Um veterano capitão do exército adquire ao seu governo um pedaço de terra numa região inóspita do país, para lá construir uma propriedade, cultivar o solo e atrair colonos. Além das dificuldades com a terra árida, uma meteorologia ingrata, os bandidos que rondam pela zona e a falta de ajuda, o militar tem também que se haver com um rico, poderoso e sádico proprietário local, e igualmente juiz da comarca, que maltrata e viola impunemente as suas criadas e brutaliza até à morte os rendeiros, e que a bem ou a mal, quer acrescentar a propriedade daquele às suas já vastas terras. Primeiro, tenta comprá-lo, e perante a recusa firme deste, recorre à violência.

Assim contado, A Terra Prometida, de Nicolaj Arcel, parece um western dos anos 40 ou 50, com Gary Cooper ou Gregory Peck no papel principal. Só que o filme é dinamarquês, baseado num livro de 2020 da escritora Ida Jessen, por sua vez inspirado numa história real ocorrida no século XVIII, e feito em regime de co-produção entre a Dinamarca, a Suécia, a Noruega e a Alemanha. Se tivesse sido rodado nas décadas de 80 ou 90, A Terra Prometida seria um típico “europudim” dessa altura, uma fita vistosa, romanesca e grandiloquente, unindo os esforços de um punhado de países europeus para contrapor às superproduções de Hollywood. Tal como se apresenta, A Terra Prometida é um inusitado anacronismo, uma grande produção europeia feita sobre uma matriz narrativa americana (foi escolhido para representar a Dinamarca na seleção à nomeação ao Óscar de Melhor Filme Internacional).

[Veja o “trailer” de ‘A Terra Prometida’:]

A história do filme é construída sobre personagens-tipo, situações feitas, sobressaltos narrativos e lances românticos que denunciam ter como base um best-seller formatado para o grande público e que se transfere com facilidade para o grande ecrã. É tudo familiar, a começar no herói duro e impassível, lacónico e estóico, mas de bom coração, interpretado por Mads Mikkelsen; e a acabar no vilão tão disparatadamente cruel (vivido com saborosos requintes de malvadez, seja dito, por Simon Bennenbjerg) que tomba na pantomima, passando por toda a sorte de coadjuvantes estereotipados e pelas múltiplas peripécias, todas previsíveis à distância. Até mesmo o final menos róseo acaba por ser também ele estereotipado, pela inversa.

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[Veja uma cena do filme:]

Nicolaj Arcel, que tem no seu currículo fitas históricas como Um Caso Real (2012) ou uma pavorosa adaptação rodada nos EUA de A Torre Negra (2017), de Stephen King, mostra bom ofício cinematográfico. Só que o faz num filme ajoujado de lugares-comuns, povoado de personagens de contraplacado e cola, e longo demais, como boa parte dos que se fazem hoje. Quem se aguenta de pé do princípio ao fim, firme e tenaz, austero e imperscrutável, é Mads Mikkelsen no papel do capitão Ludvig Kahlen, o homem a quem não há mal que não lhe aconteça mas não verga nem quebra.

Quer faça de odioso ou de herói, Mikkelsen, com a sua presença silenciosamente intimidante, o seu fácies que parece talhado e martelo e escopro por um escultor tosco, a voz grave de aguardente e a parcimónia franciscana na representação, que denuncia um ator de grande interioridade na sugestão e na expressão, é sempre uma mais-valia em qualquer filme em que entre. Até mesmo num pastelão europeu com enchimento de western como A Terra Prometida.