Além dos portos de Leixões e de Setúbal, a rede de tráfico de droga que começou agora a ser julgada no Tribunal Central Criminal de Lisboa, também fazia negócio através do aeroporto de Lisboa. Há 19 arguidos neste processo, incluindo Rubén Oliveira, conhecido por ‘Xuxas’ e principal arguido, mas há ainda suspeitos que não foram identificados pelas autoridades. Ouvido como testemunha esta sexta-feira, na terceira sessão do julgamento, o inspetor da Polícia Judiciária Tiago Manaia explicou que Rúben Oliveira tinha informações do interior do aeroporto, uma vez que recebia mensagens — que incluíam fotografias e vídeos — com informações das movimentações que aconteciam dentro do aeroporto. No entanto, os remetentes das mensagens trocadas através da aplicação EncroChat não são conhecidos. “Há indivíduos não identificados”, revelou o inspetor.

Caso ‘Xuxas’. Rede trocou 60 mil mensagens para combinar tráfico de droga através da aplicação Encrochat

Das vigilâncias feitas pela PJ, os inspetores conseguiram identificar dois suspeitos que trabalhavam na Portway, empresa de assistência que está no aeroporto de Lisboa, mas estes não chegaram a ser constituídos arguidos. “Foram suspeitos e foram feitas buscas a esses dois suspeitos da Portway”, acrescentou o inspetor Tiago Manaia. A PJ sabe que existem outras pessoas que passavam informações aos arguidos pela análise das mensagens, em que ficou claro que Rúben Oliveira e o seu irmão, Dércio Oliveira, eram os destinatários dessas mensagens.

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Apesar de esta ser apenas a terceira sessão de julgamento, a maior parte dos arguidos que estão em liberdade já não vêm até ao tribunal — estiveram apenas na primeira sessão. Os sete arguidos que continuam presos ouviram esta sexta-feira o inspetor da PJ descrever que Rúben Oliveira viajou até Medellin, na Colômbia, cidade associada ao cartel de Medellin e a um dos maiores traficantes de droga de sempre, Pablo Escobar. De acordo com a acusação do MP, esta viagem aconteceu já depois de terem sido feitas as primeiras detenções no âmbito deste processo e terá servido para negociar com este cartel a importação de oito toneladas de cocaína.

Mensagens nas aplicações utilizadas por grupos criminosos denunciaram rede

Ainda antes da viagem de Rúben Oliveira à Colômbia, a PJ já tinha conseguido o acesso às mensagens trocadas através da aplicação EncroChat, revelou o inspetor da PJ ouvido durante todo o dia desta sexta-feira em tribunal. Aliás, em agosto de 2020, foi intercetada uma mensagem para ‘Xuxas’ com fotografias de um carregamento de droga, com origem no Brasil. A encomenda previa o envio para Portugal de seis malas com 30 quilos de cocaína cada uma. No entanto, as autoridades brasileiras encontraram cinco das seis malas e só uma é que foi enviada para Portugal. O valor, segundo a acusação do MP, rondava os 700 mil euros.

Mas as mensagens não permitiram só a identificação destes 30 quilos de droga. A PJ conseguiu perceber através das aplicação EncroChat e Sky que chegava droga a Portugal também através dos portos de Setúbal, Leixões e Sines. Foi precisamente estas descobertas que o inspetor Tiago Manaia explicou durante a tarde: no fundo, as autoridades perceberam que as mensagens trocadas entre vários elementos do grupo correspondiam aos dias em que foram feitas apreensões nestes portos. “Nas conversas do Sky, verificámos que foi criado um grupo em que estavam a falar de preços e planeamento”, disse em relação à apreensão feita em Setúbal.

E através das mensagens esta polícia percebeu também que eram feitos negócios imobiliários, com o objetivo, refere também a acusação, de lavar o dinheiro que era obtido no negócio da droga. “Há aqui duas figuras centrais: António Freitas e Rúben Oliveira”, disse o inspetor, acrescentando que António Freitas, também arguido, “dava conselhos” sobre as casas que ‘Xuxas’ deveria, ou não, comprar. Parte dos pagamentos eram feitos em dinheiro. “António Freitas auxiliava Rúben Oliveira a fazer chamadas para os agentes imobiliários, que serviam de intermediários. Começámos a perceber que havia aquisição de imóveis e quantidades a ser pagas em dinheiro”, concluiu o inspetor, já no fim das suas declarações, que deverão continuar na próxima segunda-feira, tendo em conta que a sessão desta sexta-feira terminou mais cedo do que o esperado.

Arguido cujo testemunho é fundamental falou na primeira sessão

Este julgamento vai já na terceira sessão e até agora falaram apenas dois dos 19 arguidos e a primeira testemunha ainda não acabou de falar. Um dos arguidos que quis falar foi Gurvinder Singh, que é considerado, aliás, um elemento crucial para sustentar a tese do Ministério Público de que Rúben Oliveira era o cabecilha da rede. Dono de duas lojas e um restaurante, Gurvinder explicou ao coletivo de juízes que conheceu “Xuxas” por este ser seu cliente e porque era sócio de uma pastelaria que ficava na mesma rua de uma das suas mercearias. E disse ainda que foi Rúben Oliveira quem o apresentou ao arguido Luís Ferreira, que foi descrito como vendedor de fruta. “Este senhor vende fruta do estrangeiro e vende a fruta mais barata do mercado”, disse Gurvinder Singh. Os dois, Gurvinder  e Luís Ferreira fizeram vários negócios de compra e venda de fruta, nomeadamente de papaia — o Ministério Público acredita que as encomendas tinham como objetivo disfarçar a droga encomendada.

Foram, aliás, encontradas várias encomendas de papaia, em grandes quantidades, feitas pela empresa de Gurvinder Singh. E a juíza Filipa Araújo quis saber como é que eram feitas estas compras e qual o motivo para quantidades bem acima daquilo que seria suposto para duas lojas e um restaurante. “Quem é que decidia, cada vez que a sua empresa fazia uma importação de papaia, qual a quantidade de papaia?”, questionou. A resposta era sempre a mesma: quem decidia era Luís Ferreira.

Já na segunda sessão de julgamento, esta quarta-feira, foi a vez de ouvir Tiago Manaia, inspetor da Polícia Judiciária, que confirmou os pontos da acusação que resultaram da investigação desta polícia. O inspetor explicou que a rede de tráfico de droga foi identificada a partir de uma apreensão de droga feita no porto de Setúbal e adiantou ainda que os arguidos tinham ligações a Sérgio Carvalho, conhecido como ‘Escobar brasileiro’, tendo este estado em Portugal. Ainda antes de perceberem que esta rede existia, as autoridades apreenderam 400 quilos de cocaína, que chegaram a Setúbal em contentores de ananases. Nessa altura, chegaram então aos nomes de Luís Vicente e Luís Ferreira. A partir daí, surgiram os outros nomes que constam na acusação deduzida pelo MP.

Tráfico de droga. Rúben Oliveira, conhecido por “Xuxas”, quer falar em tribunal, mas não para já

O grupo utilizava a aplicação encriptada EncroChat, tendo a PJ conseguido identificar cerca de 60 mil mensagens trocadas entre vários dos arguidos que tinham como objetivo planear o tráfico de droga. “Estas plataformas operavam no submundo do crime”, acrescentou sobre a aplicação desmantelada em 2020 pela polícia francesa.

Segundo o MP, esta rede de tráfico de droga tinha ligações com grupos de narcotráfico da Colômbia e do Brasil desde 2019 e era destes países que era importada a droga que entrava em Portugal. Esta organização, lê-se na acusação, teria ainda domínio nos portos de Leixões e de Setúbal, o que permitiria a entrada da droga no país, evitando a fiscalização das autoridades. A PJ chegou a fazer apreensões de cocaína nestes portos, estando nestes locais alguns dos arguidos deste processo. Ainda de acordo com a acusação do Ministério Público, a droga entrava em Portugal através de empresas de importação de frutas e de outros bens alimentares, em contentores que chegavam aos portos. Mas este grupo tinha ainda outras formas de atuar e chegaram a trazer, diz o MP, droga dentro de malas, em viagens do Brasil para Portugal.