Era a grande novidade que o Governo tinha preparada para este arranque de ciclo: o Executivo da Aliança Democrática incluiu no seu Programa de Governo “60 medidas” que constavam dos documentos eleitorais com que os outros partidos foram a votos. O objetivo, assumido pelo próprio ministro da Presidência, António Leitão Amaro, é fazer uma operação de charme que permita aguentar o primeiro embate de Luís Montenegro com um Parlamento que lhe será maioritariamente hostil.

“Ouvimos, estamos atentos e percebemos as escolhas dos portugueses. Este é um programa de Governo de mudança, construído com diálogo com base no programa eleitoral da AD, mas procurando acolher mais de 60 propostas dos outros programas de partidos com assento parlamentar”, anunciou Leitão Amaro na conferência de imprensa que se seguiu à aprovação do Programa de Governo e entrega do documento na Assembleia da República.

Desafiado a esclarecer que medidas são essas, Leitão Amaro prometeu fazê-lo nos próximos dias, mas deu alguns exemplos: a redução em 20% da tributação autónoma dos carros das empresas, uma proposta eleitoral dos socialistas, e a manutenção pelo Estado de uma posição maioritária na Agência Lusa, como pretendia o Livre e, numa formulação diferente, também o PS.

O ministro da Presidência deu ainda como exemplos a promoção e a proteção da indústria conserveira, uma bandeira do PCP, e a promoção das práticas das atividades interdisciplinares dos alunos ao ar livre, ideia proposta pelo PAN no seu programa eleitoral.

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De resto, é isso mesmo que consta do preâmbulo do Programa de Governo. Os portugueses pronunciaram-se democraticamente e conferiram a este Governo a legitimidade para governar, cumprindo o seu programa e concretizando os seus objetivos. Contudo, o resultado eleitoral constitui uma responsabilidade para todas as forças parlamentares. O Governo tem a obrigação de, ao longo do seu mandato, apresentar espírito de abertura e de diálogo capazes de acolher posições e contributos positivos e construtivos dos diferentes partidos políticos e de diversas forças cívicas e sociais. Do lado das forças políticas da oposição, a responsabilidade não é menor“, pode ler-se.

“Os superiores interesses de Portugal e dos Portugueses impõem um sentido democrático de colocar o interesse nacional em primeiro lugar e assumir uma postura construtiva, salvaguardando devidamente as posições políticas e ideológicas de cada um. Se todos souberem assumir esta responsabilidade, garantir-se-á a estabilidade governativa e a governabilidade do País e serão respeitadas a pluralidade e a diversidade das forças políticas representadas na Assembleia da República. Sempre em benefício de Portugal e dos Portugueses. O programa do Governo tem como horizonte o final da legislatura, em 2028.”

Quanto ao mais, e tal como o Observador antecipou, o Programa de Governo resulta em grande medida do programa eleitoral da Aliança Democrática: foco na redução da carga fiscal (para pessoas e empresas), combater no crescimento de rendimentos, salários e pensões, combater a pobreza e as desigualdades sociais. E, apesar dos avisos de Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro mantém mesmo como prioridade a redução do IRC de 21% para 15% em três anos.

Ainda assim, o Programa de Governo continua sem fechar algumas das questões mais quentes. À exceção da questão dos professores (recuperar integralmente o tempo de carreira que esteve congelado de forma faseada nos próximos cinco anos, à razão de 20% ao ano, que consta do Programa de Governo), todas as outras questões (forças de segurança, oficiais de justiça, profissionais de saúde) serão matéria de negociação com os representantes dos setores profissionais.

O Governo não se comprometeu também com solução para o novo aeroporto. Remetendo para o Programa hoje aprovado, Leitão Amaro disse que a decisão será tomada a seu devido tempo. No documento, pode ler-se o seguinte: “Concluir o processo de escolha do novo Aeroporto de Lisboa e iniciar com a maior brevidade possível a sua construção, bem como de outras infraestruturas indispensáveis, nomeadamente a Ferrovia e o TGV (Alta Velocidade).” O mesmo vale para a TAP, onde o Governo, tal como fazia no programa eleitoral da Aliança Democrática, compromete-se apenas a lançar o processo de privatização do capital social da TAP.

A única garantia que Leitão Amaro deixou foi que “o momento e o calendário” da concretização das promessas de Governo acontecerá nos próximos dias, nomeadamente durante o discurso do primeiro-ministro, que acontecerá na discussão do documento na Assembleia da República, marcada para quinta e sexta-feira.

O Conselho de Ministros aprovou também a atualização do Programa de Estabilidade para o entregar na Assembleia da República a 15 de abril. “Conforme diálogo com as instituições da União Europeia, o cenário e o conteúdo desta Atualização do Programa de Estabilidade baseiam-se em políticas invariantes, não refletindo por isso as opções e medidas discricionárias previstas no Programa do XXIV Governo”, explica-se. Ou seja: o Programa de Estabilidade será apresentado a 15 de abril mas sem medidas da AD que têm impacto orçamental.

Numa conferência de imprensa que durou cerca de 15 minutos, e que acabou de forma inesperada por indicação da assessoria de imprensa, ficaram muitas perguntas por responder. À cabeça, o tema do dia — as buscas na Câmara Municipal de Cascais, num processo que pode vir a afetar Miguel Pinto Luz, antigo vice-presidente da autarquia e agora ministro das Infraestruturas e da Habitação — teve direito apenas a um breve comentário de Leitão Amaro. “Não temos qualquer informação sobre diligências que estejam a decorrer para além daquilo que é veiculado pela comunicação social. Temos de aguardar por esclarecimentos. A Justiça deve funcionar e fazer o seu trabalho.”

Além disso, António Leitão Amaro continuou sem dizer se o Governo vai ou não apresentar um Orçamento Retificativo, pese embora todos os sinais apontarem em sentido contrário. Também as declarações de Pedro Passos Coelho — que veio a público defender entendimentos entre PSD e Chega — não mereceram qualquer comentário do ministro da Presidência.