A seis dias do fim do prazo, as unidades de saúde privadas (clínicas, laboratórios ou centros de diálise) que têm convenção com o SNS e que usam o Sistema de Pagamento a Convencionados temem o pior. Se nada for feito, este sistema — que permite uma maior estabilidade nos pagamentos do SNS — será interrompido a 1 de abril, colocando mais de 250 pequenas e médias unidades em risco, e, com isso, a resposta às populações. No entanto, o Ministério da Saúde garante que o sistema de pagamentos continuará operacional e fala numa “transição programada” para as Unidades Locais de Saúde.
Em Portugal, a maioria das unidades de prestação de cuidados de saúde que têm protocolo estabelecido com o SNS — os chamados convencionados — adotou o Sistema de Pagamento a Convencionados, um regime que permite, desde 1997, que os pagamentos sejam feitos de forma mais previsível e regular, e que conta com o envolvimento da banca. Na prática, os convencionados recebem os valores referentes aos serviços prestados, num determinado dia de cada mês e apenas, em média, 12 dias após a entrega da fatura. O pagamento é feito pelas instituições bancárias, que, por sua vez, recebem as verbas do SNS.
Convencionados do SNS dizem que sistema de pagamento deixará de funcionar em 31 de março
Demora na transição para as novas ULS pode comprometer sistema de pagamento
Ora, é este sistema que pode estar em causa a partir de 1 de abril, com a extinção das Administrações Regionais de Saúde (ARS — o ‘braço’ do Ministério da Saúde que coordenava os pagamentos aos convencionados) e a transição dos procedimentos para as recém-criadas Unidades Locais de Saúde. A Federação Nacional dos Prestadores de Cuidados de Saúde (FNS), que representa os convencionados, alerta que a adesão ao sistema por parte das ULS não está confirmada, o que pode colocar em causa o funcionamento das unidades de análises e exames um pouco por todo o país.
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“As ULS não se prepararam para trabalhar com o sistema, logo, não está assegurada a continuidade. Não sabemos qual é a opção do Ministério da Saúde. Esta indefinição é motivo de muita preocupação“, diz ao Observador o secretário-geral da FNS, António Neves. Se o sistema não for operacionalizado junto das ULS até 31 de março, deixará de funcionar em abril. Na verdade, as ULS já têm, desde 1 de janeiro (quando foram criadas), a responsabilidade de gerirem o sistema de pagamento a convencionados. No entanto, foi publicada uma circular que, na prática, permite que as ARS continuem a gerir a faturação vinda dos convencionados. Acontece que a extinção das ARS — pré-anunciada há meses — concretizou-se no dia 21 de março, em Conselho de Ministros, o torna inadiável a transição do sistema para as ULS.
No entanto, essa transição pode não ser concluída a tempo, teme António Neves. “Não temos nenhum dado que nos tranquilize, antes pelo contrário”, sublinha o responsável, adiantando que, numa reunião, o secretário de Estado da Saúde, Ricardo Mestre, garantiu à Federação Nacional dos Prestadores de Cuidados de Saúde que “os pagamentos seriam feitos a tempo e horas”, mas sem explicar como. “Fizemos vários pedidos de informação e só há duas semanas é que o secretário de Estado nos informou que estaria a ser pensada uma nova solução e que não iria haver atrasos. Não lhe consigo dizer qual é a solução, não a conhecemos”, lamenta António Neves.
Setor teme “consequências catastróficas”. Ministério da Saúde garante “transição programada”
Para o responsável da associação que representa os convencionados, “estão todas as condições reunidas para que algo, que estava a funcionar bem, possa agora estar comprometido“. Sem um pagamento regular, a sustentabilidade de muitas unidades pode ficar em causa, diz António Neves, que admite “consequências catastróficas”, tanto para o setor, como para os utentes. Se, por um lado, as unidades de maior dimensão têm capacidade financeira para se adaptarem no curto prazo a uma eventual interrupção do sistema de pagamento, as unidades de pequena e média dimensão (a maioria das que trabalham com o sistema) sentirão maiores dificuldades, o que pode prejudicar os serviços prestados às populações, particularmente em zonas mais despovoadas.
“As unidades não aguentam dois, três ou quatro meses sem receber os pagamentos. Para empresas que têm pagar aos trabalhadores e cumprir com o pagamento dos impostos… Pode haver um risco para a sustentabilidade das unidades. Muitas podem ficar em risco“, avisa António Neves. Ao todo, há 251 unidades que trabalham com o sistema de pagamentos a convencionados e que empregam entre três a quatro mil pessoas. Só em 2023, prestaram mais de 50 milhões de atos, em áreas como a Imagiologia (TAC, ecografias, ressonâncias), Medicina Física e Reabilitação, Gastroenterologia (endoscopias, colonoscopias), Cardiologia ou Análises Clínicas.
O desaparecimento das pequenas unidades de convencionados (muitas não trabalham com seguros de saúde) iria não só diminuir a oferta de cuidados às populações como propiciar a concentração do setor, teme o secretário-geral da FNS. “Os mais pequenos acabam por desaparecer e as maiores absorvem e ocupam espaço. O que se vai traduzir em menos oferta para os utentes, nomeadamente nas zonas mais despovoadas, onde as grandes grupos não têm interessem em investir”, diz António Neves.
Questionado pelo Observador quanto à continuidade do sistema de pagamento a convencionados, o Ministério da Saúde refere que “está em curso uma atualização do sistema de pagamentos a convencionados, que fica agora centrado nas ULS” e garante que “não está em causa qualquer interrupção do sistema”. A tutela adianta que está a ser feita uma “transição programada, com vista à melhoria da eficiência deste sistema e à melhoria dos resultados financeiros para o Estado e para os fornecedores”, embora não adiante quando é que essa transição poderá ficar concluída. Aliás, a pergunta sobre se o sistema continuará operacional a 1 de abril ficou sem resposta.