enquanto estás na escada, o real vai sempre reconhecer o real e vai alinhar-te com as pessoas e as oportunidades certas”.

12 anos depois, tudo parece estar alinhado para a atriz de 37 anos, que acaba de vencer o Óscar de Melhor Atriz Secundária graças à interpretação de Mary Lamb em Os Excluídos.

É vista como a revelação do ano, mas já anda no meio há mais de uma década e no currículo tem vários projetos conhecidos. Antes de percorrer a lista, é preciso esclarecer a forma correta de pronunciar o nome dela. Da’Vine (lê-se “deiváine”) Joy Randolph foi assim batizada pelos pais, Joyce e Michael, por ter sido uma “divine joy (alegria divina)” o seu nascimento a 21 de maio de 1986 — há sete anos que o casal tentava ter filhos.

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Cresceu em Mount Airy, Filadélfia, onde brincava na rua a toda a hora, como qualquer miúdo dos anos 90. “Havia uma carrinha de gelados que passava por lá. Tinha uns granizados e uns pretzels de queijo muito bons. Mas, problema: passava sempre por volta das 17h, antes do jantar. Era o maior pesadelo dos pais”, recordou numa entrevista à Phily Mag.

Adorava ir a museus, como o Art Museum e o Please Touch Museum, e, apesar de viver agora em Los Angeles, continua a ir a casa durante as épocas festivas para estar com a família (tem também uma irmã mais nova) e a ser a adepta dos Eagles (equipa de futebol americano).

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Queria ser cantora desde cedo e, quando foi para a Universidade Temple, foi para estudar Ópera e Performance Vocal Clássica, vertente que surgiu de forma curiosa.

“Conheci uma mulher num concerto de Natal da igreja. Eu não queria realmente cantar ópera mas ela viu algo em mim. Começou a contar-me que as cantoras de ópera viajavam pelo mundo, eram amadas e elogiadas, os homens suspiravam por elas, e havia os vestidos… Eu pensei: ‘Inscrevam-me, é o trabalho para mim!”, contou ao The Guardian.

No primeiro ano em Temple acabaria por mudar para Teatro Musical. Seguiu-se a Yale School of Drama, onde terminou um mestrado, e na Universidade de Oxford, Inglaterra, passou um verão a estudar Shakespeare.

Yale foi a sua primeira verdadeira audição porque “era um bebé, não sabia nada de representação”, confidenciou ao podcast Acting Up with Cortney Wills. A cada duas semanas ia ao gabinete do diretor e chorava. Tinha medo se ser um estereótipo. “Isso assustava-me. O facto de ser uma mulher negra e curvilínea era, de alguma forma, uma maneira de não ser levada a sério”, disse. Sentia que só lhe estavam reservados ”papéis cómicos ou ser o objeto da piada”.

Em 2011 fez um casting para ser atriz substituta no espetáculo da Broadway, Ghost: the Musical, subindo apenas ao palco se houvesse algum contratempo com a atriz que deveria interpretar Oda Mae Brown. Os produtores perceberam logo que seria um desperdício e ofereceram-lhe o papel — com o qual viria a ser nomeada para um Tony, os prémios mais importantes do teatro nos EUA. A produção só teria início em 2012 mas, na versão que já estava em cena em Londres, a protagonista lesionou-se e a produção meteu Da’Vine num avião para salvar a situação. A sua estreia acabaria por acontecer na capital inglesa, antes de se estabelecer em Nova Iorque.

Dois anos mais tarde estreou-se no cinema, em Mother of George. Em televisão passou por SelfieThe Good WifeLife in PiecesVeepHigh Fidelity e The Idol. Desde 2021 tem um papel recorrente em Only Murders in the Building, como a detetive Williams.

The Idol foi uma série controversa, mas a decisão para fazer parte do projeto foi simples. “Demoro muito tempo a olhar para os argumentos, os papéis. O motivo para ter feito The Idol foi para me manter o mais diversificada possível. As pessoas que admiro, relativamente às oportunidades que têm de representar, são predominantemente mulheres brancas. E, deixem-me ser muito clara, o que vejo é diversidade [nas escolhas]”, explicou ao site Yahoo.

No cinema, os elogios chegaram com Chamem-me Dolemite (2019), que lhe valeu nomeações para diversos prémios. Quando surgiu a reunião com Alexander Payne (responsável por Os Excluídos), terminou o encontro a perguntar ao realizador que outros trabalhos tinha feito que ela pudesse ter visto. Os DescendentesSidewaysNebraska — afinal, tinha visto tudo, só não associava a cara aos nomes.

"Quero uma carreira, quero criar um legado. Quero ser contratada com cinco anos de antecedência com trabalhos fortes, não quero lutar por restos"

A ação de Os Excluídos decorre nos anos 70, num colégio interno. Durante as férias do Natal, todos rumam às suas famílias, ficando para trás um professor rabugento, Paul Hunham (interpretado por Paul Giamatti); um aluno problemático, Angus (Dominic Sessa); e a responsável da cantina, Mary (Randolph), uma mulher de luto pelo filho, morto na guerra do Vietname. Rejeitados, à margem da sociedade, três almas perdidas nas respetivas dores, acabam por encontrar apoio e esperança neste trio improvável.

Para se preparar para o papel, Da’Vine Joy Randolph seguiu as cinco fases do luto (negação, raiva, negociação, depressão e aceitação). “Foi o que usei como guia. Sabia que era uma personagem com a qual algumas pessoas se iriam identificar e talvez pudessem usá-la para se curarem ou se sentirem vistas. Quis certificar-me de que cumpria essas etapas e depois deixava a personagem seguir a sua jornada. Decidi desde o início que este papel ia ajudar pessoas e que eu precisava de ser suficientemente corajosa para passar por tudo isto para bem dessas pessoas”, contou à Philly Mag.

Não tem falas muito extensas, nem precisa. O peso da dor e do vazio estão depositados no olhar. É a personagem mais contida do trio principal, é frágil mas nunca perde o instinto de ser a cuidadora, mesmo depois das perdas pessoais. Representa a dor individual, mas também um período negro nos EUA onde muitas famílias perderam irmãos, filhos, maridos.

“É provavelmente um dos períodos mais sombrios da América. Soube muito cedo que teria de me proteger. Quando terminámos, eu terminei. Cozinhar é terapêutico para mim, portanto eu cozinhava. Tentava conectar-me com a minha família nessa altura, fazia o que pudesse para ter de volta algum sentido de normalidade”, recordou ao The Guardian.

No filme, pediu ao realizador para ser ela própria a fazer alguns dos pratos preparados pela personagem. Ovos mexidos, papas de aveia e o menu de Natal — esteve literalmente com a mão na massa e teve ajuda da produção da série Julia (sobre a chef Julia Child), com quem trocou “ideias e receitas de nerds”.

Teve de aprender a fumar para o papel. Experimentou várias marcas e, quando achava que podia ficar viciada, trocava para outras. Depois perguntava a pessoas que fumavam se parecia real. A melhor conselheira? “Bette Davis!”, revelou no programa Late Night With Seth Meyers.

Não é capaz de ver as próprias cenas e só assistiu a Os Excluídos porque não teve escolha. “Obrigaram-me. Disseram-me: Vai para a sala de exibição, está tudo pronto. Tens de ir. Se não, o que vais dizer quando fores entrevistada?’ […] Sentei-me e vi, mas foi muito desconfortável”, explicou ao The New York Times.

A preparação serviu-lhe para a apoteótica temporada de prémios. Recebeu o Golden Globe, o Bafta, o Critics Choice e o SAAG, entre outros. Com eles abriu caminho para o Óscar. Os discursos, que leva escritos em pequenas folhas brancas dobradas, são rabiscados na hora antes das cerimónias — e só por insistência da equipa que a acompanha, “por causa dos nervos”.

“Comecei como cantora. a minha mãe disse-me ‘há alguma coisa para ti’. Agradeço a toda a gente. Sempre quis ser diferente, mas agora percebo que só quer eu própria. Rezo a Deus para que possa fazer isto mais vezes”, disse esta madrugada em Hollywood ao aceitar o Óscar de Melhor Atriz Secundária.

Em janeiro, após receber a nomeação, disse ao Buzzfeed: “Não sei quando são os Óscares mas, seja qual for o dia seguinte, não quero que seja do estilo ‘ok, isto foi giro’. Quero que tenha algum poder de permanência. […] Quero uma carreira, quero criar um legado. Quero ser contratada com cinco anos de antecedência com trabalhos fortes, não quero lutar por restos”.

Para Da’Vine Joy Randolph, o “dia seguinte” começa agora.

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